CASA DO JORNALISTA
Fernando Segismundo (*)
Associação Brasileira de Imprensa (ABI) completou 95 anos na segunda-feira, 7 de abril, quando foi inaugurada uma mostra de artistas plásticos na sede da instituição, no centro do Rio, tendo por tema "ABI e a Liberdade de Expressão". No mesmo dia, no auditório da entidade, o jornalista Fernando Segismundo, presidente da ABI, proferiu palestra sobre a história da instituição e a juíza Denise Frossard, deputado pelo PSDB-RJ, discorreu sobre o tema "A relação Imprensa-Justiça".
A ABI foi fundada em 1908 por Gustavo de Lacerda inicialmente com o nome de Associação de Imprensa dos Estados Unidos do Brasil. A partir de 1915 passou a ser conhecida como ABI.
O texto do convite para as comemorações assinala que…
"…mencionar a ABI é evocar a defesa da Amazônia e campanhas históricas como a do ?Petróleo é Nosso?, que redundou na construção da Petrobras; além de lutas como a da ?Anistia Ampla Geral e Irrestrita?, a das ?Diretas Já? e pelas prerrogativas democráticas. A ABI também sempre se posicionou a favor da Paz, contra as guerras de conquista e o assassínio de populações".
A seguir, artigo do presidente Fernando Segismundo publicado originalmente no sítio da ABI <http://www.abi.org.br> . O título e os intertítulos são da redação do OI.
Devo rememorar nesta data (7/42003), a pedidos, algo da trajetória da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Noventa e cinco anos a respeito dos principais administradores da Entidade e dos fatos relevantes nela ou pela mesma promovidos. Procurarei resumir bastante o que se passou e do que tive conhecimento pessoal. Será como um aperitivo. Quem desejar alimento mais sólido tem à disposição, nos arquivos e na biblioteca da Casa, as informaçccedil;ões necessárias.
Não há excesso de documentos sobre a Instituição, mas os existentes podem responder às indagações formuladas. Os principais são um opúsculo de Dunshee de Abranches, os relatórios anuais dos presidentes, as atas da Assembléia, do Conselho Administrativo e da Diretoria, o Boletim e o Jornal da ABI, o livro Trincheira da Liberdade, de Edmar Morel, e obras de minha autoria. A oralidade acaba por perder-se ou deturpar-se. Acertado é remontar às fontes escritas.
Inicio esta memória pelos presidentes (1908/2000). A segunda parte versará fatos salientes com exclusão dos de caráter administrativo. A Instituição foi criada no dia 7 de abril, Sábado de sol, pela tarde, na sala da Caixa Beneficente dos Empregados de O País, jornal instalado em prédio da Avenida Rio Branco (então Avenida Central), esquina da Rua Sete de Setembro. Nove jornalistas, tendo à frente Gustavo de Lacerda, concretizaram idéias e que os vinham preocupando há tempo, na cidade do Rio de Janeiro. Nascia a Associação de Imprensa ? primeiro nome da Instituição.
O fim, segundo a ata, era manter uma caixa de pensões e auxílios para os sócios e suas famílias; estabelecer um serviço de assistência médica e farmacêutica; instituir o Retiro de Imprensa, com enfermaria e residência para velhos e enfermos; habilitar, por meio de título de capacidade intelectual e moral, o pretendente à colaboração no jornalismo; organizar o Anuário de Imprensa e prestar pública homenagem ao dia do aparecimento do primeiro jornal no Brasil, para a realização da qual procuraria a Associação o apoio do Governo da República.
Exceto a caixa de pensões e o retiro dos velhos, o mais vem sendo atendido, devendo salientar-se a criação de escolas preparatórias dos aspirantes ao exercício da Comunicação, graças ao empenho de gerações, afinal deferida pelo presidente da República Getúlio Vargas, a instâncias de Herbert Moses, faz sessenta anos.
Gustavo de Lacerda foi o primeiro a administrar a Organização. Natural de Desterro, em Santa Catarina (18/5/1854), veio para o Rio de Janeiro após dar baixa no serviço militar, no posto de primeiro sargento de Infantaria do Exército. Na Corte, a partir de 1876, exerceu modestas atividades, aprendeu e lecionou o idioma francês, foi revisor de provas em jornais e fundou, sem êxito, a folha O Meio Dia (1884). Como profissional da imprensa, exerceu sempre o cargo de repórter, encarregado das notícias da Prefeitura. Era reconhecido como abolicionista, republicano e socialista.
