Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O papel da mídia, um papelão

VENEZUELA, GOLPE E CONTRAGOLPE

Mário Augusto Jakobskind (*)

Que papelão o da mídia na cobertura dos acontecimentos na Venezuela. Ao contrário do que disseram os militares golpistas, e que principalmente os canais de televisão passaram adiante, o presidente Hugo Chávez não tinha renunciado ao mandato, mas fora deposto por um golpe de estado, que já estava previsto. CNN e TV Globo cunharam novas expressões para o afastamento forçado de um presidente: a daqui ficou com a "renúncia", enquanto a emissora de Ted Turner preferiu o "abandono" (do poder). Ao mesmo tempo em que Chávez "renunciava", era conduzido a um quartel de Caracas. A única diferença de golpes militares de outros tempos: desta vez a chefia do governo foi dada a um civil, o empresário Pedro Carmona Estanga, o mesmo que vinha liderando há tempos os protestos contra o governo constitucional.

Quem tem boa memória deve lembrar que o presidente Chávez vinha sendo pressionado não apenas por setores econômicos internos, como externos, descontentes com os rumos do país. Até o secretário de Estado americano, Colin Powell, chegou a manifestar o desagrado com Chávez do atual governo dos Estados Unidos. Logo depois que se confirmou o retorno de Chávez ao governo, Condoleezza Rice, a assessora especial de George W. Bush, chegou a afirmar, com a arrogância que lhe é característica, que esperava que o presidente aprendesse "a lição" e corrigisse "os erros". A Casa Branca culpou Chávez pelo que aconteceu, não condenando a quebra constitucional, como fez a maioria dos governos latino-americanos. Trocando em miúdos: o governo Bush mostrava sua verdadeira face, de apoiar esquemas autoritários desde que sirvam aos interesses dos Estados Unidos. Mas a mídia não entrou em detalhes sobre isso.

Para começar a brincadeira, ao tomar posse, Carmona falou em eleições gerais no prazo de um ano, e fechou a Assembléia Nacional. Foi com muita sede ao pote. Se continuasse no Palácio Miraflores (sede do governo), uma de suas primeiras medidas seria a de retirar a Venezuela da Opep (Organização dos Países Exportadores do Petróleo), segundo observadores raramente citados pela mídia. Os democratas do Fundo Monetário Internacional ficaram tão contentes com o golpe que em menos de 24 horas informavam que "o novo governo" receberia toda a ajuda possível. A mídia, com raras e honrosas exceções, uma delas a Tribuna de Imprensa, do Rio de Janeiro, preferiu ficar na moita.

Vale citar ainda o caso da principal TV brasileira, a Globo, que ao anunciar a "renúncia" (e não o golpe) demonstrou total engajamento com o Departamento de Estado. O analista William Wack fez questão de assinalar, logo de saída, embora ninguém tivesse perguntado, que o que estava acontecendo na Venezuela não tinha nenhuma influência do governo americano, era apenas uma questão interna. A revista Época, também das Organizações Globo, ficou tão radiante com o golpe que no sábado apareceu nas bancas com a manchetona "Fim de Chávez é exemplo para a América Latina". Deixou de ser um furo em termos jornalísticos para virar um rombo, em termos de mediocridade. A Veja não ficou atrás, para variar, com a seguinte jóia do pensamento único: "Venezuela: A queda de um presidente falastrão".

Além de publicarem mentiras sobre os acontecimentos, por exemplo, a de que Cuba negara pedido de asilo a Chávez, os jornais diários deram espaço a "analistas" que desancaram contra o presidente constitucional. Alberto Dines, que se pretende um guru "observando a imprensa", [em seu artigo de sábado, 13/4, no Jornal do Brasil] chegou ao ponto de comparar Chávez ao general Ariel Sharon. Em suas conclusões, Dines esqueceu de dizer uma coisa: além de truculento, Sharon é um assassino responsável por assassinatos, no passado e no presente (haja vista o campo de refugiados de Jenin, agora, e os de Sabra e Chatila, em 1982, quando deu sinal verde a uma milícia aliada de Israel para matar centenas de palestinos). E Chávez, matou quem, prendeu quem em três anos de governo? Ninguém. Esqueceu o articulista de dizer que Chávez é bem recebido por dirigentes europeus, como Lionel Jospin e Tony Blair, enquanto Sharon, no Velho Continente, corre o risco de ter sua prisão decretada pela Justiça belga.

