Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

O que está em jogo no Acre

MÍDIA & DEMOCRACIA

Luciano Martins Costa (*)

O comentário de Ricardo Setti sobre a absurda decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Acre, que suspendeu a candidatura à reeleição do governador Jorge Viana (PT) [veja remissão abaixo], merece mais reflexões dos editores de grandes jornais e das revistas semanais do que o demonstrado pelo noticiário a respeito ? com certeza motivado mais pela indignada reação do corregedor do TRE, juiz Pedro Francisco Garcia, do que pelo fato em si.

Basta lembrar que o ex-governador do Distrito Federal, o igualmente petista Cristóvam Buarque, também teve seus direitos suspensos temporariamente, em função de um fato absolutamente irrelevante, no cenário que permite observar delinqüentes notórios limpando seus prontuários na carreira política, para ficarmos cientes de que a ação de organizações criminosas pode estar mais enraizada nas nossas instituições do que podemos supor.

A luneta giratória de Setti com certeza vai dentro de pouco tempo conduzir seu foco de volta para aquele canto de Brasil, geralmente visto pela imprensa como a "terra de Chico Mendes" ou a "terra do Santo Daime". O que ele vai comentar dependerá em muito do interesse que a grande Imprensa dispensar à disputa que ali travam há muitos anos os democratas do lugar contra um grupo que congrega desde pecuaristas bem relacionados com o Banco do Brasil a traficantes de drogas e contrabandistas de armas. O espectro político do Acre exige considerar a relação entre rebanhos-fantasmas financiados pelas carteiras agrícolas de bancos oficiais e o fluxo de drogas e armas nas fronteiras da Amazônia.

Só quem esteve lá pode entender em toda sua extensão o risco que correm Jorge Viana e seus aliados. Lembro de uma ocasião em que, marcando entrevista com um dos líderes da UDR local, homem considerado violento, o próprio entrevistado aconselhou que a conversa fosse realizada no aeroporto de Rio Branco, diante de testemunhas, para evitar que alguma pergunta o irritasse ao ponto de perder o controle e sacar seu revólver.

Olhar atento

Também não posso esquecer a figura sinistra do pistoleiro que passava o dia sentado num banco da praça esperando empreitada de assassinato. Ou o passeio, no jipe do jornalista e compadre Altino Machado, até a borda do Rio Acre, onde, após atravessar para o lado boliviano, era possível visitar o mercado livre de produtos eletrônicos, drogas, metralhadoras, fuzis e munições, fazendo o trajeto de ida e volta à capital do estado sem topar com um policial sequer no caminho.

Muita coisa tem mudado desde então, mas a prisão do ex-deputado Hildebrando Paschoal não significa que a ordem esteja garantida. Muitos outros criminosos continuam livres e o próprio Hildebrando, ex-coronel da PM, tem muitos admiradores entre os policiais e ainda lidera sua bancada na Assembléia Legislativa.

Jorge Viana e a senadora Marina Silva, sua companheira de partido, gozam de grande prestígio fora do Brasil. Pude testemunhar, dois anos atrás, quando o auditório da Universidade da Califórnia, em Berkeley, lotado, silenciou para ouvir a cabocla, com seu corpo miúdo e sua voz debilitada pela doença contraída em águas contaminadas com mercúrio, fazer uma brilhante análise da questão da "florestania" ? para, em seguida explodir numa salva de aplausos emocionante. Também pude conviver com Jorge Viana em seu esforço pelo desenvolvimento sustentável da região, colaborando com o projeto da Universidade da Floresta.

O que se joga no Acre é muito mais do que a sobrevivência de um projeto político de ambientalistas românticos. Ali se desenrola um capítulo importante da história da democracia no Brasil. Os grandes jornais do Sudeste e de Brasília precisam manter o assunto sob olhar atento. Mais do que qualquer outra instituição, é a imprensa que pode hoje fazer a diferença no destino da Amazônia Ocidental. Também é a imprensa que pode definir se um bando de criminosos vai para a cadeia ou para o poder.

(*) Jornalista

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