Empreendedor, pobre e desprendido ? muito o apreciavam os companheiros de trabalho por seu devotamento ao bem-estar da classe. Lidou no Jornal do Brasil e em O País, principalmente. Um ano após a existência da Associação, morreu na Santa Casa de Misericórdia. Muito mais tarde, veio a saber-se (Arquivo do Exército) que seu nome verdadeiro era Gustavo Adolfo Fraga. Lacerda ou Fraga, Gustavo praticou em alto grau o amor ao próximo e sacrificou a saúde ao ideal de congraçar a categoria dos jornalistas. Outro repórter passou a dirigir a Associação: Francisco Souto, do Correio da Manhã e também fundador. Ocupou o cargo durante oito meses (1909/10). Manteve unidos os poucos sócios que resistiam à pressão patronal para que abandonassem a agremiação. Desde cedo, o empresariado sentiu na Casa um juiz de seus atos e nada fez para ajudá-la.
Dunshee de Abranches (João D. de A. Moura) era maranhense. Ao assumir a presidência da Associação, gozava de boa fama como jornalista, advogado e político (deputado federal à sombra do Barão do Rio Branco). Admirador do modesto confrade Gustavo, foi ele quem lhe trouxe, de uma viagem à França, os dados essenciais para o estabelecimento da Associação (leis e regulamentos de entidades semelhantes e sindicais). Devem-se a Dunshee os primeiros projetos da Escola de Jornalismo, vindicação dos fundadores da ABI. Também lhe ficamos obrigados pela mudança do Estatuto corporativo. Ocupado com afazeres oficiais e particulares, Dunshee renunciou ao cargo. De uma feita, o Governo Federal incumbiu-o de estudar a situação do ensino secundário e superior e da Justiça Militar.
Fora abolicionista, estudava História e Ciência Política e dedicava-se à música. Escreveu dezenas de livros. Dele é o pensamento: "Os jornais, de fato e de direito, constituem uma força preciosa, necessária e bem organizada para encaminhamento e solução dos mais sérios e importantes problemas sociais" (1911).
A diretora-proprietária do Jornal do Brasil e antiga associada desta Casa, Condessa Maurina Pereira Carneiro, era filha de Dunshee de Abranches.
Belisário de Souza, fluminense, conviveu com os fundadores da Instituição, que bem conhecia. Foi o mais novo presidente que a casa já teve: atingira 27 anos quando eleito. Notório redator do Jornal do Brasil e deputado pelo Estado do Rio. O nome definitivo da ABI foi ele quem o deu. Após exercer a presidência de 1913 a 1916, renunciou à função.
Raul Pederneiras, carioca, presidiu a Casa por duas vezes: em 1916, completando o mandato de Belisário, e de 1920 a 1926. Grande e apreciada figura do meio. Notabilizou-se como caricaturista no Jornal do Brasil e foi professor de Direito Internacional na Faculdade Nacional de Direito (no bairro do Catete). Governou a ABI, segundo escreveu, em meio a um "terremoto de vicissitudes com algumas horas de bonança". Ao encerrar o encargo, legou-nos a frase: "Vencer sem perigo é triunfar sem glória".
Baiano, João Guedes de Melo é mais um dos repórteres a governar a Casa. Esteve à sua frente durante dois períodos, entre 1917 e 1920. Durante setenta anos, trabalhou no Jornal do Commercio, inclusive foi seu redator de rádio por muito tempo. Nacionalista extremado. Promoveu o I Congresso Brasileiro de Jornalistas, em 1918, no Rio de Janeiro. Muito revigorou a tese de Gustavo e Dunshee em favor de escolas profissionais para candidatos ao jornalismo. Sobre ele, assim se pronunciou Edmar Morel, na Trincheira da Liberdade: "Homens como João Melo escreveram, no anonimato, a história do jornalismo brasileiro, do alvorecer da República aos nossos dias, numa lição de altruísmo".