Dines joga com o senso comum maniqueísta, de ser contra militares só porque são militares. Esquece o analista que há militares e militares, assim como há palestinos e palestinos, judeus e judeus. Vale assinalar que nem todo mundo embarcou na canoa do senso comum. O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal, por exemplo, divulgou, nas primeiras horas após a volta de Chávez ao governo, uma nota de solidariedade ao povo venezuelano e de repúdio ao golpe, que honra os profissionais da imprensa, numa demonstração inequívoca para que Dines saiba que há também jornalistas e jornalistas na área. Como não poderia deixar de ser, a grande mídia não divulgou uma linha a respeito [clique em PRÓXIMO TEXTO para ler a nota do Sindicato do DF].

Nenhum jornal, rádio ou TV do país quis aprofundar
o tema relativo ao esquema de desestabilização que
sofreu Chávez nestes três anos. Só para os senhores
gurus da mídia terem uma idéia, contra o presidente
constitucional da Venezuela voltaram-se várias forças,
inclusive a da Fundação Nacional Cubano-Americana,
que dirige o filho do falecido Mas Canosa. Este grupo anticastrista
com sede em Miami não só inundou de dólares
a campanha eleitoral de Salas Romer (o social-democrata adversário
de Chávez derrotado pelo voto na eleição presidencial),
como fez doa&cceccedil;ões milionárias a setores antichavistas
nos meios de comunicação venezuelanos para a divulgação
de mentiras das mais variadas, conforme revela o jornalista Carlos
Aznárez, diretor do Resumo Latino-Americano www.nodo50.org.resumen
(publicação independente na internet).

E a informação sobre os mortos?

E informa ainda Aznárez que da referida estratégia
golpista participou o racista (anti-semita) Lindon Larouche, responsável
pela Executive Intelligence Review (EIR), que tem representação
no Brasil chamada Movimento de Solidariedade Ibero-Americana (cuja
especialidade é criticar o PT, o MST e o Fórum de
São Paulo, que reúne os partidos de esquerda da América
Latina, e defender com unhas e dentes o coronel argentino Mohamed
Ali Seineldin, torturador que tentou golpe militar contra o presidente
Carlos Menem e está cumprindo pena de prisão perpétua).
O senhor Larouche, juntamente com outros personagens obscuros, reuniu-se
na República Dominicana com o ex-presidente Carlos Andrés
Péres e com os dirigentes da Fedecámaras (a Fiesp
venezuelana), Pedro Carmona, e da Central de Trabalhadores da Venezuela
(CTV), Carlos Ortega.

Na ocasião, segundo ainda o jornalista Carlos Aznárez, ficou decidido "quando e como" seriam feitas as ações, da mesma forma que se determinou que o novo presidente "de transição" seria o próprio Carmona. A propósito, este senhor Larouche engana a tanta gente que anos atrás andou circulando pelo Brasil e chegou até a se reunir em Brasília com parlamentares de esquerda. Estes, desinformados, talvez por omissão da mídia, ouviram atentamente Larouche, que usa uma linguagem antiimperialista que pode enganar os incautos ? embora seja de extrema-direita. A história mostra que posturas dessa natureza tiveram personagem nefastos como Adolf Hitler ou Benito Mussolini, para ficar somente em alguns.

Isto é história, talvez algo muito profundo para ser comentado pelos analistas de plantão.

Ah, sim, por que será que a mídia simplesmente omitiu a informação segundo a qual os mortos baleados em Caracas (antes do golpe) foram chavistas, e que já foram presos três franco-atiradores, ligados à Polícia Metropolitana de Caracas (anti-Chávez)?

Foi ou não um papelão o da mídia nos acontecimentos da Venezuela?

(*) Editor de Internacional da Tribuna da Imprensa e correspondente da rádio Centenário, de Montevidéu