TELEJORNALISMO EM CLOSE
Paulo José Cunha (*)
No dia 6 de agosto uma americana corria os olhos pelos títulos exibidos numa banca de revistas de São Paulo quando teve a atenção despertada pelas primeiras páginas de vários jornais brasileiros: elas mostravam a foto de uma jovem no momento em que era atingida por um tiro no peito. Ao lado, em cima ou embaixo, dependendo do jornal, outra foto igualmente chamava sua atenção: era o retrato do diretor do presídio Bangu 3, Abel Silvério, assassinado na véspera. Usando apenas a lógica, nossa ianquezinha supôs que a cena da mulher ferida tivesse a ver com o atentado que tirou a vida do diretor do presídio. Mas, quando alguém lhe traduziu os títulos, nossa curiosa ianquezinha soube que a foto da moça havia sido tirada durante as gravações de uma seqüência da novela de maior audiência da televisão brasileira, Mulheres apaixonadas, da TV Globo, e nada tinha a ver com o assassinato do diretor do presídio. Desapontada, comentou: "O entretenimento está afetando e infectando o jornalismo em vários países e isso pode ser fatal em médio prazo".
A americana Bonnie Anderson, autora da frase proferida durante o 2? Fórum de Editores promovido pela Associação Nacional de Jornais (ANJ) é jornalista, consultora, presidente da Anderson Media Agency, Inc. e ex-vice-presidente da CNN News Group. Miss Anderson foi mais além, em sua preocupação: "Essa mescla de informação com entretenimento não tem levado ao que o público necessita saber, mas somente ao que quer ver". E aí tocou no ponto nevrálgico da questão, lembrando que a mistura entre jornalismo e entretenimento é conseqüência de o comando de várias companhias jornalísticas ter passado para corporações estranhas ao meio, para as quais a informação não é prioridade.
Aqui mesmo no bananão temos um ótimo exemplo disso: Sílvio (Quem Quer Dinheiro) Santos, animador de auditório e dono do SBT, já disse e repetiu que televisão é entretenimento, por isso não gosta de jornalismo nem de jornalistas, tanto que um tempo desses radicalizou e botou a corja toda pra fora. Só recentemente voltou a contratar repórteres. Mas poucos, o suficiente apenas para constar. Como não consegue concorrer com a TV Globo, contentando-se com um segundo lugar alguns anos-luz abaixo da audiência da emissora-líder, o SBT do nosso bem-sucedido camelô permite-se o desfrute de macaquear descaradamente o conteúdo da "concorrente". Dois domingos atrás, no programa do Gugu, a emissora de Senor Abravanel exibiu quase meia hora de entrevistas de rua e comentários de "especialistas" sobre a violência urbana, tendo como pano de fundo as imagens do tiro que "vitimou" a moça da novela Mulheres apaixonadas, as mesmas imagens que confundiram Miss Anderson na banca de revistas de São Paulo.
Stripzinho básico
As explicações de Miss Anderson para a conquista da realidade pelo entretenimento são interessantes, mas precisam ser aprofundadas. A entrada da Time Warner no controle dos grandes conglomerados de mídia e a onda concentracionista respondem, sim, por parte da situação vivida nos States e em sua zona de influência, vale dizer, um pedação enorme do planeta. Aqui mesmo, no quintal, a opção pelos anabolizantes dos jornais e revistas (coleções de livros, DVDs, videocassetes e o diabo a quatro usados como chamarizes na venda de assinaturas), em substituição a uma visão mais profissional do setor, como um investimento maior na reportagem de investigação e a formação de novos estoques de leitores, têm contribuído muito para a vaca estar seguindo o caminho do brejo. Não estranha que a própria Miss Anderson tenha exibido pesquisa realizada lá na matriz mostrando que 58% dos leitores de jornais norte-americanos acreditam que os repórteres inventam notícias, e 72 jornalistas admitam que sofrem pressão dos chefes de suas corporações por motivos econômicos. Não sei se uma pesquisa do mesmo tipo realizada por aqui não daria um resultado parecido.
Toda esta discussão tem a ver com outra expressão da moda ? a espetacularização da notícia, que já invadiu o telejornalismo a ponto de um canal de TV via internet oferecer notícias enquanto as apresentadoras e os apresentadores vão fazendo strip-tease. O pessoal chegado num big-brother que quiser conferir é só dar uma clicadinha em <http://www.nakednews.com>. Até agora, que eu conheça, o único estudo sério sobre o tema é o ótimo Vida, o filme ? Como o entretenimento conquistou a realidade (Neal Gabler, Companhia das Letras, 293 págs). Antes que a vaca se atole no brejo, é bom examinar direito esse troço, se alguém ainda quiser continuar a ler jornal pela manhã.
A preocupação de Miss Anderson deveria ser a de todos os apresentadores, repórteres, comentaristas, editores, publishers, murdochs, frias, mesquitas e marinhos da vida. Porque, pelo andar da carrocinha, não demora e seu Bonner e dona Fátima vão ter de fazer um stripzinho básico se quiserem continuar a vender seu peixe.
(*) Jornalista, pesquisador, professor da UnB, documentarista, autor de A noite das reformas, O salto sem trapézio, Vermelho, um pessoal garantido, Caprichoso: a Terra é azul e Grande Enciclopédia Internacional de Piauiês. Este artigo é parte do projeto acadêmico Telejornalismo em Close <http://www.tjemclose.hpg.com.br>, coluna semanal de análise de mídia distribuída por e-mail. Pedidos para <pjcunha@unb.br>