EXAME NACIONAL DE CURSOS
Rogério Tomaz Jr. (*)
Alguns professores de Comunicação ? especialmente os que têm o poder de estabelecer o que os cursos desta área, no país inteiro, devem considerar como obrigatório para constar em seus projetos pedagógicos ? costumam se referir ao boicote ao Provão do MEC como um ato de covardia.
O objetivo, com este rótulo, é deslocar o foco da questão, retirando-o de sua origem e colocando-o em suas conseqüências. É o mesmo que dizer que o ensino superior deve ser privatizado, pois a maioria dos que chegam a esse "clube" tem condições de pagar o "serviço". É uma estratégia bem simples: ignora-se o processo e o conjunto de fatores que compõem o quadro, para então se proceder tranqüilamente com a sua varredura, eliminando de vez a realidade anterior, inadequada a quem detém a hegemonia.
Chamar de covardia um ato político ? motivado contra um instrumento comprovadamente político ? não é apenas uma estratégia. É covardia em dobro. Covardia de apelar para a desqualificação obtusa, pela pura e simples falta de argumentos que justifiquem a insistência num sistema tão caro e, em contrapartida, tão pouco eficaz em relação aos seus (supostos) objetivos.
Covardia é a coação em se obrigar os formandos a comparecerem a uma prova que ? já está provado e comprovado ? não prova nada. Se a "avaliação" fosse séria, faria parte do cotidiano, da vida do estudante; não seria "o último e obrigatório requisito" para se obter o diploma. Dizer que a nossa opção é tranqüila, por deixar o prejuízo de suas conseqüências para a instituição, é falácia. A rede pública, especialmente a federal, está no fundo do poço. Não há mais para onde regredir, exceto pelo fim do atual sistema. A licitação do MEC para a aquisição de equipamentos para os cursos de Jornalismo e Rádio/TV, ainda inconclusa após mais de seis longos anos, é apenas uma das provas contundentes do descaso do governo com o ensino público.
Política é a arte do possível. E se fosse possível, no contexto atual, pregar o não-comparecimento ao Provão e obter êxitos relativos, isso teria sido feito. É muito fácil ter os instrumentos de pressão na mão e ficar desdenhando, desqualificando quem não os possui.
Covardia é obrigar, além do comparecimento, a permanência em sala durante 90 minutos, mesmo de quem só vai assinar a presença e se retirar. Ah, claro, alguns podem se inclinar, após dar uma rápida olhada na prova, a responder às questões simpáticas ? ou as antipáticas.
MST no Provão
Como era esperado, mais uma vez a avaliação de Jornalismo foi de ridícula a medíocre. Uma questão sobre Umberto Eco, uma comparação entre a forma do jornal impresso e a sua versão online, uma música de Gilberto Gil que faz referência a alguns elementos do jornalismo, uma entrevista a ser traduzida em matéria para site jornalístico e outros temas que seriam respondidos sem esforço por qualquer estudante mediano de terceiro ou quarto semestre de curso.
O que chamou a atenção foi a primeira questão. Uma foto de Mário Lill, integrante do MST, ao lado do líder palestino Yasser Arafat, segurando a bandeira do Movimento, foi utilizada para ilustrar a prática de difundir "notícias fabricadas" e "pseudo-eventos", com a intenção de "abrir espaço na mídia e influenciar a opinião pública".
Ao menos em minha turma, a questão causou indignação geral, mesmo naqueles que não boicotaram a prova ? a minoria. Um exemplo inusitado da manifestação de funcionamento dos aparelhos ideológicos do Estado.
No noticiário do fato nos meios de comunicação tradicionais, quase não se falou que o representante do MST estava acompanhado de militantes de movimentos sociais de diversos países do mundo, em missão cujo objetivo era servir de "escudo humano" ao dirigente palestino. Foi tratado apenas como oportunismo e marketing político/institucional do MST que, pelo que se podia entender das matérias, nada tinha a ver com a situação na Palestina.
O professor Victor Gentilli (UFES), que nos acusa de covardes, poderia nos oferecer uma explicação mais acertada para enquadrar a questão do MST no Provão, mas não poderá nos considerar inconsistentes. Caso considere, terá que atribuir adjetivos semelhantes a todos aqueles que discordam e criticam duramente o Exame Nacional de Cursos na comunidade acadêmica, que constituem uma "maioria silenciosa" diante do poder midiático do MEC e do governo federal. Inclusive terá que se referir ao professor Paulo Cunha (UFPE), que o humilhou num Congresso Internacional de Jornalismo de Língua Portuguesa, em Recife, no ano de 2000, durante uma discussão sobre a formação dos jornalistas em que o seu tempo foi utilizado integralmente para exibir as "conclusões" e os "resultados" do Provão na área. Foi imediatamente contestado pelo professor Paulo Cunha ? detentor do senso crítico e da formação interdisciplinar que o Provão tanto despreza ?, que era aplaudido a cada intervenção, seguido do silêncio mórbido às fracassadas tentativas de refutação, bastante exaltadas, do professor Gentilli.