Dario de Mendonça presidiu a Associação de 1918 a 1919. Pertencia ao Jornal do Commercio desde 1912. Antes, fundara uma folha em Valença e trabalhara em jornais de São Paulo e Minas. Era amigo de João Melo, tendo participado do I Congresso Brasileiro de Jornalistas. Sua qualificação era de repórter credenciado na Sala de Imprensa do Catete; em outros periódicos, chegou a ser redator-chefe. Nada pôde fazer pela Associação, devido ao clima hostil reinante. Dos 740 sócios, 503 encontravam-se em débito.
Barbosa Lima Sobrinho, pernambucano, iniciou-se nas lides de imprensa em 1919, no Recife, voltado para crônicas semanais. Prosseguiu a compô-las no Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que respondia pela reportagem política e, depois, pela chefia da redação do Jornal do Brasil. Neste órgão, escreveu durante oitenta anos, mesmo quando governador de Pernambuco ou no exercício de outros mistéres e até depois de aposentado da profissão. Nesse labor, deve ser recordista nacional. Foi presidente da Casa por diversas vezes: de 1926 a 1927, de 1930 a 1931 e de 1980 a 2000. Segundo mais jovem a administrá-la.
Pressões policiais
Dentre o muito que os associados dele conquistaram, há de mencionar-se a escritura do terreno onde foi elevada a sede da ABI ? escritura adiada por prefeitos hostis à sociedade dos jornalistas. Dele também partiu a mudança do inócuo Conselho Deliberativo para um Conselho Administrativo ainda em ação oitenta anos depois. Feito relevante seu foi a fusão, em 1931, de três grêmios fracos na poderosa Associação de hoje. Renunciando à presidência da ABI, levou a igual atitude os responsáveis pelas duas instituições dissidentes da matriz. Para o governo único e exclusivo da Entidade foi escolhido Herbert Moses, antigo sócio, advogado, tesoureiro de O Globo e diretor da empresa Souza Cruz, onde dirigia aclamada revista literária.
Barbosa tornou a atuar na ABI ? já então transferida da Rua do Passeio para a Rua Araújo Porto Alegre (Castelo) ? nos anos 70, quando presidiu, com eficiência, o Conselho Administrativo, órgão superior da Casa. Atravessava-se regime ditatorial, com jornalistas presos, sumidos, exilados, incluídos alguns da ABI, privados de direitos civis. Deu-se o assassínio de Wladimir Herzog, em local militar e pela polícia política. À versão de suicídio alimentada pelas autoridades sucedeu a do assassinato deliberado, posto a nu por Barbosa Lima, Prudente de Moraes, neto (então presidente da Entidade), e Dom Evaristo Arns, nosso consócio e cardeal de São Paulo, cidade onde ocorreu a tragédia.
Barbosa voltaria à evidência e, com ele, a Associação, quando deliberou integrá-la no rol de instituições civis pleiteantes da demissão do presidente Fernando Collor de Mello, que acabou renunciando ao cargo. Em outras ocasiões decisivas da nacionalidade interveio a ABI, liderada por Barbosa Lima, sem dúvida, a voz do melhor nacionalismo a fazer-se ouvir e atuar na segunda metade do século 20. Barbosa foi ainda membro da Academia Brasileira de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e do PEN Clube do Brasil. Publicou mais de 50 livros. Em seus impedimentos, foi substituído por José Chamilete, antigo e saliente redator do Jornal do Commercio.
Retornemos à lista dos presidentes, pois trouxemos Barbosa dos anos 30 para os 80, recentes. De 1927 a 1928, coube a vez de projetar-se a Gabriel Loureiro Bernardes, advogado. De seu programa constava a criação de um "centro facultativo de informações interessando a todos os jornais". Enfrentou intransigente oposição, cujos atritos chegavam às brigas corporais. Jurista, desempenhou as funções de Procurador dos Feitos da Fazenda Municipal do Distrito Federal. Assis Chateaubriand guindou-o à direção de O Jornal, órgão líder dos Associados. Daí, partiu para ocupar o Ministério da Justiça da Junta Governativa que passou o poder a Getúlio Vargas, em 1930. A propósito, leia-se o livro Austregésilo de Athayde, o século de um Liberal, de Cícero e Laura Sandroni.
