Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O projeto de Aldo Rebelo e o manifesto anti-gerundismo

ARMAZÉM LITERÁRIO

Autores, idéias e tudo o que cabe num livro

ASPAS

Edição: Luiz Antonio Magalhães

A polêmica sobre o projeto que determina a troca de palavras estrangeiras por similares da língua portuguesa, de autoria do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), voltou a frequentar as páginas dos jornais. Aprovado na Câmara, o projeto agora será apreciado no Senado Federal.

O Jornal do Brasil de sábado apresentou uma série de reportagens e artigos sobre o projeto. A matéria principal, de Helayne Boaventura, intitulada "Câmara informa: sai ?é o must?, entra ?é o máximo?", explica o projeto e informa o que falta para que ele entre em vigor. Além disso, a reportagem deixa claro que o próprio governo terá de se adaptar, caso a proposta de Rebelo vire Lei: "a equipe econômica, por exemplo, não abre mão dos termos estrangeiros. Técnicos usam em documentos oficiais inflation, em vez de inflação, e combatem a inside information, em vez de condenar a informação privilegiada".

Aldo Rebelo estava representado no JB com um pequeno artigo ? ?O idioma está sendo deturpado? ?, em que defende a pertinência de sua proposta: "a desnacionalização lingüística pode ser vista a olho nu nas ruas de nossas cidades. A minha intenção ao propor esse projeto foi evitar a descaracterização da língua portuguesa. Nosso idioma está sendo desfigurado por um excesso de estrangeirismos incorporados ao vocabulário de forma estranha à grafia e à pronúncia clássicas do português", escreveu o deputado comunista.

Outra matéria trata especificamente da questão dos bancos, que tradicionalmente utilizam muitos estrangeirismos. Segundo o JB, "as palavras estrangeiras estão perdendo a vez nos dois maiores bancos estatais: o Banco do Brasil (BB) e a Caixa Econômica Federal (CEF). Internet da Caixa em vez de Internet banking e cartão da Caixa no lugar de Federal Card são exemplos do projeto de substituição de estrangeirismo implantado no ano passado. A consultora de marketing da Caixa, Maria Eugenia Bias Fortes, conta que as alterações foram decididas após pesquisa de mercado com clientes. ?Constatamos que eles não recebiam a informação sobre o produto com nome estrangeiro?, disse Maria Eugenia. Segundo ela, além de criar constrangimento para correntistas, os termos prejudicavam as vendas dos produtos. ?A maioria dos clientes da Caixa não é familiarizada com o idioma e se sentia constrangida porque não entendia o significado ou não sabia pronunciar. Isso dificultava até a venda do produto?, contou. A partir de maio, segundo a consultora, os lançamentos da CEF não terão palavras em inglês".

Outra reportagem, de Tomás Absalão, intitulada "Sem exageros, nem censura", faz um amplo balanço da polêmica – o repórter ouviu diversos especialistas sobre o projeto de Rebelo: "o filólogo Evanildo Bechara, da Academia Brasileira de Letras, aponta um aspecto positivo no projeto do deputado Aldo Rebelo, mas faz ressalvas. ?O projeto é um estímulo para que as pessoas olhem para língua portuguesa. Vai atirar no que viu e acertar no que não viu: no cuidado e interesse quanto ao uso da língua?, observa".

Outro estudioso ouvido pelo JB foi o presidente da Academia Brasileira de Letras, Tarcísio Padilha. Ele "reconhece méritos no projeto, mas não acredita na sua viabilidade. ?A intenção de preservar a língua portuguesa da invasão estrangeira é boa, mas o resultado será nulo. Nenhum brasileiro vai deixar de usar expressões estrangeiras só porque uma lei o proíbe?, diz Padilha".

Já o professor de Língua Portuguesa Sérgio Nogueira, autor da coluna Língua Viva do JB, explicou sua posição: "?Não acredito que uma lei possa mudar a língua?, disse o professor. ?Mas acho que o espirito da lei de valorizar a língua é positivo. A incorporação de termos estrangeiros é um fenômeno natural. A critica é aos abusos que trazem palavras desnecessárias. Como beach soccer em vez de futebol de areia ou startar em vez de começar.?"

Gerundismo

Muita gente já deve ter recebido. Ou já deve ter estado recebendo, se utilizarmos a versão "gerundista". O fato é que nas últimas semanas circulou pela internet um texto de autoria do publicitário Ricardo Freire contra o "gerundismo". Trata-se de um manifesto bem humorado, todo escrito na forma que se quer criticar.

