OPERADORA, PROVEDOR, ANATEL
Gilberto Braz (*)
É triste ver que a imprensa escreve sobre tudo, publica sobre tudo, comenta sobre tudo, informa (?) sobre tudo, e no entanto é formada por profissionais que, ao fazer jornalismo, pensam que fizeram um curso multidisciplinar que lhes dá o direito de falar qualquer bobagem sobre qualquer assunto. É triste ver que mesmo aquela imprensa que se propõe a observar as ações do próprio meio, algo que poderíamos chamar, talvez, de metaimprensa, ou imprensa autocrítica, age da mesma forma: com jornalistas discorrendo sobre assuntos extremamente técnicos para os quais sequer tiveram o cuidado de fazer um estudo aprofundado da matéria para saber como de fato as coisas funcionam.
É o caso da questão da banda larga abordada no artigo "O tripé satânico da internet brasileira". Da briga consumidores x telefônicas. Na matéria publicada no Observatório da Imprensa, algumas "pseudoverdades", já colocadas por outros veículos, são reforçadas para a população:
1)Os consumidores estão sendo prejudicados porque não precisam do provedor para ter acesso à internet;
2)Os provedores não têm qualquer função na conexão do usuário;
3)As telefônicas obrigam o usuário a uma compra casada de um produto que ele, consumidor, não precisa e nem quer;
4)A telefônica colocou o provedor no processo apenas para satisfazer a LGT;
5)A culpa é da LGT, leia-se Anatel;
6)Os provedores teriam uma reserva de mercado que lhes mascara a incompetência.
Ainda que as teles tenham abocanhado de graça um mercado gigantesco e que usem de práticas monopolistas, não podemos colocar no mesmo "balaio de gato" um segmento empresarial que foi responsável pelo desenvolvimento da internet no Brasil, que exerceu a verdadeira ação empreendedora, que desenvolveu todo um mercado, com um nível de competição raramente encontrado em nosso país, basta lembrar que o Brasil chegou a ter mais de 10 mil provedores, provedores de verdade, não meros revendedores de serviços das teles, que é para onde caminha o setor. Por isso, chamar a este segmento jocosamente de "webflanelinhas" e esconder-se covardemente atrás da citação de um usuário completamente leigo é, no mínimo uma irresponsabilidade, é não ter sequer idéia das conseqüências do que se afirma, é estar manipulado pelos interesses nefastos que julga combater.
Esclarecido este "pequeno detalhe" ético, vamos ao esclarecimento técnico necessário:
1)Os consumidores estão sendo prejudicados porque não precisam do provedor para ter acesso à internet.
Em primeiro lugar: acesso à internet é um serviço muito mais complexo do que a ação simples de falar ao telefone. Existem detalhes técnicos de configuração para que se possa navegar, receber e enviar e-mails, fazer upload de arquivos via FTP etc. Estas configurações requerem um suporte técnico especializado que só existe no provedor, pois a companhia telefônica não fornece acesso à internet.
Em segundo lugar: as teles não vendem acesso à internet, elas vendem a habilitação de uma linha a ser transformada (habilitada), através da tecnologia ADSL, a trafegar voz e dados simultaneamente em alta velocidade. Ocorre que por motivos técnicos as teles não conduzem o usuário para que este saia para a internet pela porta do provedor, na verdade esta é uma falha técnica que as teles não resolveram e não querem admitir, pois a rede ADSL não poderia dar acesso direto à internet.
2)Os provedores não têm qualquer função na conexão do usuário.
Esta é outra falácia incrível. As teles, em sua ânsia de instalar o serviço de banda larga, por sua própria decisão, eliminaram boa parte das funções do provedor na conexão, porém a banda de internet consumida pelo usuário tem um custo, este custo é pago pelo provedor. O provedor compra da tele diferentes capacidades de tráfego, como poderia, e muitas vezes o faz, comprar também de várias teles diferentes. No caso da banda larga, o provedor compra da telefônica da sua região uma certa capacidade para permitir que seu assinante saia para a internet. Como as teles não implementaram uma arquitetura de rede para que o usuário saia para a internet pela porta do provedor, muitos usuários fraudam o sistema de acesso ao sair direto, sem contratar um provedor, mas isto não é um direito, é uma fraude!
E vejam a que absurdo chegamos: juízes sem o menor conhecimento técnico, pressionados pela opinião pública mal-informada pela imprensa, julgando procedentes e legitimando uma ação ilegal!
