REDE GLOBO & ELEIÇÕES
Nilson Lage (*)
O Observatório de Imprensa publicou, na edição passada, artigo de Gilson Caroni Filho, professor das Faculdades Hélio Alonso, do Rio de Janeiro, atribuindo ao Jornal Nacional, da Rede Globo, a intenção sinistra de prejudicar Luíz Inácio Lula da Silva por meio de algumas manobras sutis [veja remissão abaixo]. Por exemplo:
a) mostrá-lo suando ou aplaudido ao sair de um banheiro público, detalhe registrado antes por Bernardo Kucinski, o qual, no entanto, considerou a cobertura "quase justificável, em termos jornalísticos";
b) conceder espaço a Leonel Brizola, na esperança (olha que maquiavélico!) de que "sua associação ao candidato petista talvez traga mais rejeição do que votos";
c) incluir (naturalmente, convencendo os entrevistados) "condicionalidades" ? isto é, o estabelecimento de condições ? de políticos e religiosos considerados mais à direita para o apoio a Lula;
d) veiculando, no mesmo programa (não fica muito claro se no mesmo bloco), informações verdadeiras sobre a tensão no mercado de câmbio;
e) registrando "manifestações contra Hugo Chávez" ? imagens espetaculares, distribuídas pelas agências de notícias, de eventos importantes no contexto da América Latina ? "com o firme propósito de reforçar a associação pretendida por Serra" entre Lula e o presidente venezuelano (aliás, democraticamente eleito e apoiado por outras manifestações que também saíram no Jornal Nacional).
Conclui Caroni que "o perfeito timing nos permite afirmar que a emissora se transformou num link do comitê de campanha da candidatura oficial". Tal conjunto de argumentos, somados a outros tantos que Victor Gentilli, na mesma edição do Observatório [remissão abaixo], se propôs refutar ? críticas ao registro, por Elio Gaspari, do vinho caro que Lula tomou em um restaurante de Ipanema, ou à revelação de detalhes, pelo mesmo colunista, da conversa entre o candidato e o deputado Delfim Netto ? deixa de orelha em pé velhos jornalistas como eu.
Se dependesse de analistas como esse, o eventual governo Lula incluiria censura total de informações, já que qualquer coisa que se diga, ainda que verdadeira e relevante, pode ser interpretada, no contexto, como algo contra o líder supremo, dotado de virtudes tão sobre-humanas que nem sequer faz xixi; não aprecia vinhos finos; não cultiva amizades que desagradem à direita americana ou conversa com pessoas abominadas pela corte.
É por essas e outras que o ensino de jornalismo deveria, há muito, ter-se desligado da área de comunicação, onde vale tudo, até fantasiar os próprios preconceitos como se fossem "análise semiológica".
A meu ver, a cena do banheiro ? uma das poucas matérias interessantes na rotina da cobertura eleitoral ? pode ter ajudado Lula, na medida em que, junto com o suor da campanha, tornou-o mais humano, menos estampa de cartaz. Por outro lado, o contato com os vinhos finos antecipa um destino, certamente surpreendente para um metalúrgico, mas para o qual boa parte do povo o indicou, no primeiro turno. As relações (reais) com Chávez, a conversa com Delfim e as ressalvas dos simpatizantes de última hora antecipam dificuldades que o candidato enfrentará, se eleito.
Não sou louco de pôr a mão no fogo pela Rede Globo. Mas, até aí, fez jornalismo. E bom.
(*) Professor do Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina
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