JORNALISTAS MORTOS
Ana Maria Rodrigues de Oliveira (*)
A morte de 12 jornalistas em apenas 20 dias de conflito, a submissão de diversos veículos de comunicação a um sistema de censura inédito nas últimas décadas e a prevalência da propaganda sobre a informação apontam para uma constatação sombria: a imprensa perdeu a guerra.
Na terça-feira, dia 8, quando as imagens de Bagdá evidenciavam o ataque de tanques norte-americanos ao Hotel Palestine, onde se hospedavam correspondentes estrangeiros, o ato de agressão atingia não somente os profissionais da mídia, mas a sociedade internacional ao colocar em xeque o princípio da liberdade de imprensa e de expressão.
De nada valeram os comunicados prévios ao Pentágono sobre a localização dos escritórios dos meios de comunicação. Por isso, há que se fazer um balanço menos otimista sobre o papel da mídia na atual crise e, ainda, questionar as condições que têm sido impostas pelos governos à área da comunicação.
Que alternativas se apresentam diante desse quadro?
A mais urgente delas é a retomada do debate sobre a comunicação internacional e suas implicações para o desenvolvimento e a paz entre os povos. A atual crise no Iraque vem mostrar a necessidade de que governos democráticos adotem a iniciativa de reacender os debates sobre a comunicação nos diversos fóruns internacionais, exigindo que o tema ocupe a ordem do dia, ao lado de outros prementes como segurança, defesa do meio ambiente.
É bom lembrar que, durante os anos 70-80, o Movimento dos Países Não-Alinhados liderou uma ampla mobilização nesse sentido. Em vários esforços, como a criação de grupos de trabalho, da produção de competentes diagnósticos, países não-alinhados, aí incluído o Brasil, fizeram aprovar, nas assembléias da ONU e da Unesco, resoluções direcionadas à implementação de uma Nova Ordem Mundial da Informação e Comunicação (Nomic), mais democrática e justa.
Muitas das propostas concebidas não chegaram a ser efetivadas. Um dos principais motivos foi a retirada dos Estados Unidos e Inglaterra da Unesco, no início da década de 80. Não seria, pois, o momento oportuno de se retomar essa luta? Como uma segunda alternativa, poder-se-ia esperar que a visibilidade propiciada pela intensa veiculação de imagens e notícias sobre o conflito venha iluminar um caminho em prol da observância do direito dos povos de viver em paz e em liberdade. Incluem-se, nesse caso, ações por iniciativa tanto da sociedade civil quanto de alguns governos voltadas a que se responsabilizem, de fato, líderes que, por atos de força, criem constrangimentos e sofrimentos a outros povos.
Isenção, o grande desafio
Um importante debate sobre a informação está, pois, em curso. Pergunta-se ainda: que características marcam a cobertura do conflito no Iraque em relação a outras crises? Que novas formas de comunicação se desenvolveram?
Há duas novidades. A primeira tem sido a participação marcante ? ainda que iniciada durante os ataques ao Afeganistão em 2001 ? de redes árabes de televisão. As emissoras al-Jazira, do Catar, al-Arabya, da Arábia Saudita, e Abu Dhabi, dos Emirados Árabes Unidos, têm ocupado grande espaço na cobertura internacional e se destacam por mostrarem o “outro lado” do conflito. Paradoxalmente, a poderosa CNN vem comprando imagens da al-Jazira. A depender de grandes emissoras norte-americanas, que estão ligadas a grandes corporações ? a título de exemplo, a CNN faz parte do grupo AOL Time Warner ? o mundo teria assistido quase tão somente ao “espetáculo” das armas ? o que ocorreu durante a Guerra do Golfo, em 1991 ? e não teria percebido o drama vivido pela população iraquiana. Às televisões árabes junta-se a emissora estatal portuguesa RTP, que mostrou as primeiras imagens do conflito.
Como segunda novidade, evidencia-se o enorme circuito de informações na internet, seja através dos e-mails enviados por soldados a suas famílias, numa espécie de “diário de guerra”, seja das milhões de mensagens enviadas por cidadãos e movimentos organizados em defesa da paz e com propostas como a de boicote a produtos de empresas norte-americanos. Acrescentam-se os sítios com notícias.
Em meio a essas novidades, a tarefa de informar com isenção continua a ser um grande desafio, como vem mostrar o conflito no Iraque. Admitindo-se a existência de mecanismos de censura, que têm sido impostos em favor de claros interesses políticos e econômicos, é certo que a comunicação continua a ser tema de grande relevância para a sociedade mundial.
(*) Jornalista, cientista política, professora na PUC-Minas