THE NEW YORK TIMES
Douglas McMillan (*)
Não é novidade que o jornalismo vem sofrendo na mão da imprensa venezuelana desde o golpe de abril passado. Mas outra certeza que essa crise deixa é que o desempenho da imprensa internacional também tem sido decepcionante.
A retórica da oposição contaminou tanto os telegramas das agências de notícia que os sítios da oposição pipocando aqui e ali na rede já os utilizam como fonte segura para atualização diária. Não há nada neles que conteste diretamente diversas meias-verdades no discurso da oposição. Verdade seja dita, contudo, que quase todos os serviços reconhecem que a atual paralisação foi posta em prática por um grupo essencialmente vindo do empresariado e da classe média do país.
Mas mesmo os jornais estrangeiros, que em outras épocas davam o tom crítico, o olhar mais demorado e cético dos fatos, estão pulando no barco. O caso mais representativo, tanto pelo tamanho do veículo quanto pelos erros que cometeu, é o do New York Times.
A cobertura já começou mal quando, no dia seguinte ao golpe, seu correspondente em Caracas, Juan Forero, afirmou que Hugo Chávez havia renunciado, quando na verdade havia sido arrastado para fora do Palácio Miraflores enquanto o empresário Pedro Carmona e seu povo (o mesmo povo por trás do paro de hoje) ordenava a prisão sem acusação de vários aliados de Chávez, fechava o Congresso e decretava um novo governo "democrático e constitucionalista". Para piorar, um editorial no mesmo dia dizia que "Com a renúncia, ontem, do presidente Hugo Chávez, a democracia venezuelana não está mais ameaçada por um ditador incubado."
O choque com a realidade no dia seguinte e a volta de Chávez ao poder depois de uma marcha popular levaram a uma rápida mudança de posição. Respondendo a uma carta de um leitor indignado com a monstruosidade, o conselho editorial, representado por Gail Collins, escreveu que "não se devia louvar a derrubada de um presidente eleito" e que o conselho "deixou a bola cair" em seu editorial.
Detalhe e nuance
Aparentemente o susto não durou. Cerca de um mês atrás, o boletim Narconews.com denunciou a estranha coincidência: tanto Forero, do NYT, quanto o correspondente do Los Angeles Times fizeram matérias praticamente idênticas. Entrevistaram os mesmos dois donos de lojas fechadas num bairro chique de Caracas e o mesmo "analista isento" que, soube-se depois, fora ministro do governo anterior a Chávez. Os jornais admitiram depois que seus dois correspondentes trabalharam juntos, algo absolutamente fora do usual quando se trata de enviados especiais. A possibilidade de que tenha sido uma "visita" guiada da oposição ? um dos donos de loja era, inclusive, líder piqueteiro ? ainda não se dissipou. Depois de abril, o Times tentou contornar as repetidas ratas de Forero com a contratação de Francisco Toro, jornalista local, e o envio do chefe do birô do México, Ginger Thompson, à Venezuela.
Mas o mais recente prego no caixão da independência veio a público na semana passada, quando, muito eticamente, Toro apresentou sua carta de demissão ao jornal argumentando que seus conflitos de interesse o impediam de seguir colaborando. Toro mantém um weblog em inglês <caracaschronicles.blogspot.com>, onde deixa clara sua posição ativista contra Chávez. Inicialmente, o jornal quis o problema jogado para baixo do tapete e pediu ao jornalista que restringisse o acesso ao blog mediante senha.
Mas a coisa ia além. Nas palavras do próprio Toro: &quoquot;Muito do meu estilo de vida gira em torno de ativismo de oposição, de ser membro de diversas ONGs, organizar eventos e participar de marchas."
Resta saber como um jornal ? e não qualquer jornal, o New York Times ? que nem sequer consegue avaliar as deficiências de um jornalista que contrata pode cobrir com o detalhe e a nuance necessários a atual situação venezuelana.
(*) Jornalista