BANDIDAGEM DE LUXO
Nelson Hoineff (*)
Um leitor do Jornal do Brasil escreve para o jornal: "Agora que começa a cair a máscara do governo Garotinho, e descobriu-se que o bonde é tanto mais do mal quanto mais longe da favela e mais próximo da Suíça, resta saber quando esses verdadeiros piratas de colarinho irão fazer companhia a Elias Maluco e Fernadinho Beira-Mar, no xilindró".
Suponho que a dúvida do leitor Ricardo Campos seja a de muitos outros. As cartas estampadas em vários jornais sugerem isso. A questão é determinar se os leitores esperam que as providências para que os "piratas de colarinho" façam companhia a Fernandinho Beira-Mar partam do poder público ou da imprensa.
Elias Maluco, por exemplo, ganhou notoriedade ao assassinar o repórter Tim Lopes, justamente porque a imprensa estava na Favela da Grota substituindo o poder público. A televisão imiscuiu-se com microcâmeras no Complexo do Alemão porque era por isso que clamava a população local.
A sociedade, não importa a classe social a que cada cidadão pertença, dá procuração tácita aos meios de comunicação para resolver as questões para as quais o poder público se mostra ineficaz. Se não fosse a mídia, é possivel que Fernando Collor tivesse cumprido o seu mandato e até sido reeleito.
A opinião pública vê agora um caso de corrupção grotesca praticado por servidores do estado que estavam lá justamente para fiscalizar as grandes empresas. Trata-se de uma situação gravíssima por muitas razões. A primeira delas é que os bandidos eram justamente os fiscais. Podiam ser qualquer outra coisa, mas eram fiscais. Servidores a quem o Estado enche de poder para investigar as empresas privadas em nome de promover a arrecadação e o bom uso do dinheiro público. É preciso muita confiança para que se dê a alguém esse poder. E na maioria dos casos conhecidos não se dá tanta confiança a pessoas que não se conhece.
A segunda razão é que os fiscais extorquiam empresas e tomavam delas somas capazes de gerar benefícios de até 18 milhões de dólares para alguns deles. É difícil acreditar que os 32 milhões de dólares que apareceram na Suíça não sejam mais que a ponta de um grande iceberg. É muito mais difícil de engolir ainda que esse dinheiro todo decorra apenas de extorsões a empresas privadas ? e não inclua o desvio de dinheiro público.
Última instância
Não é possivel para qualquer sociedade conviver com esse clima de desconfiança de seus dirigentes. Ao mesmo tempo, pretender que o episódio seja o fruto isolado de uma quadrilha montada por Rodrigo Silveirinha Corrêa, da qual ninguém tinha conhecimento, é chamar toda a população de ignorante; é dizer que ela deve ser mesmo tutelada por assaltantes intelectualmente mais preparados do que ela.
É aí que leitores como o missivista do Jornal do Brasil entram em cena. O que eles estão dizendo é que essa convivência é inaceitável. Que se bandidos a serviço do governo ficam impunes, então tudo é permitido. E que para que a anarquia não se faça geral, tem-se que separar os que trabalham e produzem dos que os achacam e ficam com seu dinheiro.
O que os leitores também estão insinuando é que eles não acreditam que, sem o estímulo permanente da imprensa, os órgãos públicos serão capazes de colocar a mão numa ferida tão suja. Não se pode imaginar que os leitores estejam errados. Talvez seja cedo para dizer se o caso Silveirinha vai se transformar num escândalo de proporções maiores, mas é indiscutível que se o escândalo existir ele só vai aparecer com a participação firme da midia.
No fundo, o que pede o leitor Ricardo Campos não é muito diferente do que pedia a população do Complexo do Alemão. Ambos sabiam que estavam em mãos de bandidos e que servidores do Estado tinham cumplicidade com eles. Ao Estado, então, era difícil recorrer diretamente. A imprensa era a última instância para forçar a ida de Elias Maluco para a cadeia. A imprensa é também a última instância para evitar que a quadrilha de Silverinha ? seja lá o nível em que estiverem os seus chefões ? não continue andando livre junto ao povo que eles estão assaltando.
(*) Jornalista, escritor e diretor de TV