Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Onde está a notícia?

CONSELHO PROFISSIONAL

Antônio Lemos Augusto (*)

O leitor não se engane. A liberdade de imprensa funciona da seguinte maneira:

1) Em primeiro lugar, existe a "Liberdade do Judiciário". A imprensa não publica, ou raramente o faz, fatos críticos em relação ao Poder Judiciário. Não se vê a imprensa fiscalizando a lista dos aprovados nos concursos relacionados ao Judiciário ou comparando os sobrenomes dos candidatos classificados aos dos juizes.

Também não se vê, ou raramente acontece, a avaliação crítica pela imprensa da vida profissional de um novo desembargador. A imprensa não se preocupa em investigar como anda a tramitação de processos nas varas judiciais. É bom enfatizar que a morosidade no andamento processual atrasa a vida de famílias e amplia dificuldades sociais.

Se a notícia for contra o Judiciário, leitor, dificilmente sai publicada em qualquer veículo de comunicação de massa do país. Exemplo: a propalada CPI do Judiciário se resumiu no Caso Lalau. Alguém se lembra de outros casos escabrosos que a imprensa tenha dado seqüência? Alguém tem dúvida sobre a existência de outros casos escabrosos, como o do Lalau?

2) Caso a notícia passe pela barreira da "Liberdade do Judiciário", vai encarar a "Liberdade de Empresa". Não deveria existir incoerência entre capitalismo e veiculação de notícia. Se notícia é o que possui interesse público, em uma definição básica, também será o que possui interesse comercial, porque alcançará o leitor. Mas a lógica não se segue. O governante que não tenha tentado derrubar uma reportagem vai para o céu e estará no rol das exceções.

Na verdade, o poder público aproveita de sua condição de grande anunciante para influenciar decisivamente na cobertura jornalística. Bom, sem falar que ? normalmente ? o veículo de comunicação faz parte de um grupo maior de empresas e, logicamente, terá controle sobre a divulgação de fatos que sejam contra o interesse empresarial.

3) Chegamos enfim à "Liberdade de Imprensa", que também tropeça em irresponsabilidades comuns no meio profissional. Vejamos:

a. A reportagem equivocada e que, depois, não merece qualquer correção devida. Em 1999, em uma grande rede nacional, divulgou-se que uma epidemia de cólera na região litorânea de Paranaguá (PR) teria sido provocada por caminhoneiros doentes originários de Mato Grosso. A notícia não procedia: não existia um caso sequer de cólera em Mato Grosso. No entanto, a rede nacional preferiu ignorar o equívoco, como se não tivesse alarmado a população no Estado que já sofreu com o cólera em tempos passados.

b. A autocensura do profissional de redação, seja do editor ou do repórter, é outro mal que prejudica a função social da imprensa. É quando o profissional evita fazer alguma reportagem por acreditar que ela será vetada pela empresa. Supervaloriza-se a barreira empresarial em prejuízo para o leitor, sem que a própria direção da empresa tenha conhecimento da notícia.

c. E como a profissão de jornalismo não possui um Conselho Profissional que a controle, o leitor também está sujeito a aturar matérias produzidas por profissionais sem ética, "plantadas" a favor de políticos ou grupos empresariais, sem que nem mesmo a empresa jornalística tenha conhecimento. Nobres parlamentares estaduais e federais em todo o país sabem como funciona tal esquema e, muitos deles, contribuem para a sua perpetuação nefasta.

Início da moralização

Dessa forma, fica difícil manter a crença de que tudo que sai no jornal é notícia. Boa parte de publicação nos veículos de comunicação de todo o país apenas se torna notícia devido a um conjugado de interesses que irá inclusive definir a sua colocação de importância na página.

Logicamente, há muitos outros fatores que influenciam na publicação de uma notícia negativamente ou no veto de sua veiculação em detrimento do público. Este relato breve é simplesmente para enfatizar a importância da criação do Conselho Federal de Jornalismo, para fiscalizar o cumprimento do papel do jornalista de acordo com o interesse da sociedade.

O leitor deve compreender que a criação do conselho profissional é apenas um passo para o início da moralização da imprensa em todo o país. Porém, não se trata de remédio para todos os males. A imprensa, em muitos casos, cumpre sim o seu papel, tendo atuação importante nos jornais em temas sociais, como críticas aos setores de saúde, segurança pública, meio ambiente e direitos humanos. Mas cada repórter sabe que está sujeito a bater um dia em determinado limite que não terá qualquer relação com o interesse da sociedade.

(*) Jornalista em Cuiabá, coordenador do boletim semanal Imprensa Ética; email: <arlaarla@terra.com.br.>

    
    
                     

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