O artigo reproduzido abaixo, na íntegra, foi parcialmente publicado na coluna do jornalista Élio Gaspari (Folha de S. Paulo, O Globo).

?Este artigo foi feito especialmente para que você possa estar recortando e possa estar deixando discretamente sobre a mesa de alguém que não consiga estar falando sem estar espalhando essa praga terrível da comunicação moderna, o gerundismo?, diz um trecho do texto do publicitário.

Segundo Freire, o vício de linguagem não é tão novo assim. ?A primeira vez que escrevi sobre o assunto foi em 26 de abril do ano passado, já faz quase um ano. Naquela época, eu chamei o negócio de ‘futuro do gerúndio’. De lá pra cá é que a coisa se espalhou de maneira epidêmica, e contaminou o cidadão comum e o diálogo corriqueiro?, explica.

"Este artigo foi feito especialmente para que você possa estar recortando, estar imprimindo e estar fazendo diversas cópias, para estar deixando discretamente sobre a mesa de alguém que não consiga estar falando sem estar espalhando essa praga terrível da comunicação moderna, o gerundismo.

Você pode também estar passando por fax, estar mandando pelo correio ou estar enviando pela Internet. O importante é estar garantindo que a pessoa em questão vá estar recebendo esta mensagem, de modo que ela possa estar lendo e, quem sabe, consiga até mesmo estar se dando conta da maneira como tudo o que ela costuma estar falando deve estar soando nos ouvidos de quem precisa estar escutando.

Sinta-se livre para estar fazendo tantas cópias quantas você vá estar achando necessárias, de modo a estar atingindo o maior número de pessoas infectadas por esta epidemia de transmissão oral.

Mais do que estar repreendendo ou estar caçoando, o objetivo deste movimento é estar fazendo com que esteja caindo a ficha das pessoas que costumam estar falando desse jeito sem estar percebendo.

Nós temos que estar nos unindo para estar mostrando a nossos interlocutores que, sim!, pode estar existindo uma maneira de estar aprendendo a estar parando de estar falando desse jeito.

Até porque, caso contrário, todos nós vamos estar sendo obrigados a estar emigrando para algum lugar onde não vão estar nos obrigando a estar ouvindo frases assim o dia inteirinho.

Sinceramente: nossa paciência está estando a ponto de estar estourando. O próximo ‘Eu vou estar transferindo a sua ligação’ que eu vá estar ouvindo pode estar provocando alguma reação violenta da minha parte. Eu não vou estar me responsabilizando pelos meus atos.

As pessoas precisam estar entendendo a maneira como esse vício maldito conseguiu estar entrando na linguagem do dia-a-dia.

Tudo começou a estar acontecendo quando alguém precisou estar traduzindo manuais de atendimento por telemarketing. Daí a estar pensando que ‘We’ll be sending it tomorrow’ possa estar tendo o mesmo significado que ‘Nós vamos estar mandando isso amanhã’ acabou por estar sendo só um passo.

Pouco a pouco a coisa deixou de estar acontecendo apenas no âmbito dos atendentes de telemarketing para estar ganhando os escritórios. Todo mundo passou a estar marcando reuniões, a estar considerando pedidos e a estar retornando ligações.

A gravidade da situação só começou a estar se evidenciando quando o diálogo mais coloquial demonstrou estar sendo invadido inapelavelmente pelo gerundismo.

A primeira pessoa que inventou de estar falando ‘Eu vou tá pensando no seu caso’ sem querer acabou por estar escancarando uma porta para essa infelicidade lingüística estar se instalando nas ruas e estar entrando em nossas vidas.

Você certamente já deve ter estado estando a estar ouvindo coisas como ‘O que cê vai tá fazendo domingo?’, ou ‘Quando que cê vai tá viajando pra praia?’, ou ‘Me espera, que eu vou tá te ligando assim que eu chegar em casa’.

Deus. O que a gente pode tá fazendo pra que as pessoas tejam entendendo o que esse negócio pode tá provocando no cérebro das novas gerações?

A única solução vai estar sendo submeter o gerundismo à mesma campanha de desmoralização à qual precisaram estar sendo expostos seus coleguinhas contagiosos, como o ‘a nível de’, o ‘enquanto’, o ‘pra se ter uma idéia’ e outros menos votados.

A nível de linguagem, enquanto pessoa, o que você acha de tá insistindo em tá falando desse jeito??"

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