LEITURAS DA FOLHA
Claudio Julio Tognolli (*)
Colunas sociais tradicionalmente são a seara do inútil. Nos anos 70, costumavam ser criticadas, nos estudos acadêmicos, bulidas com citações de um clássico de Roland Barthes, intitulado O escritor em férias ? sobre a inutilidade de se falar de inutilidades de gentes famosas (muitas vezes, igualmente inúteis).
Também viraram repositório de meias-verdades, de mensagens cifradas, de solilóquios que só quem passou a notícia sabe entender ? e só quem é atacado pode compreender. Mesmo assim, ainda servem de "pauta quente" para revistas de comportamento, que o povão consome en masse. Ditam modas fictícias, consagram ao passadismo o estatuto de "na crista da onda". Indicam quem ainda detém os turgores do colágeno, vulgo mais valia-sexual, e denunciam quem se submeteu às intervenções do bisturi estético. Condenam restaurantes de primeira ao off broadway e elevam pratos de quinta ao Olimpo. Postulam sobre o músculo, a patola, o silicone, a grife do relógio, a blindagem do carro, sobre os namoricos à socapa. Enfim, plantam meias-verdades na esperança que repórteres as completem por inteiro.
Um secretário de redação certa vez contou o seguinte: estava na redação da Folha de S.Paulo, na alameda Barão de Limeira, nos idos dos anos 70. Viu o então colunista social do jornal, Tavares de Miranda, metido num casaco para fugir ao chuvão. Tavares consumia, no bar, um ovo com uísque e, nesse capotão, nada mais restou ao colega de redação do que ligá-lo à figura do detetive Columbo (interpretado por um Peter Falk metido em capotões e ávido consumidor de ovos com uísque). O repórter gritou: "Dá-lhe Columbo, arauto da burguesia!!"
Tavares, refere a história, larga ovo e uísque e sai correndo no encalço do repórter. Entra na redação da Folha, sobe numa mesa, ainda molhado e ainda de capotão, e berra. "Faço o que faço, faço o que faço, mas arauto da burguesia não sou. Arauto da burguesia é a pqp!!!".
Ainda sobra esse mito entre os repórteres: colunista social é tido e havido como arauto da burguesia. Mas não só entre repórteres corre a fama. Foi justamente a um desses colunistas sociais que o ex-senador ACM disse, em 1988, "olha, jornalista se compra ou com dinheiro ou com informação".
Notas e notas
A situação parece estar mudando de figura pelas mãos da colunista social da Folha, Mônica Bérgamo. Não raro, ocupa quase 80% de sua coluna com notícias de economia, política, até de polícia, todas volta e meia a render páginas e páginas de reportagem na concorrência. É leitura obrigatória. E com isso implodiu o caráter de inutilidade que rondava esse tipo de jornalismo.
Na quinta-feira (8/8/02), Mônica Bérgamo se superou. Conseguiu ser um ombudsman em tempo real. É óbvio que ela não teve acesso à notinha que a seção de notas políticas "Painel", na página A4 da Folha, publicaria na mesma quinta. Mas, bem informada que é, Mönica detectou uma tendência geral da imprensa, de que nem o jornal em que trabalha se safou. Resultado final: Mônica critica o "Painel" da própria Folha antes de ter lido a história publicada ali.
Vejamos as notinhas de Mônica, publicadas na quinta (8/8), disponíveis para assinantes do conteúdo do UOL em <http://www.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0808200210.htm>
A grande batalha
Determinados a fuzilar Ciro Gomes para sobreviver ao primeiro turno, os coordenadores da campanha de José Serra estão rastreando todas as declarações de Ciro em busca das mínimas contradições.
Num dos "dossiês", de 32 páginas, por exemplo, há contestações à declaração de Ciro de que nasceu numa "família de classe média baixa", ao fato de ter sido "o mais jovem prefeito de Fortaleza", glória que caberia a outro prefeito, e até uma tabela com o número de vezes em que Ciro esteve presente nas reuniões da equipe econômica em 94, quando foi ministro da Fazenda.
Endereço certo
Algumas "contradições" garimpadas pelos serristas vêm sendo reproduzidas em colunas e matérias de jornais, numa incrível coincidência.
Milagre
Os "repórteres" tucanos encontraram até uma frase de 94 em que Ciro se refere a Serra como "alguém que tenha lucidez".
Agora vejamos as notas do "Painel" da Folha, publicadas no mesmo dia e disponíveis em <http://www.uol.com.br/fsp/brasil/fc0808200201.htm> (para assinantes do UOL)
Língua queimada
Comentário de Ciro na Folha de 4 de outubro de 90: "Na área econômica, Collor em vários aspectos está fazendo o que é certo. No campo político, porém, está se aliando ao que existe de pior. Ao apoiar ACM, Maluf e outros políticos tradicionais, pode estar cavando a sua cova".
Sugestão de pacto
Na reportagem, então candidato ao governo do Ceará, Ciro defendeu que o PSDB ajudasse o governo Collor a "caminhar cada vez mais numa direção melhor". Ao comentar a derrota de Covas na eleição daquele ano, sentenciou: "Covas entrou pelo cano porque é contra Collor".
As notas falam por si.
(*) Repórter especial da Rádio Jovem Pan, professor de jornalismo das Unifiam (SP) e da ECA-USP