JORNALISMO SEM DIPLOMA
"Todo mundo é jornalista. Menos quem é", copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 30/7/02
"Vivemos uma situação absurda: enquanto milhares de jornalistas formados estão desempregados por este Brasil afora, outros milhares escrevem em jornais e revistas, falam em rádios e tevês sem nunca terem assistido uma aula sequer em um curso superior de Jornalismo.
Estou falando de médicos, advogados, psicólogos, psiquiatras, nutricionistas, sexólogos, arquitetos, engenheiros, administradores de empresa, economistas, professores de Educação Física, escritores, modelos, atores, dançarinos, intérpretes, atletas e ex-atletas, técnicos esportivos, astrólogos, cozinheiros, umbandistas, médiuns, bispos, pastores, padres e religiosos em geral, costureiros, publicitários, marquetólogos, sindicalistas, fofoqueiros… e por aí vai.
Eles escrevem colunas, apresentam programas e, não satisfeitos em versar sobre sua especialidade, danam-se a informar e comentar os fatos como se lhes baixassem o espírito do Boris Casoy. Mascaram-se de colaboradores, apresentadores ou artistas e acabam exercendo, ou melhor, usurpando uma função própria de jornalistas.
Para mim, o mercado da comunicação deveria ser ocupado por profissionais da comunicação. Parece-me óbvio. Estuda-se para isso. Emprega-se no mínimo quatro anos da vida e um bom dinheiro para se ter um diploma que no final das contas não está valendo nada.
Se a maioria das faculdades de comunicação é uma porcaria, esse é um outro problema. Que se lute, então, para que o nível melhore, para que seus alunos tenham a possibilidade de sair mais bem preparados – ao menos com um inglês e um espanhol decentes e o início de uma especialização em Direito, Economia, Política, Artes e Esportes, ao menos.
O que não se pode é usar nossa pretensa incompetência em muitas áreas para inundar nosso mercado de não-jornalistas. Seria o mesmo que permitir a qualquer um exercer a Medicina e o Direito só porque também a maioria dos cursos superiores dessas profissões é um lixo.
Repito: deveríamos lutar mais pela melhoria da qualidade de ensino nas faculdades de jornalismo antes de abrir mão da obrigatoriedade do diploma – que interessa principalmente a patrões mal-intencionados, preocupados unicamente em criar formas de fugir das obrigações legais.
A não obrigaroriedade do diploma de jornalista só teria algum sentido se o mesmo acontecesse com as outras profissões. Por que um arquiteto precisa de um canudo, quando sabemos que muitos só assinam o projeto de outros, mais talentosos, que não têm o curso superior? Por que os médicos fazem lobby contra as medicinas alternativas, enquanto empanturram seus pacientes de remédios que muitas vezes aceleram a doença? Por que só advogados diplomados podem atuar, quando autodidatas são capazes de entender e defender as leis tão bem ou melhor do que eles? Por que um publicitário precisa de diploma quando a criatividade é um dom natural do ser humano?
O que acontece é que as outras categorias são muito mais unidas do que a nossa. Tente dar aulas de Jornalismo, por exemplo – mesmo que você tenha 26 anos de profissão, como eu, e trabalhado em todas as mídias e em mais de uma dezena de cargos, da reportagem à direção de redação. Já orientei com prazer muitos colegas em redações, mas não posso fazer o mesmo em uma sala de aula porque não tenho curso de mestrado ou doutorado. Isso é errado? Não. É ilógico, mas simplesmente é assim que funciona. Para dar aulas tenho de separar mais uns aninhos para adquirir a chamada formação acadêmica.
Tente ser técnico de futebol, você que acompanha o esporte há décadas, sabe de cor todas as táticas, assistiu milhares de treinos, quebrou a perna duas vezes jogando bola, fez curso de treinador, escreveu centenas de artigos e até livros sobre o assunto. Tem curso de Educação Física? Não? Então necas de pitibiriba. Nem adianta argumentar que João Saldanha, o treinador que montou a Seleção tricampeã no México era jornalista. Vão te olhar com o rabo do olho e dar um rizinho irônico. Estão errados? Não. Eles se movimentaram para proteger o seu mercado de trabalho, o que nós não fizemos.
Nós nos permitimos ser invadidos. Na verdade, o adversário era muito poderoso: nossos próprios patrões e sua visão pragmática da relação lucro-benefício. Eu senti isso na pele no começo dos anos 90, quando as transmissões de tênis pela tevê ganharam força e tive a ilusão de que poderia trabalhar seriamente como comentarista deste esporte.
Com um currículo que incluía a edição de quatro revistas especializadas, um livro, cursos, a cobertura de uma infinidade de torneios – entre eles o US Open de 1986 – e trabalhos como comentarista para as rádios Eldorado e Excelsior e as TVs Cultura, Manchete e Record, imaginei que tinha conseguido um lugar ao sol. Porém, da mesma forma que os convites choveram no início do boom, estancaram-se abruptamente. O que teria acontecido?
Elementar: ex-jogadores com negócios no tênis – como lojas, grifes e academias – passaram a se oferecer para atuar graciosamente como comentaristas. Na verdade eles só estavam interessados em divulgar sua imagem, ganhar prestígio, não precisavam de cachês ou salários, e isso os tornava bastante conveniente para as emissoras.