3)As telefônicas obrigam o usuário a uma compra casada de um produto que ele, consumidor, não precisa e nem quer
Aqui outro erro de interpretação: para navegar o usuário precisa de um serviço chamado DNS. Este serviço é provido pelos provedores. Muitos usuários usam servidores de DNS de provedores, aos quais não remuneram com a devida contrapartida. Entretanto, estes usuários geram tráfego para o provedor, ou seja, consomem a banda de internet do provedor. Para enviar e-mail, os usuários precisam do servidor de SMTP de um provedor. É comum algumas empresas contratarem apenas a telefônica, e quando não conseguem enviar e-mail, pedem suporte do provedor que hospeda seu domínio.
Ocorre que o provedor não pode enviar e-mail de uma conexão originada em outra rede, pois não está sendo remunerado por aquele tráfego, e mais importante ainda, não pode abrir seu serviço SMTP para IPs (máquinas) conectados a partir de outras redes, pois estará dificultando o controle de tráfego e fragilizando a segurança de sua rede contra Spam [e-mail não-solicitado], ações de hackers e outros aspectos de sua política de segurança.
4)As telefônicas colocaram o provedor no processo da contratação banda larga apenas para satisfazer a LGT.
Outra mentira que soa como uma verdade muito convincente. O que ocorre é que as telefônicas não estão cumprindo a LGT, pois deveriam abrir suas redes a todos os provedores e, a partir de 2004, a outras teles que queiram oferecer acesso a internet via ADSL. Esta medida garantiria a competição entre muitas empresas provedoras de internet, as quais, contratando capacidade de tráfego na operadora de seu interesse, poderia oferecer preços competitivos ao mercado. Ocorre que as telefônicas, como já dito, não conduzem o usuário para a saída de internet do provedor; antes disso, ela faz o usuário sair pela porta dela e cobra o provedor pelo tráfego utilizado, obrigando-o a contratar tal serviço dela e somente dela.
Obviamente, as telefônicas cobram o quanto querem, e o provedor não tem opções de fornecedores nem qualquer condição de reduzir seus custos pela competição de fornecedores de banda para o serviço. Portanto, os provedores e a LGT seriam a garantia de competição. Basta ver que, se os consumidores conseguirem, por via judicial, a exclusão do provedor, as telefônicas vão estar soberanas no mercado de suas regiões, e vão cobrar do assinante a receita que não terão do provedor. O que não se entende é por que a Abranet não advoga nesta direção, mas fica fazendo o joguinho de mistificar a questão. Este jogo só favorece as teles.
5)A culpa é da LGT.
Só quem não entende a função das teles e a importância de se restabelecer o papel do provedor no serviço de acesso pode afirmar que a LGT promove uma reserva de mercado. Só um idiota sem conhecimento para pensar que está combatendo uma reserva de mercado para uma classe empresarial quando, na verdade, suas idéias conduzem à consolidação do monopólio da companhia telefônica, que na prática é a forma mais perversa de reserva de mercado.
6)Os provedores teriam uma reserva de mercado que lhes mascara a incompetência.
Afirmação mais infame eu nunca ouvi. O Brasil chegou a ter mais de 10 mil provedores. Os provedores gigantes, apoiados pelas operadoras (quando não propriedades delas…) simplesmente arrasaram com boa parte destas empresas, que empregavam dezenas de milhares de profissionais. O dumping do acesso gratuito, o dumping das promoções de preços de empresas pertencentes às telefônicas, como é o caso do Terra, em São Paulo.
Como pode uma empresa pagar R$ 27 por um serviço à operadora de telecom e vendê-lo por R$ 29,90? Não paga sequer os impostos? Como pode sobreviver um provedor que vê centenas de seus assinantes de acesso discado migrarem para o ADSL e escolherem o provedor da telefônica porque o preço é muito menor? Mas onde está a isonomia? É certo que muita gente vai dizer: "Mas é a competição, quem não tem competência não se estabeleça." Mas para onde levou a competição do acesso gratuito?
Somente os tornados iGnorantes pela mídia poderiam acreditar que um acesso de péssima qualidade, que liquidou muitos provedores de boa qualidade, significaria alguma economia… Liquidados os oponentes, o acesso deixa de ser gratuito. Mas o que é mais saudável para o consumidor? Dez mil provedores disputando o mercado ou quatro grandes provedores combinando qual será o preço ao mercado?
Antes de reforçar bobagens o Observatório deveria observar-se a si mesmo para ver se está munido do conhecimento técnico necessário para tratar questões que podem afetar a existência de milhares de empresas, em sua grande maioria pequenas empresas que empreendem uma resistência heróica ao extermínio promovido pelas operadoras de telecom.
Publiquem se tiverem algum compromisso com a clareza dos fatos. Se não tiverem eu saberei compreender o vosso atrelamento ao portal que lhes dá guarida.
(*) Gerente comercial, São Paulo
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