QUADRILHA DO FISCO
Amaury Ribeiro Jr. (*)
No final de 2002, IstoÉ teve acesso em Brasília ao dossiê bombástico sobre as contas dos funcionários do Fisco Estadual e Federal. Ironicamente, uma nota da revista Época afirmando que "o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, havia recebido as contas de políticos da Suíça" levou os repórteres a correrem atrás dos fatos. Porém, uma condição foi imposta aos jornalistas pela fonte: os números deveriam ser aproximados para evitar que o nome do mesmo informante, que temia sofrer um inquérito administrativo, fosse detectado. Segundo os documentos, o valor total do repasse foi de US$ 32,488 milhões. Já o famoso Rodrigo Silverinha Corrêa enviou exatamente US$ 8,9 milhões, enquanto o seu auxiliar mais próximo, Carlos Eduardo Pereira Ramos, remeteu US$ 18,1 milhões. Ao fechar a reportagem na quarta-feira (8/1), os repórteres da IstoÉ aproximaram os valores dos repasses da seguinte forma: US$ 34,5 milhões (valor total), Silverinha (US$ 8,9 milhões) e Pereira Ramos, US$ 18 milhões.
O mesmo procedimento vem sendo adotado pelo delegado da Polícia Federal que preside o inquérito, Adalton de Almeida Martins, que em seus ofícios à Receita Federal e ao Banco Central aproximou o valor total enviado em US$ 32 milhões a fim de detectar a origem de eventual vazamento das informações.
Quis o destino que a imposição da fonte se transformasse em prova incontestável da falta de ética e elegância que alguns veículos de comunicação vêm demonstrando durante a cobertura do caso. Não bastassem copiarem os números de IstoÉ, sem a atribuição do devido crédito, utilizam os números aproximados pelos jornalistas para criar histórias fictícias com o objetivo de desmerecer o furo dado pela revista.
De posse do dossiê, os jornalistas se deslocaram para o Rio de Janeiro para investigar os fatos que levaram os US$ 34,48 milhões às contas suíças. Após levantar documentos em cartórios, na Secretaria da Fazenda e de conversar com empresários que relataram casos de extorsão, IstoÉ chegou à conclusão de que Antônio Carlos Pereira e Rômulo Gonçalves não eram respectivamente fiscais da Receita Federal e Tesouro Nacional como haviam declarado à instituição Union Bancaire Privée, também com sede na Suíça (onde os recursos estão depositados), mas, sim, pertencentes a quadrilha estadual de Silverinha, que extorquia empresas de grande porte. Os documentos levantados em cartório possibilitaram ainda a comprovação de que os fiscais envolvidos tinham bens incompatíveis com os seus rendimentos.
Sem crédito
Na segunda-feira (6/1), começamos a ouvir o outro lado da matéria. E aconteceu o mais inusitado: ao ser informada da reportagem, a governadora do Rio de Janeiro, Rosinha Garotinho, resolveu demitir Silverinha da presidência da Companhia de Desenvolvimento Industrial (Codin) mesmo sem tomar conhecimento oficial dos fatos.
"Tomei conhecimento de que a IstoÉ ia divulgar reportagem envolvendo o Silverinha. Achei que os fatos eram contundentes e decidi demiti-lo", disse a governadora à rádio CBN e ao programa Passando a Limpo, da Rede Record. Segundo o jornal O Dia, o governo teve conhecimento das denúncias por intermédio do ex-secretário de Fazenda de Anthony Garotinho, Carlos Antônio Sasse, que, por sua vez, foi informado a respeito das contas pelos jornalistas de IstoÉ. Sasse tinha uma informação parcial: a de que ocorreram repasses ao exterior de até US$ 18 milhões (no caso de Antônio Pereira Ramos). Aparentemente, o ex-secretário entendeu que o valor total era de US$ 18 milhões e saiu divulgando esse número para o governo e para a imprensa local, que havia tomado conhecimento da demissão de Silverinha.
Ao verificar que O Dia iria divulgar os fatos mesmo sem ter acesso aos documentos, IstoÉ resolveu antecipar a edição. Na madrugada de sexta-feira (10/1), a revista já estava nas bancas. O conteúdo da reportagem foi franqueado pela própria revista na noite de quinta-feira aos jornais O Globo, Correio Braziliense e Estado de Minas, que corretamente deram crédito à revista. O mesmo procedimento respeitoso foi adotado pelo jornal Folha de S.Paulo (o repórter investigativo Mário Magalhães chegou a escrever um artigo citando os autores da matéria). A maioria das rádios e emissoras de televisão fizeram o mesmo. Já o jornal O Dia resolveu percorrer caminho inverso. Saiu na sexta-feira com uma matéria em que dizia apenas que uma quadrilha liderada por Silverinha teria enviado os US$ 18 milhões alardeados por Sasse. No dia seguinte, corrigiu o erro e passou a publicar os números aproximados dados por IstoÉ (os US$ 8,9 milhões de Silverinha e os US$ 18 milhões de Carlos Eduardo Pereira Ramos, entre outros números) ? mais uma vez sem conceder à revista o devido crédito. O mesmo procedimento vem sendo adotado pela Rede Globo.
"A verdadeira história"
Mas o pior ainda viria a acontecer. Na sexta-feira (10/1), quando IstoÉ já estava nas bancas, a revista Época, começa construir uma reportagem com o objetivo de desmerecer o mérito da concorrente. Utiliza os mesmos números aproximados ? uma demonstração de que não teve acesso às contas ? e, bancando uma versão inusitada, publica que a demissão teria acontecido com base num depoimento dos acusados à PF no qual teriam confessado ter contas na Suíça. Mais: com base nos supostos depoimentos, o Ministério Público do Rio teria pedido o seqüestro dos bens dos acusados.
Tais depoimentos nunca ocorreram. Os envolvidos do Fisco Estadual somente vieram a tomar conhecimento dos fatos por intermédio de IstoÉ. Silverinha e seus companheiros negam ter contas no exterior. Apenas um auditor da Receita Federal admitiu ter a conta, em off respeitado por IstoÉ. Portanto, nenhum depoimento foi enviado à Justiça Federal, que, por sinal, indeferiu o primeiro pedido de bloqueio das contas apresentado pelo Ministério Público com base no relatório da Suíça, sob o argumento de que o inquérito não havia sido instaurado.
Época diz ainda que a Polícia Federal instaurou o inquérito com base em um relatório do Banco Central. Documentos em poder de IstoÉ mostram o contrário: foi a PF que solicitou ao BC que apurasse os fatos. IstoÉ já apurou que, até o momento, constatou-se que as transações do Discount Bank and Trust Company, autor das remessas à Suíça, são irrisórias. É muita ingenuidade imaginar que dinheiro de origem ilícita tenha transitado por canais legais na sua viagem ao exterior. É claro que saiu por intermédio de doleiros, alternativa de investigação que as autoridades já perseguem. Não bastasse tudo isso, em seu anúncio comercial veiculado na TV, Época anuncia ter "a verdadeira história" a respeito do caso. O repórter Chico Otávio, de O Globo, a quem eu havia confidenciado os números da Suíça, pode confirmar os fatos.
(*) Repórter da IstoÉ