DOMINGO ILEGAL
Paulo José Cunha (*)
Dispensável manifestar regozijo diante da punição aplicada ao apresentador Gugu Liberato pelo crime de incitamento à violência. Vários analistas, de todos os matizes e calibres, já o fizeram e continuam fazendo. A punição é uma lavada na alma de quantos se batem pela qualidade na televisão, este combate inglório que alguns quixotes como eu insistimos em combater.
O que preocupa mais nessa história é a posição adotada por Sílvio Santos. Ele telefonou ao empregado autor do crime dizendo: "Faça um belo programa no domingo e bola pra frente. Do outro lado, eu vou estar assistindo." Ostensiva demonstração de apoio e solidariedade, sem qualquer tipo de admoestação ou reprimenda, apenas coonestando a ilicitude cometida. Atitude lamentável sob todos os aspectos.
De alma lavada
Para quem não teve acesso ao despacho da juíza Leila Paiva, transcrevo o que escreveu sobre a entrevista que motivou a punição:
"É ofensiva, grosseira, menospreza a sabedoria do povo brasileiro, atenta contra os valores cívicos e religiosos, condena o telespectador a um entretenimento vil, estimula a criminalidade, propaga a ideologia do terror, incita a desobediência civil, põe em risco a estabilidade social e desrespeita a ordem institucional."
Se Sílvio Santos fosse feito de substância menos pastosa, Gugu Liberato teria recebido, no mínimo, uma formidável descompostura, quando não uma rigorosa punição ou, até mesmo ? me deixa sonhar, vai ? o bilhete azul. Tsk, tsk, tsk. Ambos rezam pela mesma cartilha. Nada disso aconteceu nem acontecerá. No domingo, um Gugu contrito e com ar de madalena arrependida abrirá o programa, sob aplausos emocionados, fará o discurso da vítima (nós, brasileiros, adoramos transformar vilões em vítimas), reconhecerá o erro ? quem nunca errou que atire a primeira pedra ? e o auditório, em peso, desabará em lágrimas e gritos histéricos, enquanto o Brasil, aos soluços diante da telas da TV, se solidarizará com o queridinho das tardes de domingo.
O Domingo Legal terá sua mais estrondosa audiência, Gugu jantará com Senor Abravanel, dormirá de alma lavada e acordará numa radiosa manhã de segunda-feira com a certeza de que o episódio reverteu-se em poderosa ferramenta de marketing. Depois disso, é só esperar o melodioso barulhinho da caixa registradora. Como diria Caetano (antes de virar cantor de música brega): "Botei todos os meus fracassos nas paradas de sucesso."
(*) Jornalista, pesquisador, professor da UnB, documentarista, autor de A noite das reformas, O salto sem trapézio, Vermelho, um pessoal garantido, Caprichoso: a Terra é azul e Grande Enciclopédia Internacional de Piauiês. Este artigo é parte do projeto acadêmico Telejornalismo em Close <
http://www.tjemclose.hpg.com.br>, coluna semanal de análise de mídia distribuída por e-mail. Pedidos para pjcunha@unb.br
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