Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Olavo de Carvalho

REPORTAGEM OU FARSA?

"Os novos ditadores", copyright O Globo, 29/09/01

"OPrêmio Imprensa da Embratel foi atribuído este ano à série de TV na qual o repórter Caco Barcelos acusava o Exército de ter assassinado a tiros um casal de terroristas e simulado um acidente rodoviário para ocultar o crime.

Barcelos já recebeu vários prêmios, decerto merecidos. Mas este ele não deveu a nenhum mérito profissional, e sim a uma decisão política destinada a legitimar como bom jornalismo uma farsa já desmascarada, por esta mesma coluna, em 28 de abril de 2001. O que a Embratel acaba de premiar é uma mentira inventada por um soldado desertor que, na tentativa de extorquir do Exército vantagens indevidas, se apresentou – e foi aceito pelo repórter – como testemunha participante de fatos que, se tivessem ocorrido, não poderiam ter sido presenciados por ele: nenhum praça que fuja do quartel aparece atuando numa operação militar dois meses depois de constatada oficialmente sua deserção.

Não creio que Caco Barcelos tenha agido de má-fé. Mas é nítido que se deixou usar como instrumento de uma fraude grotesca e pueril. Ele diz ter pesquisado durante um ano para desencavar suas informações. Mas não seria preciso mais de três horas para obter, no Exército e em livros de domínio público, os documentos que as impugnavam por completo, que não poderiam ter sido ignorados por um pesquisador atento e que depois foram postos à disposição do público no site http://www.ternuma.com.br.

Outras incongruências, ainda mais graves que a mencionada, faziam da reportagem uma invencionice tosca que, se não podia ser aceita como jornalismo, também não se saía melhor como obra de desinformação, tão ingênuas e frágeis eram as bases de papelão que a sustentavam. Os terroristas, que segundo a pretensa testemunha teriam sido mortos em 8 de novembro de 1968, participaram de um assalto três dias depois, segundo o relato – bem mais confiável – de Jacob Gorender. E a alegada simulação de acidente rodoviário era descrita na reportagem em termos que a tornavam fisicamente impossível: as fotos mostravam, na pista, a um metro de distância do local do choque, as marcas de frenagem do carro trombado. Se as vítimas foram postas no veículo já mortas, quem pisou no freio? Um agente kamikaze das forças de segurança, cujo cadáver em seguida se desmaterializou? Ou um ser sobrenatural capaz de frear e sair voando pela janela ao mesmo tempo?

Um recruta que permanece em serviço depois de desertar, dois mortos que ressuscitam às pressas para tentar impedir sua própria morte e depois ainda cometem um assalto – com esses elementos não se constrói uma reportagem, não se constrói nem mesmo uma mentira: só se constrói um insulto à inteligência humana.

Um romance, um filme ou peça de teatro pretensamente históricos podem conservar seu valor quando os fatos que narra se demonstrem falsos. Os méritos da obra de imaginação nãatilde;o dependem de fidelidade ao real. Mas uma reportagem se constitui de fatos e somente de fatos: sem fatos, ela inteira não vale nada. Nada ali portanto restava para ser premiado, exceto a intenção política, muito mal realizada, de desmoralizar o Exército mediante uma acusação falsa.

Premiar uma coisa dessas é desmentir a definição mesma do jornalismo, o qual se distingue da ficção e da propaganda por um certo compromisso intrínseco com a verdade e a prova, compromisso que, no caso presente, foi radicalmente desatendido.

Mas não se pode acusar a Embratel de remar contra a corrente. Boa parte da classe jornalística brasileira já perdeu os últimos escrúpulos e aderiu festivamente à desinformação sistemática que antes se fazia em tablóides de propaganda esquerdista, bem longe da imprensa profissional que, mesmo na polêmica, conservava alguma imparcialidade. Os leitores, privados de alternativas, não apenas passaram a aceitar esse tipo de jornalismo como o único possível mas já estão adestrados para estranhar e rejeitar, como indecência reacionária, o simples exercício do direito de duvidar do que sai publicado.

Há trinta anos não se vê nos jornais deste país, exceto em raros artigos assinados por dissidentes marginalizados, uma única menção às violências cometidas pelos esquerdistas contra o mais brando e tolerante dos regimes autoritários; regime que só tardiamente e a contragosto consentiu no endurecimento de 1968, depois de falhadas todas as tentativas de conter a violência revolucionária mediante o expediente incruento das demissões e cassações, e depois que 84 bombas terroristas já tinham explodido em vários estados, matando transeuntes que nem tinham idéia do que se passava.

A simples cronologia dos fatos mostra que a ditadura não se constituiu como barreira premeditada contra anseios de democracia, mas como anteparo improvisado para deter uma avalanche de crimes hediondos. Por isso ela foi riscada da memória popular e substituída por clichês de propaganda que trinta anos atrás seriam recebidos, mesmo entre militantes de esquerda, com piscadelas de malícia.

Mas não é só a história nacional que sumiu da nossa mídia. Praticamente todos os massacres empreendidos pelos comunistas ao longo desse período, em Cuba, na China, no Vietnã, na África, no Tibete – com não menos de dez milhões de mortos – foram omitidos do noticiário brasileiro ou só mencionados discretamente, com o meticuloso cuidado de não deixar transparecer uma associação demasiado íntima entre os crimes e o lindo ideal político que os produziu, inimputável por direito divino. Enquanto isso, cadernos inteiros de lágrimas e louvores se concediam aos terroristas mortos pelo regime militar, apresentados como combatentes pela democracia e jamais como aquilo que comprovadamente eram: assassinos treinados, a soldo e a mando da ditadura genocida de Fidel Castro.

