Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O repórter não era repórter, o criado era servente

JORNALISMO DE ALCOVA

Alberto Dines

Antes que se converta em assunto de seminários e tema de trabalhos acadêmicos, é preciso estabelecer uma premissa sobre a "façanha" do repórter do Daily Mirror que furou o esquema de segurança do Palácio de Buckingham empregando-se como "criado".

Ryan Perry mentiu e procedeu de forma ilícita para obter uma informação. Esta infração invalida o seu feito e compromete a informação. Por melhores que tenham sido suas intenções ou de seu jornal ? e não eram ?, o ardil maculou o resultado. Isto não é jornalismo investigativo, é puro sensacionalismo. Pior: é o aviltamento de um serviço público pelo negócio do escândalo.

É inconcebível que alguém puxe de uma arma diante de uma autoridade só para mostrar as falhas da sua proteção. Da mesma forma, não faz sentido inventar ameaças apenas para usufruir das glórias de desvendá-las.

Esta infiltração palaciana está comprometida em toda a linha:

** O repórter não se empregou como criado mas como footman, algo próximo de entregador (expressão utilizada pelo próprio jornal na capa da sua edição de 19/11). Na melhor das hipóteses poderia ser um servente.

** Nestas condições, dentro da hierarquia, dificilmente teria acesso direto aos aposentos da família real ou contato com seus hóspedes. Servente empurra carrinhos, criado é quem efetivamente serve.

** Trabalhou dois meses no palácio e antes de ser aceito certamente esperou algumas semanas: impossível que àquela altura alguém soubesse que Bush iria à Inglaterra naquela data. Nem o próprio.

** O repórter e seus cínicos chefes queriam apenas bisbilhotar a família real ? esporte preferido pela mídia inglesa. Se desejassem efetivamente mostrar a vulnerabilidade da segurança pessoal de Bush, o jornalista não teria se demitido horas antes da chegada do presidente americano. Esperaria pelo menos um dia até que se instalasse no palácio. Escafedeu-se antes.

** O fato de ter sido fotografado no sacada do palácio não é prova de coisa alguma, é apenas uma jogada de marketing.

** Como revelou o próprio jornal ele era "repórter-junior" ? se nunca assinou matérias seu nome dificilmente apareceria no sistema de buscas da internet.

O serviço secreto inglês falhou ? não há duvidas quanto a isso. Em compensação, ninguém duvida que a imprensa inglesa ofereceu nova exibição de falta de escrúpulos.