REFORMA DA PREVIDÊNCIA
Jaime Höfliger (*)
Nada melhor para ensejar um início de compreensão sobre este episódio das reformas, principalmente a da Previdência, do que deixar de lado toda a dança e contradança das "informações" prestadas através de farta racionalização de interesses e, inevitavelmente, do caráter dos "informantes", e atentar para uma observação vinda à luz no Jornal da Record ? 2? Edição, do dia 16/6, segunda-feira. A propósito da redução de aposentadoria que poderá atingir os juízes, o seguinte comentário foi feito pelo âncora do programa: "(…) Mas é imperativo que se acabem os privilégios odiosos; os jornalistas, nós, também os tivemos, como passagens aéreas gratuitas… e acabaram, felizmente." Para ouvidos moucos nenhuma palavra será suficiente, mas para meio entendedor, uma boa palavra basta.
Não sei exatamente que outros tantos privilégios os jornalistas perderam mas, se é esse o espírito da coisa, não parece bom. Porque com ou sem privilégios a qualidade da informação vem conseguindo se superar numa escala descendente, há longo tempo. Privilégio é ler um texto bem construído e ainda se pode garimpar a regalia de um que seja também objetivo, esclarecedor, honesto. Será que a perda por outras categorias de seus "privilégios" vai melhorar o jornalismo? Não, mas os "jornalistas" assim mostram sua inclinação masoquista que ainda lhes dá o direito de ficar à sombra do governo.
Bala perdida
Desde o desgoverno Sarney, com a melhor performance no desgoverno Collor, os "marajás" vêm sendo abatidos, ao estilo dos judeus no regime nazista. O país não melhorou, pelo contrário (os marajás já estão na casa dos R$ 2 mil e descendo), mas, em compensação, vários personagens têm podido interpretar o papel de nazistas, enquanto vários outros têm sido convocados para se revezar no papel de judeus, fazendo perdurar esse teatro durante tanto tempo.
Numa sociedade competitiva e tendendo à miséria (meu pirão, ou meus juros, primeiro), inclusive e principalmente a intelectual, o horizonte no qual se divisam os exploradores fica obnubilado. É o bancário do Banco do Brasil (era), o empregado das estatais que prejudicavam o funcionário público, que prejudica o aposentado, que agora virou explorador; é o vizinho, a mãe, a sogra, o cachorro… ou qualquer um a quem seja mais fácil dizer: "Com esse eu posso."
A Argentina dos militares, no episódio das Malvinas, uniu o país contra a Inglaterra ? acharam que podiam com eles; o Brasil vem unindo o resto do país, a cada ano ou governo, contra uma categoria, eleita bode expiatório, utilizando-se, invariavelmente, da imprensa como catalisador. É uma maneira de governar, sem dúvida, mas é um retrato perfeito de uma neurose.
O verdadeiro problema, contra o qual o povo deveria ser unido para lutar, esse é evitado, mascarado, mal disfarçado, quando não simplesmente adotado, como o seqüestrado que se enamora do seqüestrador.
Naturalmente, enquanto se puder dispor de uma categoria qualquer para imolar, por que afrontar o FMI, os bancos, os privatistas? Naturalmente, se existe um rombo na Previdência, alguém tem que tapá-lo, de preferência, alguém "com quem eu possa". Já perguntar sobre a verdadeira causa desse rombo, bem, isso, não sei se posso.
Nesse passo, um dos poucos privilégios remanescentes está reservado aos que poderão ir e vir sem medo de uma bala perdida. Quanto tempo levará e qual será o governo (ou o "jornalista", tanto faz) que passará a considerá-lo odioso? Ou, se posso perguntar, qual será a diferença entre privilégio e direito? Ou isso é por demais relativo?
(*) Funcionário público federal, servidor do Judiciário, ex-bancário do Banco do Brasil