Paulo Filho (Manuel P. Teles de Matos F.) presidiu a ABI de 1928 a 1929, tendo ocupado ali, antes e depois, outros cargos administrativos. Praticou o jornalismo desde o tempo de estudante na Faculdade de Direito da Bahia, seu berço natal. Formado, veio para a Capital da República (1911), indo trabalhar no Correio da Manhã, que acabou por dirigir durante largo tempo. "Homem de jornal ? escreveu Edmar Morel ?, conhecendo todos os seus problemas, não conseguiu realizar seu intento: pacificar a família jornalística. Esbarrou em dificuldades intransponíveis, prejudicando o trabalho à frente da ABI". Paulo foi professor no Rio de Janeiro, mediante concurso público, exerceu a deputação pela Bahia e escreveu excelentes livros de memórias. Integrou a Academia Carioca de Letras.
Sucedeu-o Alfredo da Silva Neves (1929-30), fluminense, que principiou pela oficina (aprendiz de tipógrafo) a faina jornalística. Exerceu a profissão de médico e lecionou matérias ligadas à especialidade. Praticante do jornalismo, dedicou-se também à política. Foi redator de debates do Senado Federal, por concurso. Na defesa de jornais e jornalistas contra pressões policiais, conseguiu a neutralidade da ABI. Porém a Casa ? escrevia ele em seu relatório anual ? se arrastava "sob as maiores dificuldades, justamente por freqüentes dissenções no seu corpo associativo".
Destempero impresso
Após o movimento de 1930, foi secretário-geral do Governo do Estado do Rio de Janeiro, interventor federal e senador. Sugeriu o nome de Barbosa Lima Sobrinho para substituí-lo. Anteriormente, Barbosa recebera o impulso de Raul Pederneiras. Ao deixar esta segunda presidência, Barbosa escreveu: "A eficiência de qualquer administração está subordinada à condição de paz e harmonia, dentro de uma sociedade onde os embaraços são maiores que os recursos".
Carioca, filho de pai austríaco e mãe norte-americana, nascido na Rua Senhor dos Passos, Herbert Moses, ainda estudante de Direito, lidou com Joaquim Nabuco e o Barão do Rio Branco. Falava, além do português, as línguas inglesa, francesa, alemã, espanhola, hebraica e italiana. Enriqueceu com a advocacia e a administração de empresas. Entrou para sócio da ABI em 1917, assumindo-lhe a presidência em 1931, reeleito vezes várias e renunciando em agosto de 1964, por motivo de saúde. Dinâmico, viajou muito ao estrangeiro e pelo País, promovendo ou participando de congressos classistas. Era tesoureiro de O Globo, tendo ajudado Irineu Marinho a fundá-lo, e diretor da empresa de cigarros Souza Cruz (mas nunca fumou).
Bem relacionado com as autoridades, a qualquer hora do dia ou da noite a elas recorria para livrar jornalistas da cadeia ou defender-lhes os interesses materiais. Incansável, foi apelidado de "mosquito elétrico". Fez da ABI a ante-sala do Itamaraty, nela recepcionando as maiores figuras mundiais da política. A Casa do Jornalista transformou-se em centro social e Moses agia como se fora ativíssimo prefeito da cidade. Conseguiu dos presidentes Getúlio Vargas e Gaspar Dutra o numerário suficiente para construir a confortável sede da Associação. E, pedindo e protestando, deles e de sua polícia política logrou salvar vidas e manter o emprego de numerosos jornalistas.
Não se deixará de lembrar a censura vigente no país sob o Estado Novo, a perseguição e o empastelamento de jornais, os jornalistas presos, seviciados e mortos, as regras severíssimas impostas à comunicação por Francisco Campos e Vicente Rao e cumpridas à risca por Filinto Müller, Lourival Fontes e outros fiéis servidores do fascismo caboclo.
Entretanto, Moses, a serviço do patronato, ia obtendo do Governo pródigos favores (papel e maquinaria importados com o aval do Banco do Brasil, energia da Light com pagamento facilitado etc). A censura a um que outro jornal era aliviada a seu pedido. E por aí fora. Moses movimentava com equilíbrio a gangorra da liberdade de expressão. A todos servia, mas nem a todos agradava.
De Vargas, Moses alcançou o cumprimento de velhas promessas de outros governantes: a criação dos cursos de Jornalismo e o funcionamento da primeira escola oficial no Rio de Janeiro, por intermédio do Ministério da Educação. Não dispondo o Orçamento oficial de verba para acudir às despesas com o novo educandário, Moses obteve os recursos necessários com a empresa Souza Cruz.
