JORNALISMO E CIDADANIA
Maurício Oliveira (*)
História da Cidadania, de Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky (orgs.), 592 pp., Editora Contexto, São Paulo, 2003 <editorial@editoracontexto.com.br>; R$ 59,90
Qual o sentido do jornalismo? Informar, pode-se dizer de imediato. Mas este é apenas o meio, e não o objetivo dessa prática à qual tantos dedicam a vida ? alguns de modo figurado e outros literalmente, como vimos nas últimas semanas em Bagdá ou no caso Tim Lopes. De que serviria o jornalismo se não pudesse contribuir para melhorar a vida das pessoas? Não é esse o ideal que move, a cada ano, milhares de jovens em busca de uma vaga nos cursos da área? Ou é apenas "ficar famoso", "aparecer na TV", "viajar pelo mundo"?
Cada jornalista deveria atuar como soldado na luta pela cidadania, estar na linha de frente dos duros combates pela conquista da igualdade entre os filhos de uma mesma pátria e ? por que não? ? de um mesmo mundo. E cada pedacinho de território conquistado seria celebrado não com uma rajada de metralhadora, mas com aquele barulhinho do teclado que parece tão belo quando se escreve com entusiasmo e convicção.
É claro que às vezes o melhor a fazer é se entrincheirar atrás dos interesses do patrão, da má-vontade do editor, do excesso de trabalho, do desencanto com as notícias. Mas é preciso aproveitar as brechas na artilharia para correr de uma trincheira a outra. Não importa se, ao final do ano, cada soldado desse exército tiver avançado apenas um metro. Importa que o exército tenha muitos soldados para que, ao final do ano, estejamos quilômetros à frente.
O bom combate
Mudar o mundo nunca foi fácil, mesmo ? basta olhar para o passado. Como descreve o livro História da Cidadania, recém-lançado pela Editora Contexto, os avanços não ocorrem subitamente e muito menos surgem espontaneamente. As leis só passaram a ser escritas e se tornaram públicas nas cidades-estado da Antigüidade clássica por pressão de uma população cansada das decisões sem critério da classe dominante. Na Roma de 287 a.C., uma série de agitações e conflitos fez com que os plebiscitos ganhassem força de lei. A Revolução Inglesa de 1640 combateu a percepção, até então reinante, de que a desigualdade entre os homens era um fato natural, instituído pela vontade divina, e por isso mesmo fadado à eternidade. Essa nova ideologia motivou a Revolução Francesa, em 1789, e está evidente logo no primeiro artigo da Declaração dos Direitos do Homem: "Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos".
Mais tarde vieram as lutas dos trabalhadores, das mulheres, dos negros, dos índios, a luta pela liberdade de expressão, a preocupação com o meio ambiente, o desenvolvimento do terceiro setor. Em cada uma dessas frentes, a imprensa e os jornalistas tiveram e têm um papel essencial a cumprir ? o de contribuir para novos avanços e o de lutar contra retrocessos. Qual seria, então, a "causa" do tempo atual?
Como descreve o livro, cujo principal mérito é organizar a discussão em torno de um assunto sobre o qual muito se fala e pouco se sabe, a cidadania plena é constituída por três grupos de direitos. O primeiro são os civis, os mais elementares de todos ? o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei. O segundo são os políticos ? votar, ser votado, enfim, participar dos destinos da sociedade. Bem ou mal, pode-se dizer que o Brasil das últimas décadas avançou muito nesses dois aspectos. O grande desafio, portanto, é a ampliação do terceiro grupo de direitos, sem o qual nenhuma democracia se consolida de verdade ? os direitos sociais, aqueles que garantem a participação do indivíduo na riqueza coletiva: o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, a uma velhice tranqüila.
Sejamos, então, soldados da guerra pelos direitos sociais ? assim como, em outros tempos, houve quem tenha se lançado ao combate pelos direitos civis e políticos.
(*) Jornalista