DEMISSÕES NAS REDAÇÕES
Sidney Borges (*)
Leio em Carta Capital que embora O Estado de S. Paulo e a Agência Estado sejam lucrativos outras empresas do grupo não são [veja remissão abaixo]. Além disso, o rombo nas finanças do grupo foi brutalmente alargado com o investimento na empresa de telefonia BCP. Na revista Época, da Editora Globo, o último de sucessivos cortes ocorreu há duas semanas. Com a saída do diretor de redação Paulo Moreira Leite e a chegada de Aluízio Falcão Filho ? o quarto ocupante do cargo em cinco anos ?, 13 jornalistas deixaram a revista. O grupo Globo tem no jornal O Globo e na TV Globo o lado lucrativo de um conglomerado deficitário, para não dizer quase falido. Estamos falando em crise na imprensa, com demissões sendo justificadas como fruto da crise econômica que assola o país.
Seria leviano negar a crise, mas é também leviano não enxergar que existe uma parte das empresas em crise que não está em crise. O que ocorre tem raiz na falta de adequação dos herdeiros às empresas construídas por seus antepassados, misturando-se a isso uma enorme falta de visão dessas mesmas empresas das reais condições da economia brasileira, fato gravíssimo em se tratando de empresas que passam a maior parte do tempo criticando essa mesma economia.
Quando o “trator” Serjão Motta começou a modernização da telefonia brasileira, em São Paulo um telefone custava em média dois mil dólares, e era objeto do desejo de uma enorme fatia da população. Os celulares, novidade, custavam o mesmo que um carro popular e conferiam status a quem os possuísse. Vivíamos uma fase que agora é moda chamar de “virtuosa” ? e foi nesse momento que começaram a se delinear as crises de hoje, algumas sem saída. Quem abrisse os jornais da época veria projeções tão otimistas que era quase impossível acreditar na incompetência dos governos anteriores.
A verdade no brejo
Logo estaríamos ombreando com o G-7, o grupo dos mais ricos do mundo, tínhamos alcançado a felicidade. Depois de uma década patinando, no primeiro bolsão favorável da economia mundial os donos dos meios de comunicações acreditaram na falácia e embarcaram no avião da “Tucano Airways” sem perceber que tinham esquecido de abastecer a aeronave e o piloto era cego. Todos os brasileiros teriam em breve telefone, TV a cabo e internet ? e quem dominasse esses meios ganharia rios de dinheiro. Se uma velhinha aposentada tivesse aplicado as economias nessa empreitada, e perdido tudo, diríamos, coitadinha, foi enganada, faltou informação.
Mas não foi uma velhinha que foi enganada, foram os donos das maiores empresas de comunicação do país que, pasmem, não tinham informação, embora houvessem construído seu patrimônio vendendo ao país essa mesma informação. Ou desinformação?
O grupo Globo, da família Marinho, tratou de cabear o país com fibra óptica, construiu infra-estrutura para distribuir informação por todos os rincões, para só então se dar conta de que os brasileiros não têm dinheiro. Somos um país de miseráveis, só não vê isso quem vive nas melhores superquadras de Brasília ou na região dos Jardins, em São Paulo. Para ter um telefone fixo, um celular, internet e TV a cabo é preciso pagar. Somados, custam mais de um salário mínimo por mês, computando-se uso normal, sem excessos. Só uma pequena parte da população brasileira pode arcar com esse custo, acrescentando-se o agravante do padrão cultural baixíssimo da maioria, que não saberia o que fazer com essa tecnologia.
É inacreditável que os Marinho e os Mesquita não tenham tido sensibilidade para saber onde estavam pisando. As dívidas contraídas por alguns grupos de comunicação são impagáveis: hoje esses grupos estão nas mãos do governo, o que é altamente preocupante. A capacidade crítica dos veículos desses grupos vai esbarrar em interesses maiores, e a verdade vai pro brejo. Se é que algum dia esteve fora dele.
(*) Jornalista
Leia também
Lula faz gols, mídia engole frangos ? Alberto Dines
Páginas viradas ? Ana Paula Sousa [Entre Aspas, CartaCapital, 16/6/03]