De sua independência e atuação decisiva ficou um exemplo a ser ressaltado sempre. Entre os cidadãos que tiveram cassados direitos políticos pelo regime militar, a partir de 1964, encontravam-se os conselheiros da ABI Edmar Morel, Gumercindo Cabral de Vasconcelos e Costa Pinto. Moses foi notificado de que os mesmos não mais podiam exercer funções na Entidade. Estavam proibidos. Leu a intimação e ouviu os censores, mas negou-se a cumprir a ordem. Os conselheiros continuaram a prestar serviços grátis à Casa e as autoridades cansaram-se de esperar pelo atendimento da resolução.
O Boletim da ABI, de tanto apreço na Casa e noutros lugares, foi criado por Moses que do seu bolso retirava, a cada mês, o indispensável numerário. Enfermo, deslocando-se em cadeira de rodas, afinal, atendeu às ponderações dos companheiros e renunciou ao cargo, como já referido. Mesmo assim, quando em vez, aparecia na Casa, reavivando esperanças e desilusões com o seu estado de saúde. Oito anos depois, faleceu (1972).
Não obstante tudo quanto fez em favor da Casa, Moses foi insultado ? e como ele ninguém jamais o foi aqui ? por um verrineiro ameaçado de expulsão ao tempo em que ele presidia o grêmio. Victor de Sá chamava-se o jornalista que ao seu libelo denominou Um Repórter na ABI. Trezentos e trinta e cinco páginas maciças compõem a obra, sendo que as primeiras cinqüenta reportam-se à fundação da entidade e seus dirigentes principais até o advento de Moses. A obra publicada não atingiu nenhum objetivo, pela falsidade e passionalismo que a revestem e graças aos méritos reais do ofendido.
Se recordo Victor de Sá é para reavivar no espírito dos contemporâneos, incluídos alguns sócios da Instituição, a insanidade da calúnia e do destempero verbal ou impresso. No presente, ninguém se recorda de Victor de Sá, porém Moses continua a ser um marco da ABI, da Comunicação e da sociedade brasileira.
Falta de empenho
A título de curiosidade, transcrevo parte das qualificações apostas a Moses por Sá, no livro em causa; Sá que, a despeito de tanto denegrir, não ultrapassou a condição de apagado colaborador de jornais e medíocre cantor lírico. Açodado, anunciou, em 1955, quando da publicação de Um Repórter, a autoria de nove livros, no prelo, a sair ou em preparo. Nove! Versariam as mulheres; perfis negativos e caricatos; arianos do século 20; o drama judeu; valores; o teatro lírico no Brasil; terra carioca; e modernos, modernistas e futuristas. Nenhum deles veio à luz.
Vamos às dejeções, perdão, às diatribes: "velhaquíssimo", "grande farsante", "nefasta, amoral e mistificante gestão moseana", "pigmeu do espírito", "fariseu empenachado", "figura bisonha", "argentário inescrupuloso", "ditador da ABI", "intrujão", "pérfido", "velhaco", "nada pesa", "mascate da inteligência", "vaidoso", "bastardo mental", "caricatura vivente de arrivista", "ignorante e audacioso", "visguenta má-fé", "ditador constitucional da ABI", "homem perigosíssimo", "sinistro aventureiro internacional", "vira-lata". De permeio, o autor da muxinga diz que ninguém sabe, ao certo, onde Moses veio ao mundo. Pode ser croata, finlandês, esquimó, romeno etc; brasileiro não é.
Passados alguns anos, Moses, a meu rogo, obteve a internação grátis de Victor de Sá num hospital para tratar-se do câncer que acabou por liquidá-lo. Arrependido de tanta tolice e estupidez, quis agradecer a Moses em pessoa o benefício alcançado. Moses dispensou-o da humilhação.
À maneira de post scriptum: numerosos victors sás têm incomodado outros abnegados gestores da causa abiana. Cada qual defendendo perante incautos as "razões" de suas mazelas físicas e morais. Não somam, nada produzem; ignorantes e de má fé, somente usufruem da Casa. Por 70 centavos ao dia, usam elevadores, bebem água gelada e café num espaço caro e, sob temperatura amena, lêem jornais e revistas, assistem televisão, dormitam, comem e bebem sem convite em eventos por outrem contratados na Casa, passam anos e anos a maldizer de tudo e de todos.