Também não se pode dizer que o júri do Prêmio Imprensa esteja em descompasso com a moda. Pois a falsificação ideológica das notícias acaba de chegar à apoteose da desinformação com a cobertura da operação Justiça Infinita. A acreditar no grosso da mídia local, o brasileiro fica com a impressão de que a Humanidade está unida contra George W. Bush, de que explosões de pasmo e indignação se voltam por toda parte contra a mobilização americana de combate ao terrorismo e não contra o próprio terrorismo, que é o que se lê na imprensa do mundo civilizado. Somente no Iraque e nos países comunistas é possível enganar tão completamente leitores e espectadores. Brasileiros residentes no exterior escrevem-me revelando seu espanto ante essa barreira de palavras que isola do mundo a nossa opinião pública e a aprisiona num paroquialismo fanático e imbecil. A diferença é que, naquelas ditaduras, os jornalistas são obrigados a fazer isso. Aqui, fazem porque querem, porque gostam, porque são eles mesmos os ditadores, investidos enfim do poder discricionário que por tanto tempo invejaram nos militares."

 

VAZAMENTOS & CENSURA

"Angra 1: informação x ética", copyright Jornal do Brasil, 26/09/01

"Notícias recentemente divulgadas por diversos órgãos de comunicação sobre suposto vazamento em Angra 1 nos dão oportunidade para mais uma reflexão sobre o processo de comunicação em nossa sociedade. A primeira grande verdade é que as usinas nucleares são as instalações industriais mais fiscalizadas e criticadas entre todas as outras no país, e até hoje não causaram nenhum impacto negativo sobre a população e ao meio ambiente da região de Angra dos Reis. Pelo contrário, em termos ambientais, os diversos controles realizados pelos laboratórios e programas da usina fornecem diagnósticos e conhecimento sobre o meio ambiente da região, orientando ações de preservação do rico ecossistema ali existente. Anualmente a usina é visitada por milhares de pessoas, comissões de técnicos do país e do exterior, equipes da Agência Internacional de Energia Atômica e outros organismos nacionais e internacionais, que verificam exaustivamente as suas condições operacionais e de segurança. O Ministério Público Federal do Rio de Janeiro coordenou recentemente trabalho de grande profundidade sobre as usinas de Angra, envolvendo uma equipe técnica de alto gabarito, e sugeriu diversas medidas para melhorar as condições operacionais e de segurança das usinas nucleares, que foram plenamente adotadas pela empresa operadora. Infelizmente esse tipo de ação, séria e eficaz, não vira notícia! No setor nuclear, diferentemente de outros setores, até os acontecimentos mais corriqueiros são classificados, catalogados e analisados para que eventuais falhas possam ser corrigidas e procedimentos aperfeiçoados. No setor existe em prática um amplo programa de cultura de segurança, que permite uma constante ação pró-ativa de nossos operadores nos itens de segurança, programa este que deveria ser aplicado a outros tipos de atividades que possuem risco potencial para a sociedade e meio ambiente. O evento que vem alarmando a população nada tem a ver com acidente. Tratou-se de uma ocorrência operacional, com a usina desligada. Uma vez detectado o desvio operacional, os sistemas projetados para dar conta de corrigir a falha funcionaram devidamente, armazenando o fluido refrigerante e retornando-o ao processo de produção de energia. Esse fato foi apresentado para a sociedade como um acidente nuclear em Angra, alarmando indevidamente a população, sugerindo que a água do mar poderia ser contaminada e que mesmo a população da cidade poderia ter sido atingida, inclusive sugerindo que doenças graves poderia atingir esta população. Tecnicamente seria impossível que esses desdobramentos ocorressem, numa prova cabal da manipulação e exploração dos receios da população. Não presta nenhum serviço à sociedade a divulgação exagerada de ocorrência internas da usina nuclear, totalmente sob domínio dos operadores, a título de atender grupos preconceituosos, interesses corporativos ou descontentamentos particulares. Também de forma inédita, todas as ocorrências numa usina nuclear são classificadas de acordo com uma escala internacional, na qual o fato ocorrido em Angra 1 é considerado no nível 1, ou seja, um desvio operacional somente, e assim foi tratado pelo operador e órgãos de fiscalização. As usinas nucleares, a maioria localizadas em países do Primeiro Mundo, geram hoje uma quantidade de energia correspondente a dez vezes a energia elétrica gerada no Brasil por todas as fontes juntas, com um histórico de acidente dos mais baixos entre as demais industrias, mesmo considerando o acidente de Tchernobyl. É uma tecnologia que deve ser usada observando-se todos os critérios de segurança recomendados pela ciência e pelos organismos nacionais e internacionais, porém, em contrapartida, exige-se daqueles que desejam abordar o tema nos meios de comunicação, a apuração técnica profunda e a devida ética no tratamento da noticia. Os técnicos brasileiros do setor nuclear estão fazendo a sua parte, no sentido de transmitir tranqüilidade à população de Angra dos Reis, operando as usinas nucleares com toda a responsabilidade requerida, porém, exigimos que fatos que porventura venham a ser objeto de interesse da sociedade, sejam tratados com a mesma seriedade, credibilidade e ética. Só desta forma estaremos construindo uma relação saudável e positiva em prol de um povo bem informado."

    
    
                     
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