Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O que é ruim a gente esconde

TELEJORNALISMO

Paulo José Cunha (*)

Tudo bem, Roseana é carta fora do baralho e a candidatura dela virou jornal de embrulhar peixe. Mas há um detalhinho bizarro que passou meio batido só porque a atriz principal recolheu-se aos camarins: aqueles dois últimos VTs de propaganda da ex-governadora, aqueles que entraram no ar quando o PFL já tinha largado a menina na cova dos leões.

Provavelmente, nos últimos anos, nenhum debate sobre marketing eleitoral foi mais intenso no Brasil desde que Nizan Guanaes assumiu as peças de pré-campanha de Roseana, e Duda Mendonça, as de Luiz Inácio Lula da Silva. E talvez o país nunca tenha assistido a peças promocionais mais bem-elaboradas do que as de Roseana, a novidade convertida pelo talento de Nizan em alternativa inovadora na disputa presidencial. Nos primeiros filmes, Roseana (quase) não falava. Alguns palpiteiros e críticos caíram de pau no Nizan acusando-o de criar produto de laboratório, já que a candidata parecia não ter língua. Esqueciam-se ou nunca souberam de que a comunicação política pela televisão começa por uma certa "sensação", e só mais adiante, se houver necessidade, apóia-se no discurso formal, centrado no conteúdo. Não se deram conta de que na tevê a emoção é que comunica e a razão… bem, a verdade é que a razão atrapalha! Antes que o céu desabe em cima de mim, devo frisar que este é um defeito "de fábrica" do veículo. Surgiu com ela, desde que em 1817 Berzelius descobriu o selênio.

Está, portanto, dentro da caixa do televisor oferecido no supermercado. Com isso, é inegável a afirmação de que a televisão, em si mesma, contribui para a despolitização da audiência, por não se adequar à mensagem racional. Afirmação perigosa, eu sei, mas verdadeira. Desafio quem consiga desmenti-la, e não com palavras ou suposições, mas com exemplos reais. Ainda estou por ver um especialista em tevê passar um plano de governo pela televisão sem deixar o telespectador com vontade de mudar de canal. Nizan, portanto, deixou o racional pra lá. Pelo menos enquanto pôde, trabalhou com a qualidade mais evidente da tevê: a emoção. E Roseana, por alguns meses, reinou junto a certa fatia do eleitorado como Xuxa reina entre os baixinhos.

Só que, enredada no furacão criado desde que alguns policiais federais invadiram a empresa dela e do marido e encontraram um monte de dinheiro, cuidou-se de fazer a candidata vir a público para neutralizar os efeitos da queda vertiginosa nas pesquisas. Ora, além da seqüência de tropeções na estratégia ? aquele monte de mirabolantes versões sobre a origem da bufunfa, inclusive uma lista de doadores que nem Pinóquio assinaria embaixo ?, o desastre iria ficar ainda pior com as duas pequenas peças de 30" que foram ao ar pouco antes de Roseana pedir as contas e picar a mula. Em contraste com a Roseana dinâmica dos comerciais de Nizan, apresentada em planos movimentados, edição rápida, câmera nervosa, olhar apontado para um ponto luminoso do "futuro", o que se viu foi uma Roseana acabrunhada em dois filmes lerdos, arrastados, mal dirigidos, mal planejados, texto chinfrim e eficácia discutível.

O primeiro começava com a fala da então candidata sobre a imagem de um bebê sendo cuidado pela m&aatilde;e, terminando no plano fechado de uma Roseana de cara amarrada, macambúzia, olhos caídos ? o oposto do que o Brasil se acostumou a ver e boa parte do eleitorado passou a admirar e confiar. Visível e inexplicável, também, a excessiva proximidade da câmera, o que provoca uma deformação na fisionomia das pessoas. No outro filme, novamente Roseana é a narradora, ferindo o princípio básico de que candidato fica com o filé ? a notícia boa ? e a ossada ? a má notícia ? vai na boca do locutor.

Imagem usada e repetida

Pois Roseana foi quem apareceu mastigando o osso duro de explicar a dinheirama encontrada na sede da Lunus, não exatamente demonstrando a lisura da origem da grana, mas procurando comparar seus 1,3 milhão aos 43 milhões supostamente gastos pelos comerciais de FHC. Se já não fosse um erro estúpido de estratégia falar de corda em casa de enforcado, sujeitando a candidata ao constrangimento de se nivelar a PC Farias (quando se referiu na CPI à "hipocrisia" dos candidatos que não admitem a existência de caixa dois nas campanhas), o comercial ainda utilizou a mais estigmatizada das imagens-ícone da última safra ? aquela, devastadora, dos maços de notas de 50 reais sobre uma mesa da Lunus.

Segundo a Folha de S.Paulo, o marqueteiro Haroldo Cardoso, que entrou no lugar de Nizan, é profissional experiente, trabalhou nas campanhas de Fernando Henrique e Ciro Gomes. Pois não parece. Porque só quem desconhece inteiramente o funcionamento da televisão é capaz de produzir duas peças tão desastradas. Mas o pior vem a seguir. Abro aspas para a explicação que ele deu para as razões pelas quais deixou ir ao ar o comercial dos olhos caídos: "É natural que uma pessoa submetida a tal pressão traga algo disso estampada no rosto." Ora, se ele próprio reconhece o abatimento de Roseana nos comerciais, não tinha nada que deixá-los ir ao ar. Qualquer boy de emissora de tevê sabe que a televisão nunca é neutra. Quem se expõe a ela sobe ou desce. Se a mulher estava com cara de TPM, era jogar os comerciais no lixo e ponto final. Em tevê, melhor não aparecer do que aparecer mal, ora.

O segundo comercial contém erros mais graves porque praticamente todos os analistas, inclusive os mais conceituados, como Muniz Sodré e Eugênio Bucci, já haviam se referido ao potencial explosivo da foto feita por Louise Cardoso do Jornal do Tocantins, única fotógrafa a clicar aqueles pacotes de dinheiro. E esta foi, inexplicavelmente, a imagem usada ? e repetida! ? num comercial que qualquer marqueteiro de candidato a síndico jamais realizaria. E, mesmo que realizasse, jamais levaria ao ar. Alguém aí tem alguma explicação? Ou será que a Lei Ricupero, aquela que fundamenta a atividade do marketing eleitoral, foi revogada e ninguém viu?

(*) Jornalista, pesquisador, professor de Telejornalismo, diretor do Centro de Produção de Cinema e Televisão da Universidade de Brasília. Este artigo é parte do projeto acadêmico "Telejornalismo em Close", coluna semanal de análise de mídia distribuída por e-mail. Pedidos para <upj@persocom.com.br>