Porém, a ABI prossegue no cumprimento de seu destino e as lideranças eleitas pelo corpo associativo continuam a viver bem, a trabalhar de graça por bons e maus e a progredir em seus projetos pessoais. Pragas, invejas, despeitos, malquerenças, ambições desvairadas não levam a nada. Para nós outros, a questão se resume em trabalhar e desprezá-los. "Non ragioniam di lor, ma guarda e passa", já aconselhava o divino Dante.
Celso Kelly, professor e redator da coluna social de A Manhã e de A Noite, órgãos do Governo, foi escolhido para substituir Moses, de quem era amigo e companheiro próximo na ABI. Ele participara do júri que escolheu o projeto dos irmãos M. M. Roberto para a construção da sede, pioneira da arte moderna em toda América do Sul.
No período, Elmano Cruz, presidente da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa, logrou reunir representantes da União dos Escritores do Brasil, dos Sindicatos dos Editores e Livreiros e da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais dispostos a enfrentar os militares no poder, e que tinham entre suas vítimas associados da Casa, alguns já no exílio.
Kelly estreitou-se com o Governo e aceitou convite "ou se ofereceu" para ser interventor oficial na ABI e no Sindicato dos Jornalistas, jungidos, segundo comunicação transmitida a alguns diretores e conselheiros por ele próprio. Ante a reação indignada do corpo social, preferiu renunciar a ser deposto da presidência. Era o ano de 1966. Foi ocupar a uma diretoria do Departamento Nacional de Educação do MEC (setor da moral e cívica). Nunca mais se falou nele na ABI.
Elmano Cruz terminou o prazo de Kelly e voltou à presidência em 1974 para um período de dois anos. Eficiente, procedia da Justiça (era desembargador) e trabalhara no Jornal do Commercio. Dotou alguns pavimentos de melhorias, visando ao conforto dos freqüentadores. Nas pegadas de Moses, às 7 horas já estava a despachar. Ele próprio datilografava a correspondência. A muitos associados recebia e a todos atendia, em questões internas ou de fora. "Tinha a volúpia de fazer o bem", registrou Morel. Tanta atividade prostrou-o cedo e Elmano acabou renunciando ao cargo. Movimentava-se em cadeira de rodas, à maneira de Moses. Mesmo doente, tocava órgão em sua casa no Grajaú para os que iam visitantes.Danton Jobim completou o período de Elmano; a seguir, sucedeu-o pelo voto dos eleitores e presidiu a Casa até fevereiro de 1978, quando faleceu. Paulista e advogado, foi no jornalismo que se impôs. Trabalhou em A Noite, A Manhã e A Crítica, de Mário Rodrigues; depois, dirigiu e comprou o Diário Carioca; por último, administrou a Última Hora, do espólio de Samuel Wainer.
Visitou a Inglaterra, os Estados Unidos e a França, durante a II Guerra Mundial, aperfeiçoando conhecimentos, proferindo palestras e dando cursos. Danton livrou muitos confrades de situações difíceis sob a ditadura militar. Tinha amigos e admiradores poderosos na cúpula governamental. Integrou o grupo inicial de professores de Jornalismo do curso criado na Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil, atual Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Lecionou as cadeiras de Técnica de Jornal e História da Imprensa. Antes, lecionara no Equador e na França. De suas viagens e observações, deixou livros com edições esgotadas. Foi em sua presidência que à Casa do Jornalista compareceu o marechal Costa e Silva, segundo presidente do regime excepcional instaurado em 1964, para homenagear a categoria dos comunicadores, na passagem do 60? aniversário da ABI (1968). Também na administração de Danton que foi acolhido na Casa, nela se demorando por largo período, o Sindicato dos Jornalista Profissionais do Rio de janeiro. Danton Jobim encerrou sua vida como senador da República.