Esta situação continua. Há ex-atletas de outros esportes que não ganham nada para escrever em jornais ou revistas, mas usam o espaço para se promover e promover seus negócios. É uma situação que deveria ser denunciada e combatida. Muitos empregos se perdem por essa prática – que não interessa nem mesmo o leitor, pois essas colunas geralmente são vazias, descabidas e muito mal escritas.
Meio assessor de imprensa
Na verdade, como o jornalista é um curioso que ?apenas? fala e escreve, e todo ser humano é um curioso que fala e também escreve – ao menos de vez em quando -, todo mundo acha que já nasceu jornalista.
É meio como prostituta. Toda mulher que tem orifícios e protuberâncias pode achar que, quando quiser, será capaz de desempenhar bem esta milenar profissão, mas uma coisa é ter o equipamento, outra é saber usá-lo.
Sempre me aborreci com pessoas que desrespeitaram meu ofício, e esses momentos se tornaram mais comuns nos dez anos que mantive a Ampla, uma empresa de assessoria de imprensa. Pior do que jornalista, todo mundo acha que é assessor de imprensa.
Está certo que tem muito garoto e garota que, mal entram na faculdade, ganham um fax e um computador do papai e já começam a detonar releases sem pé nem cabeça por esse mundo afora. Mas estes ao menos são futuros companheiros, também vão comer o pão que o diabo amassou.
O duro mesmo é encontrar pessoas que quando ouvem a palavra ?gancho? olham para o seu pulso para se certificarem de que você não tem nenhum parentesco com aquele famoso capitão, e mesmo assim querem ensiná-lo a trabalhar. Tive um caso desses que ficou antológico, ao menos para nós, da Ampla.
Um conceituado neurocirurgião era exímio em uma técnica que extraía o coágulo de pacientes epilépticos e lhes proporcionava uma vida mais calma, sem ataques. Pensei em sugerir a matéria ao Globo Repórter (que acabou fazendo), mas antes precisava de um bom papo com o médico.
Marcamos em meu escritório e ele chegou, carregando uma folhinha extraída desses cadernos espirais. Entregou-me o papel rabiscado com dois parágrafos ora primários, ora ininteligíveis, e exclamou:
?Vê se o release pode ser assim! Não repara não, mas é que eu sou meio assessor de imprensa!?
Ao que eu respondi:
?Não, não tem problema. Eu também sou meio neurocirurgião.?
Bem, felizmente ele levou na brincadeira e o papo morreu por ali, porque se ele me perguntasse como é ser meio neurocirurgião, eu responderia:
?Só sei abrir, não sei fechar?.
Então, meus amigos, assim como é impossível ser meio neurocirurgião, como é impossível ser meio qualquer coisa, por que nós permitimos que tantos meios jornalistas invadam nosso mercado de trabalho?
PELA OBRIGATORIEDADE DO DIPLOMA JÁ! E FIM DE PAPO!"
"SJPMG: nota sobre o registro da faxineira", copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 1/8/02
"A Diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais enviou a Comunique-se nota oficial sobre o registro precário obtido pela faxineira da instituição, Maria D?Ajuda Silva. A nota é uma resposta a alguns usuários que, através de comentários postados na página da matéria ?Faxineira já tem registro de jornalista?, publicada neste portal em 31/07, levantaram um suposto envolvimento do Sindicato no caso e acusaram a entidade de se utilizar de factóide em prol da exigência do diploma.
Nota oficial
?A propósito da matéria ?Faxineira já tem registro de jornalista? inserida no site ?Comunique-se? do dia 31 de julho de 2.002, cumpre ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais esclarecer que não tem a mínima participação no processo – nem em sua divulgação – de registro profissional precário junto à Delegacia Regional do Trabalho, em Belo Horizonte, de nossa funcionária Maria D?Ajuda Silva (a Lia).
Informamos, a bem da verdade, que o pedido de registro e remessa de documentos à DRT ocorreu quando ainda não havíamos assumido a direção do Sindicato, uma vez que tomamos posse no dia 17 de junho deste ano. Também não é verdade que este Sindicato esteja se utilizando de ?factóides? e da boa fé de pessoas humildes como subterfúgio para defender a exigência do diploma para o exercício profissional do jornalista.
Nossa posição é a de defesa intransigente de uma boa formação profissional e ética. Esses dois requisitos passam, a nosso ver, obrigatoriamente, por um processo educacional eficiente e a categoria, mais do que defender o diploma, deve refletir e discutir a questão educacional do País e a melhoria da qualidade de ensino.
De nossa parte, apesar de menos de dois meses de exercício do mandato, já estamos implementando discussões e grupos de trabalho com as escolas de Comunicação Social, da Capital e interior, na busca da melhoria dos cursos ministrados, bem como a implementação de estágios acadêmicos e outros instrumentos que contribuam para uma melhor formação ética e profissional. Estão previstos, também, cursos, seminários e outros eventos destinados aos jornalistas que já estão no mercado de trabalho, com vistas ao seu aperfeiçoamento e reciclagem.
Estas são as nossas preocupações. Mas não podemos, como entidade de classe, nos furtar à luta pela defesa do mercado do trabalho, que hoje se encontra muito aviltado, e, por isso, não podemos concordar que qualquer pessoa – seja ela de qualquer posição sócio-econômica – adquire registro profissional, com base em decisão ilegal e esdrúxula que, com uma penada só, jogou por terra toda a legislação construída pela categoria nos últimos 40 anos.?
Diretoria
Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais"