MUDANÇAS NA
ANATEL
Luiz Egypto
Os jornais acompanharam a troca de comando na Agência Nacional
de Telecomunicações (Anatel) esmiuçando, durante
os últimos meses, o processo de fritura que por fim defenestrou
Luiz Guilherme Schymura da presidência da agência, substituído
pelo engenheiro-sindicalista Pedro Jaime Ziller de Araújo.
A nomeação de Ziller causou algum alvoroço
nos "mercados", sobretudo por sua (dele) histórica
oposição ao programa de desestatização
que colocou sob gestão privada a exploração
dos serviços de telecomunicações ainda no primeiro
governo FHC.
No dia em que foi batido o martelo sobre a demissão de Schymura
(terça, 6/1), fontes de todos os calibres correram a vocalizar
posições em entrevistas à imprensa. Os mais
espertos foram os consultores já acostumados a aproveitar
todas as deixas para fazer valer os interesses de seus clientes.
Naquela terça-feira agiam por precaução, pois
até então não se conheciam as intenções
do novo presidente da Anatel.
A guerra de movimentos teve como pano de fundo a queda-de-braço
entre as áreas econômica (Fazenda) e política
(Casa Civil) do governo a propósito do grau de interferência
do Planalto nas agências reguladoras, em especial no que respeita
ao arbítrio no reajuste das tarifas ? motivo, aliás,
para o primeiro e principal arranca-rabo entre o (então)
ministro das Comunicações Miro Teixeira e a Anatel
de Schymura.
Os temores sobre uma eventual quebra de contratos foram desmanchados
com uma frase de efeito, acompanhada de um mea-culpa, colhida pelos
repórteres no dia da posse do novo presidente da Anatel.
Pedro Ziller dixt: "A privatização foi um sucesso
do ponto de vista do serviço". E arrematou com uma revisão
peremptória de sua antiga posição antiprivatista:
"Fui um futurólogo de segunda categoria". Ganhou
manchetes, claro.
Mas, no frigir dos ovos, alguns jornais voltaram a cair feito patinhos
numa armadilha do jornalismo contemporâneo armada com freqüência
por fontes, digamos, mais sábias. Estas têm traquejo
suficiente para inverter a lógica da apuração
e, elas próprias, pautam a mídia. O Estado de S.Paulo
foi um caso, numa bobeada que não honra as tradições
da veneranda casa dos Mesquita.
Na quarta-feira, o Estado trouxe página inteira (dividida
com um anúncio de meia, em quatro cores) sobre o assunto
Schymura, em três retrancas. O título principal em
seis colunas, "Planalto decide demitir presidente da Anatel"
(pág. A 7, 7/1), segurava dois secundários ? "Dúvida
jurídica adiava substituição" e "Para
especialistas, saída ameaça planos de Palocci".
Do que tratava esta última materiola? Que especialistas
são esses? Eis o lide:
"A saída do presidente da Agência Nacional
de Telecomunicações (Anatel), Luiz Guilherme Schymura,
é um duro golpe nos planos do ministro da Fazenda, Antônio
Palocci, de fazer de 2004 o ano da agenda microeconômica".
No correr do texto, o chutômetro bem calibrado do redator
é endossado por Gesner de Oliveira, identificado pelo jornal
como "sócio da consultoria Tendências e ex-presidente
do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)",
que defendeu enfaticamente a permanência de Schymura na função.
Depois, lê-se um trecho sem aspas
(e o grifo é aqui justificado pois se trata de matéria
assinada, oriunda da sucursal do Rio) em que o repórter,
e por decorrência o próprio Estadão,
assumem como sua uma análise da consultoria Tendências.
A ver o exemplo de opinionite engolido em seco:
A questão nada tem a ver com os méritos
ou deméritos de Schymura no seu atual cargo. Um dos principais
pontos da agenda microeconômica é tornar a regulação
dos setores de infra-estrutura no Brasil mais transparente,
estável e imune ao poder político. As agências
reguladoras independentes foram implantadas pelo governo anterior,
e garantem mandatos fixos para seus conselheiros e presidentes.
Isto quer dizer que eles não são demissíveis
pelo presidente da República, e teoricamente podem trabalhar
sem temer a pressão dos políticos.
Errado. Deu-se exatamente o contrário, apesar da muleta
"teoricamente" usada sem pudor. Os presidentes da agência,
qualquer agência, são demissíveis, sim, tanto
que Schymura o foi.
E para fechar (malgrado o clichê) com chave de ouro, e não
parecer tratar-se de matéria de fonte única (o que,
grosso modo, confunde-se com um press release), o repórter
"ouviu" uma segunda fonte e publicou suas perorações
sobre uma tal "incerteza regulatória", agora devidamente
entre aspas e atribuídas ao ex-ministro da Fazenda Maílson
da Nóbrega.
Deve ter dado um trabalhão para apurar que Maílson
é "ex-ministro da Fazenda", como o qualifica a
matéria. Mas não custava informar o leitor que ele
é sócio-fundador da mesma consultoria Tendências
onde bate ponto o economista Gesner de Oliveira.
Uma colher de chá como essa, nas páginas do Estado,
não tem preço.