Adonias de Aguiar Filho, baiano, antigo redator de A Manhã e do Correio da Manhã, sucedeu a Danton. Desfrutava de alguma notoriedade como romancista e pertencia à Academia Brasileira de Letras. Entre outras funções administrativa, dirigiu a Agência Nacional (ligada à comunicação do Governo) e o Instituto Nacional do Livro. Não demonstrou gosto pela função, jamais promoveu a Casa, mal lhe concedia uns poucos minutos diários. Sua falta de empenho constrangia os antigos servidores da agremiação. Ele errara de praia, como se diz hoje, ele e os sócios que o elegeram. Sua indicação para a presidência resultou do prestígio que desfrutava junto aos militares, cuja causa (1964) promovera e mantinha com discrição no meio civil, sobretudo por intermédio do Diário de Notícias do Rio de Janeiro. Sem integrar o corpo redacional nem ocupar nenhum cargo na empresa, tinha publicados editoriais de incentivo e apoio ao regime resultante do golpe que depôs o presidente João Goulart. Ingênuos, seus camaradas da imprensa imaginaram que a presença dele na Casa poderia coibir excessos ou abonar faltas contra associados porventura colhidos no arrastão do moralismo e da violência. Tal não ocorreu.
História futura
Em dezembro de 1972, sob Garrastazu Médici, o vice-presidente da ABI foi preso em sua residência e trancafiado incomunicável numa enxovia do DOPS (Rua da Relação). Procurado por familiares da vítima, Adonias prognosticou como péssima a situação de seu companheiro e nada, absolutamente nada, fez para soltá-lo ou garantir-lhe a integridade física. Há testemunhas vivas de sua frieza e desinteresse. Adonias foi substituído por Líbero de Miranda, natural de Itajaí (Santa Catarina), jornalista e engenheiro, antigo sócio da Casa, onde desfrutava de simpatia geral.
De aparência e íntimo fidalgos, culto, amante da música, não chegou a governar. Vinha doente e faleceu menos de oito dias depois de eleito.
Para o seu lugar, escolheu-se Prudente de Moraes, neto (1975/77). Figura dupla: ex-aluno do Colégio Pedro II, advogado, escritor, partícipe do Movimento Modernista, austero consultor jurídico da Light, prócer da União Democrática Nacional (UDN), conspirador proeminente da derrubada de Goulart. Por outro lado, bebedor, amante de corridas de cavalos, mulherengo, companheiro de boêmia de grandes compositores populares. Educadíssimo, era estimado nos dois grupos sociais. Sob o pseudônimo de Pedro Dantas, cuidava do turfe. Com o próprio nome ou no anonimato das redações, zurzia a esquerda e mostrava-se conservador. Produziu na Folha Carioca, no Diário Carioca, n’O Globo, Diário de Notícias e O Estado de S. Paulo textos irretocáveis, essência discutível…
Quando presidente da ABI, viajou a São Paulo e desmascarou a farsa oficial da morte do repórter Wladimir Herzog. Impedida a ABI de mandar rezar missa em memória da vítima, por negar-se o cardeal do Rio de Janeiro a autorizar qualquer que fosse o oficiante ou a igreja católica, Prudente, acompanhado de outros diretores da Associação, providenciou encontro ecumênico na própria Casa do Jornalista, assistido por centenas de adversários do regime opressor. A mesma providência levou a termo na capital paulista o cardeal Evaristo Arns.
De outra parte, Prudente deu nova dimensão ao Boletim da ABI, fonte indispensável para o conhecimento do golpe de 1964 e suas seqüelas. O grande jornalista e intelectual, voltado para o primitivo rumo democrático, ignorava ser vítima de câncer no cérebro. Queixava-se, sofria e recolheu-se à casa e hospitais, supondo tratar-se de uma enfermidade ocular. Foi substituído pelo vice-presidente, em cujo governo (agosto de 1976) uma bomba criminosa destruiu parte do pavimento da ABI onde funcionavam a Presidência, o Conselho Administrativo, a Secretaria e outros serviços. A reclusão também impediu Prudente de transmitir ao Governo de Ernesto Geisel o pensamento da ABI relativo à da cogitada restauração do Estado de Direito (Missão Portela), tarefa desincumbida pelo presidente em exercício.
Não se alude aqui às atividades desenvolvidas pelo atual presidente da ABI, jornalista e professor Fernando Segismundo, quando, no cumprimento do Estatuto, assumiu a direção da Casa, impedidos que estavam, por motivos diversos, os presidentes Danton Jobim e Prudente de Moraes, neto. Essa é história futura, como vindoura será a narrativa de sua administração a partir da morte de Barbosa Lima Sobrinho, tendo merecido dos conselheiros votantes a eleição e reeleição.
(*) Jornalista, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)