ROGER SILVERSTONE
Ubiratan Muarrek (*)
Os leitores da edição n? 227 de CartaCapital (12/2/03) se depararam com uma chamada insólita entre as quatro sob a manchete de capa: "Silverstone: como defender-se da imprensa". Um órgão de imprensa chamava a atenção de seus leitores a defenderem-se da mesma imprensa. Mais que um paradoxo, a chamada revela um aspecto importante da crise da mídia: o papel da imprensa ao apontar saídas para o cidadão e para si própria.
Silverstone, no caso, é Roger Silverstone, professor inglês titular da cadeira de Mídia e Comunicações da London School of Economics (LSE). Ao saber que estava na capa da publicação ? tratava-se de uma entrevista concedida a este jornalista, publicada às págs. 58-59 da revista?, o professor ficou surpreso. Para ele, era improvável que críticas contundentes à mídia, como as que têm feito nos últimos 20 anos, virassem capa de revista.
Para Silverstone, o destaque e a repercussão desse destaque deveriam ser objeto de estudo. De seu posto privilegiado na LSE, observando ao seu redor o que considera a derrocada de um sistema de imprensa tido como dos mais desenvolvidos do planeta, Silverstone se interessa, afinal, pela derrocada da mídia em todo o mundo.
Projeto democrático
É um desastre amplo, global, irrestrito. Do lado brasileiro, chama atenção pelo fator econômico: empresas semifalidas, demissões a rodo. O que a entrevista com Roger Silverstone buscou mostrar é que o fenômeno está longe de estar apenas nos balanços. Sem repetir aqui os argumentos do professor, que estão à disposição no site da revista <www.cartacapital.com.br>, vale lembrar sua receita para o buraco em que mídia e sociedade estão metidos.
A mídia tem de ser estudada e, para Roger Silverstone, essa é uma tarefa acadêmica, que cabe principalmente à sociologia. Nas suas palavras:
"Meu argumento insiste no papel crucial que a mídia tem, acima de tudo, na sua função de representação, na nossa (ou seja, do cidadão moderno) capacidade de confrontar o mundo em seu imediatismo, sua complexidade e seus perigos, reais e imaginados. Um entendimento desse papel é, de maneira geral, um projeto sociológico, porque requer a mobilização da sociologia e, cada vez mais, da antropologia, ou seja, de teorias que enfocam processos sociais de exercício do poder, da formação de comunidades, da determinação de identidades".
Mas, como o estudo da mídia, na visão de Silverstone, é também um projeto político, ele deve ser necessariamente democrático. Os estudos de mídia têm de falar com a sociedade ? criando um Quinto Poder, como ele define ? e há aí um papel fundamental destinado aos jornalistas. Nesse sentido, o destaque dado por CartaCapital às palavras de Silverstone é significativo.
Reflexão em falta
Talvez fosse demais esperar do jornalismo que abandonasse suas próprias bases (e supostas verdades) e o tecnicismo de sua proposta formativa para embarcar num sistema de conhecimento que, em última análise, o desfiguraria. Jornalistas jamais serão sociólogos, mas isso não legitima sua postura de confrontamento com a produção dos estudos de mídia ? conduzida por "comunicólogos que vêem o ofício de fora e só criticam", como definem alguns no que sobrou da imprensa.
Mídia, como lembra Silverstone (e esse trecho também ficou fora da entrevista publicada em CartaCapital), é muito mais que empresas de comunicação e os profissionais que trabalham nelas: uma outra definição de mídia, diz ele, "poderia ser feita a partir do ponto de vista dos usuários e das audiências (…) Mídia é tanto tecnologias como processos de mediação, ou seja, instrumentos que permitem maneiras de encontrar, assegurar e comunicar significados".
Falta reflexão ao jornalismo (no que concorda Silverstone), uma autocrítica aberta, cotidiana, dirigida aos usuários e que não prescinda dos estudos de mídia. Se as cúpulas das empresas de comunicação têm sido ? e são ? a cada dia mais egocêntricas, mais capitalistas e mais ignorantes, que elas fiquem sozinhas no buraco.
(*) Jornalista