Independentemente do boicote, os estudantes já somos vitoriosos. Construímos um projeto de avaliação institucional que pode se adequar às distintas realidades de cada escola e cada região, e já estamos a caminho de começar a implementar as primeiras experiências. Vários cursos estão dispostos a colocar em prática o "Avaliação pra valer!", o que só aumenta a nossa responsabilidade nas discussões sobre a qualidade da formação em Comunicação Social. Esperamos que os especialistas no assunto também se proponham a contribuir com esse movimento.
(*) Estudante de Comunicação (Jornalismo) da UFMA e coordenador da Regional Nordeste 3 da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (ENECOS)
Meu caro Rogério, um debate de idéias contrapõe idéias a outras idéias diferentes. E a sustentar as idéias e propostas, fatos e argumentos.
Você afirma que desloco o foco da questão, retirando de sua origem e colocando em suas conseqüências. Por favor, apresente quais são as origens e as conseqüências, demonstre como as desloquei e estarei pronto a esclarecer minhas idéias, que não desconheço que são polêmicas, mas as suponho claras. Caso sua referência seja ao uso do termo covardia, não vejo onde estaria o deslocamento.
Reafirmo que se esconder no sigilo da própria nota para oferecer um conceito público negativo à instituição que lhe deu a formação não é propriamente um ato de coragem. Em outras palavras, a pretensão suposta é atingir o MEC, mas atinge-se a escola em que se formou. Sem risco. Quem não assume a sua opção com os ônus e bônus dela decorrentes é covarde. Ou não? Você afirma que a prova não prova nada, que o Provão é um ato político (como se os atos políticos fossem negativos) mas, desculpe, o jogo de palavras não prova suas afirmações. Você tem, é claro, todo o direito de ter essas opiniões. Por favor, permita a quem tem opinião contrária também apresentá-las. Na sua opinião, o Provão é um ato político e isso é ruim; o boicote é um ato político e isso é bom. É isso mesmo que você quis dizer?
Não me recordo de ter sido humilhado por Paulo Cunha no Encontro Internacional de Jornalismo de Língua Portuguesa, em 2000, em Recife. Se há uma forma baixa de enfrentar um debate é desqualificar o debatedor, e não os seus argumentos. Segundo seu artigo, força e fraqueza de argumentos são avaliáveis em apupos de auditório. Recordo-me de um bom debate com Paulo Cunha. Trata-se de pessoa educada que combate idéias, não pessoas. É até possível que ele tenha obtido aplausos nas suas falas e eu tenha recebido vaias nas minhas. Concluir daí que fui humilhado (eu, e não minhas posições) é desconhecer os preceitos mínimos dos bons modos e da compostura. Lamento.
Você escreveu que há professores com "poder de estabelecer o que os cursos desta área, no país inteiro, devem considerar como obrigatório para constar em seus projetos pedagógicos". Desconheço.Você se refere a mim? Informo que está equivocado. Recomendo da leitura da LDB.
Desconheço também quem elaborou a prova do Exame Nacional de Cursos. Tais pessoas foram contratadas pelo consórcio Cesgranrio/Fundação Carlos Chagas e são de absoluto desconhecimento dos integrantes das comissões.
Você diz que política é a arte do possível e que é impossível propor um não-comparecimento em massa ao Provão. Se há algo inquestionável nas lideranças estudantis de Comunicação e Jornalismo é o poder de liderança e de persuasão. A considerar verdadeira a nota da Enecos publicada na edição anterior deste Observatório, o boicote este ano deve superar os 25%. Quem consegue uma adesão destas não consegue ou não quer propor um não-comparecimento? A Enecos orgulha-se de sua representatividade, o que é, sem dúvida, um de seus grandes méritos. Aí você chega e diz que essa representatividade não é tão grande assim. Afinal, seu texto deixa claro que você concorda que o não-comparecimento é uma forma de boicote muito mais eficaz mas, infelizmente, as condições possíveis não permitem que a Enecos proponha tal forma de protesto. É isso mesmo que você quis dizer?
A palavra é sua. O Observatório continua aberto ao debate. Como sempre. (V. G.)