Thursday, 26 de September de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 3107

O silêncio que esconde a crise

MÍDIA ARGENTINA

Márcio Fernandes (*)

É no silêncio da redação de um jornal argentino que se percebem os efeitos da crise socioeconômica que há meses atinge o país vizinho. Por volta de 14h de uma tarde qualquer, mesmo um visitante estranho ao mundo da imprensa poderá notar o desânimo que se abate sobre repórteres, editores, fotógrafos, paginadores e outros profissionais, que nas redações normais costumam perambular em alvoroço. No final de agosto, quando uma comitiva de estudantes e professores do curso de Jornalismo da Universidade Paranaense (Unipar) passou três dias na cidade de Posadas, a capital do estado argentino de Misiones, pôde verificar in loco as conseqüências da diminuição média de 30% nos salários dos jornalistas, das férias forçadas de alguns, sem direito a remuneração extra, e da violenta queda no número de anunciantes e de vendas de jornais.

Tome-se aqui o sintomático caso do El Territorio, o maior diário de Misiones. Acostumado a vender 30 mil exemplares por dia, a direção de El Territorio, um matutino com quase 80 anos de existência, tem autorizado nas últimas semanas a rodagem de apenas 8 mil cópias, rezando para que a tiragem não despenque ainda mais. Nas rádios de Misiones, estima-se que o custo das inserções publicitárias tenha baixado 50% nas últimas semanas. E as perspectivas não são positivas.

Mesmo o mais desatento dos visitantes de Posadas, Corrientes ou Puerto Iguazu, todas cidades do Nordeste argentino, uma das regiões mais pobres da nação platina, acaba notando as imensas filas de desempregados que se formam em frente às agências bancárias com freqüência a partir de 7 da manhã. É que, em determinados dias do mês, essa multidão aguarda pacientemente a abertura dos bancos para sacar uma espécie de abono antipobreza fornecido pelo governo federal. Uma estatística a mais: dados divulgados em agosto atestaram que 2/3 da população da Posadas está abaixo da linha de pobreza, conforme os padrões estabelecidos pela Organização das Nações Unidas. Pior: desse volume, 1/3 está em situação de miséria absoluta.

Alguém há de se perguntar: e o que isso tem a ver com o jornalismo? Na Argentina, a crise é uma só, e atingiu a todos os segmentos da economia. É provável que, numa redação de jornal, rádio ou televisão de Posadas ou cercanias, ainda não seja possível encontrar jornalistas em estado de pobreza. Ainda.

(*) Professor de Jornalismo da Universidade Paranaense (Unipar), de Cascavel; colaboraram Gustavo Vidal, Henrique Netzlaff e Júlio César Santos, alunos do 3? ano do curso