Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

opinião pública"

ASPAS

"À opinião pública", copyright Folha de S.Paulo, 2/3/01

"Mendacem oportet esse memorem. [Quintiliano]

As ações sérias são registradas na memória coletiva, mas as palavras voam. Quem deseja usar meios verbais sem veracidade deve saber que a vida institucional supera os indivíduos. A Folha recolheu, ontem, de um técnico demitido pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), um discurso cujo teor foge até mesmo da verossimilhança. A mencionada pessoa acusa a Comissão de Perícias de triar solicitações de exames em benefício do governo federal. O pretexto para isso foi a coincidência entre a data de sua demissão e um pedido para que fosse feita a análise de fitas, gravadas pelo procurador da República Luiz Francisco, de conversa com o ex-presidente do Senado Antonio Carlos Magalhães.

As alegações do perito soam exatamente como as da conhecida anedota do cidadão, em Nagasaki, que imaginou uma sequência de causa e efeito entre o seu ato de deslanchar a válvula da toalete e a explosão da bomba sobre a cidade.

Entre a demissão do pesquisador Ricardo Molina e as conversas de ACM, não existe rigorosamente nada para ser dito sobre a Comissão de Perícias presidida por mim. Nenhuma solicitação de exame, no caso, chegou até a instituição. Nem oficial nem extraoficialmente.
Se um pedido foi feito diretamente a Molina, ignorando regras universitárias estabelecidas e divulgadas, e se ele aceitou o trabalho, ao arrepio das regras oficiais, isso apenas configura, de sua parte, mais um procedimento errado na extensa folha corrida de atentados por ele cometidos contra as normas éticas e de direito público.

A Comissão de Perícias, ao contrário do que ele afirma de modo calunioso, não foi criada com finalidades políticas, ou para acobertar esse ou aquele setor ideológico, dentro ou fora do governo. Ela foi instalada para estabelecer regras acadêmicas no trabalho de peritagem da Unicamp, setor que antes desconhecia normas e operava segundo o arbítrio dos técnicos. Após muitos casos que prejudicaram a instituição como um todo e depois do fechamento do Departamento de Medicina Legal pelo Conselho Universitário, a referida comissão teve como alvo produzir os necessários regulamentos. Esses foram publicados no ?Diário Oficial? do Estado e remetidos para todas as autoridades do Judiciário, do Legislativo, do Executivo e de setores da sociedade civil e de toda a imprensa.

Desde os seus inícios, a comissão decidiu-se pelo encaminhamento, sem restrição, de todos os pedidos de perícia, vindos de todas as partes da vida nacional, aos técnicos da Unicamp. Estavam conscientes, os integrantes da comissão, das investigações ?interna corporis? que seguiam contra Ricardo Molina.

No entanto decidiu-se por enviar todos os pedidos de análise para ele, pela razão simples de evitar, para a Unicamp, em ações posteriores, qualquer acusação de prejulgamento. Documentos provam que nenhum exame deixou de ser encaminhado ao técnico. Coube sempre a ele -e somente a ele- a decisão sobre os passos do trabalho, desde a sua aceitação até os detalhes de orçamento etc.

Nenhum membro da comissão é técnico em fonética ou em medicina legal. Além de mim, professor de ética e de filosofia política, a integram o diretor da Faculdade de Ciências Médicas e o diretor da Faculdade de Odontologia da Unicamp. As especialidades acadêmicas a que se dedicam não se definem nos limites daquelas ostentadas por Ricardo Molina e por outros técnicos. Mas todos os membros têm reputação ilibada, tanto no plano científico quanto no ético.
Pessoalmente, sou conhecido em todos os campi nacionais como defensor da universidade pública e severo crítico de suas mazelas. Em entrevista publicada na revista ?Caros Amigos?, fiz observações sobre o atual governo, as quais raros docentes teriam a coragem de repetir. Reitero as críticas feitas, sem nenhuma exceção. Aceitei presidir a Comissão de Perícias porque a reitoria da Unicamp me ofereceu a oportunidade de colaborar para corrigir a parte do campus nos erros do passado.

Vejo com satisfação que a Unicamp segue as regras de direito e de ética, punindo quem não sabe distinguir entre o seu bem-estar pessoal e a vida da instituição científica. Sempre defendi verbas para a pesquisa e sempre as defenderei. Mas recuso-me a aceitar que ciência se faça com uísque e caviar pagos pelo dinheiro dos contribuintes.

É por esses e outros motivos que Ricardo Molina foi despedido, não por altos e sublimes valores ideológicos. [Roberto Romano, 54, é professor de filosofia na Unicamp e presidente da Comissão de Perícias da universidade.]"