FÓRUM SOCIAL MUNDIAL
Beatriz Rinaldi
O II Fórum Social Mundial descrito pela grande imprensa poderia ser resumido assim: um bando de estudantes, militantes radicais e ativistas "em defesa do homossexualismo, ambientalismo e outros ?ismos?" (Estado de S.Paulo, 5/2/02) se reuniu em Porto Alegre para gritar em manifestações "gastos slogans antiamericanos" (Veja, 6/2), sem no entanto apresentar "propostas concretas", enquanto o PT procurava lucrar politicamente com o evento.
Tamanha má vontade (para não dizer má-fé) foi igualmente dispensada aos palestrantes ? o enviado especial do Estado de S.Paulo não deixou passar a "gafe" cometida por Noam Chomsky em entrevista coletiva: segundo matéria na edição de 1/2 do jornal, o professor e ativista americano "elogiou a política de [José] Serra no caso da Aids, sem saber que elogiava o adversário político do partido que o convidou ao Brasil". Pobre e desinformado Chomsky. Se soubesse, jamais o teria dito. Ao menos na visão do repórter.
E o que sobra das notícias vindas de Porto Alegre, a não ser a opinião mal-dissimulada dos jornalistas?
Um exemplo. Nenhum daqueles veículos se propôs a acompanhar, entre tantos debates de interesse, as palestras que trataram de Comunicação. Talvez por indiferença, convicção de que o assunto não interessa ao público leitor ? "não dá notícia", quem sabe? O fato é que muitos jornalistas ? e conseqüentemente seus leitores ? ignoraram a existência de uma ótima conferência sobre democratização da mídia, realizada no dia 3/2. Ao debate compareceram Bolivar Osvaldo León (ALAI), Roberto Savio (IPS) e Joelle Palmieri (Les Pénélopes), além de Ignacio Ramonet, diretor do Le Monde Diplomatique, e Jeff Cohen, fundador da FAIR (Fairness & Accuracy in Reporting). A seguir, os pontos principais das intervenções dos dois últimos.
Forma de resistência
Ignacio Ramonet falou em espanhol (apesar do protesto de um conterrâneo irritado) e começou recomendando a matéria da revista The Nation, publicada em dezembro, sobre os dez maiores conglomerados de mídia e entretenimento do mundo. Graças à dominação dessas corporações, hoje valem os mesmo critérios tanto para a informação quanto para um filme da Disney: ambos devem ser "breves e diversionistas".
A informação, concebida como mercadoria, tende cada vez mais a ser gratuita, o que contribui para a degradação das condições de trabalho do jornalista e sua proletarização. Se o conteúdo é livre, as empresas passam a lucrar transformando o público em mercadoria, ou seja, o negócio é vender "cidadãos aos anunciantes". Ramonet enfatizou a diferença entre os tipos de informação produzidos ? enquanto uma é gratuita e "patética", feita apenas para provocar emoções, outra custa caro e destina-se a um grupo restrito: "Existe uma informação para dominados e outra para dominadores".
O grande problema que enfrentamos atualmente, segundo o jornalista, é julgar a verdade da informação que recebemos, já que na rede mundial as notícias falsas circulam livremente. Por isso é preciso desenvolver uma ecologia da informação, criar um órgão "como um Greenpeace" para a comunicação. Ramonet citou como exemplo a denúncia falsa, amplamente divulgada pela internet, de que a CNN teria exibido, após os atentados de 11 de setembro, imagens antigas de um grupo de palestinos em festa como se estivesse comemorando a tragédia. Boatos como este, às vezes mirabolantes, espalham-se e parecem convincentes justamente "porque o sistema de informação é muito controlado". Trata-se, portanto, de uma forma de resistência, que se dá "através do humor e do rumor". Mas ele avisa: "A contra-informação deve ser muito rigorosa, senão cairemos na guerra da mentira contra a mentira. Com a verdade, venceremos".
Alternativas de luta
Jeff Cohen iniciou sua exposição afirmando que a quantidade de veículos de comunicação não serve para indicar se um sistema é democrático. As corporações apresentam os consumidores como "realezas" que podem controlar o sistema ao escolher entre os 57 canais abertos que lhes são oferecidos. "A questão não é quantos canais existem, mas quem os controla." E estes são poucos: "Rupert Murdoch gaba-se que suas redes e sistemas de TV podem atingir 75% da população mundial. Eu diria que isto é poder demais nas mãos de qualquer indivíduo".
O ponto principal do discurso de Cohen foi um relato dos diferentes tipos de movimento de democratização da mídia. As propostas foram por ele divididas em quatro áreas: quebra de monopólio da estrutura, preservação e fortalecimento de canais públicos, criação de reservas para emissoras independentes e levantamento de recursos para fundar veículos não-comerciais.
Sobre o primeiro tipo de reforma, Cohen revelou que 17 anos atrás as leis americanas proibiam qualquer um de controlar, em todo o território nacional, mais de 7 estações de TV, 7 estações de rádio AM e 7 de rádio FM. "Por causa da desregulamentação dos últimos anos, vivemos hoje uma situação em que uma companhia, conhecida como Clear Channel, controla mais de 1.200 estações de rádio e padroniza seu conteúdo de uma forma que ultrapassa até os hambúrgueres do McDonald?s." Quanto mais concentrado o poder, menor a diversidade.
Em relação ao segundo tipo ? preservação de emissoras públicas ? o ele observou que o setor está sob ataque em todo o mundo. As companhias particulares pressionam o governo para que as privatize , "portanto estamos tendo problemas até para manter as estações de rádio e TV excessivamente comerciais que temos". Segundo Cohen, esse é "um setor vital para a luta", que é preciso defender e encontrar formas melhores de financiar.
A terceira proposta é conseguir reservas para canais não-comerciais. Em Washington, há alguns anos, um grupo de ativistas conseguiu exigir que parte de um novo sistema de TV via satélite fosse deixada para uma estação independente. Graças a este movimento nasceu a Free Speech TV. De acordo com Cohen, algumas cidades do estado americano de Vermont já provaram que a experiência funciona: negociando com companhias a cabo, as prefeituras ganharam uma certa porcentagem de canais públicos e financiamento de estúdios de TV para a comunidade local produzir sua própria programação.
Mas na opinião do ativista o setor fundamental de reforma é o levantamento de recursos. Uma proposta formulada pelo professor de Comunicação Robert McChesney, que pode virar lei nos EUA, permite que qualquer contribuinte desconte 200 dólares de seus impostos para doar ao veículo independente que quiser. Outra maneira é exigir que parte da verba arrecadada pelo governo com a venda de fatias do espectro de radiodifusão ? "que pertence ao público" ? seja direcionada para a mídia independente. "Meu jeito preferido de coletar dinheiro para o jornalista que realmente precisa no setor não-comercial é através de um imposto de 1% sobre toda propaganda de TV e rádio", afirmou O público que lotou o auditório da PUCRS aplaudiu.
Faltaram propostas concretas? Cohen apresentou e comentou várias delas. Pena que muitos jornalistas não estavam lá para ver, ouvir e reportar. Ou será que essa atitude faz parte da estratégia diversionista de seus veículos?