Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os livros na imprensa

MERCADO EDITORIAL

Deonísio da Silva

Nosso mercado editorial dispõe de cerca de 3.000 editoras e 2.008 livrarias ou pontos de venda de livros, excluídas as bancas de jornais e revistas que também vendem livros. Em 2002 foram lançados no Brasil 15.350 títulos, mas o total de reedições, incluindo nacionais e estrangeiros, chegou a 25.550 títulos. Esses números somados indicam que 40.900 edições chegaram aos leitores ano passado. Dessas, 13.130 foram edições de livros científicos, 12.550 de obras reunidas sob a vaga rubrica "gerais", 9.850 de livros didáticos e 6.300 de livros religiosos.

As traduções para o português chegaram a 4.320 títulos. Todos esses dados têm como fonte a Câmara Brasileira do Livro e o Sindicato Nacional de Editores de Livros, exceto o número de livrarias, que é fornecido pela Associação Nacional de Livrarias. E são destaque em matéria de Ana Karina Sato, na Gazeta do Povo, de Curitiba, um dos maiores jornais do Brasil meridional. Tão vasto e complexo é o Brasil que se o Paraná fosse nação independente equivaleria a um grande país europeu. E a Gazeta do Povo e O Estado do Paraná estariam entre seus principais jornais.

Foi comum em outras épocas o eixo Rio-São Paulo, que sedia os grandes jornais brasileiros, receber a afluência de talentos vindos de outras partes do Brasil e mesmo do interior do Rio e de São Paulo. Com a crise que se abateu sobre a imprensa nacional, a mão-de-obra tem portas fechadas em quase todas as redações, sejam grandes, médias, pequenas ou minúsculas.

A página inteira que o suplemento G de a Gazeta do Povo dedicou a livros neste fim de semana (edição de domingo, 14/9) é exemplo da qualidade que viceja nos arquipélagos culturais brasileiros. Pareceu que a melhor matéria sobre o tema não estava no continente e, sim, num arquipélago. Aliás, contrariamente à etimologia da palavra, que veio do grego e significa mar principal, pela formação arkhe (primeiro) e pelagos (oceano, mar). Os gregos achavam que o mar Egeu, a parte que lhes cabia do latifúndio das águas do Mediterrâneo, fosse o primeiro mar. E Castro Alves, autor do belo poema O Livro e a América, sempre muito preocupado com a imprensa e o livro, usa pélago para designar o oceano, em O Navio Negreiro: "Fatalidade atroz que a mente esmaga!…/ Extingue nesta hora o brigue imundo/ Um trilho que Colombo abriu na vaga/ Como um íris no pélago profundo". E não estava enganado quando escreveu também que "quando no tosco estaleiro/ da Alemanha o velho obreiro/ a ave da imprensa gerou/ o genovês salta os mares/ busca um ninho entre os palmares/ e a pátria da imprensa achou".

Papel de seda

A chamada da matéria da Gazeta do Povo diz que "aficionados investem tempo, dinheiro e paixão na formação de bibliotecas particulares". E que para manter os acervos, os leitores adaptam a casa onde moram. Ora, este dado é muito relevante. Os lares, como nos países civilizados, trarão também bibliotecas. E é conceito radicalmente diferente daquele esposado por arquitetos paulistas que viram no livro apenas um objeto de decoração, conforme já comentando aqui neste Observatório [veja remissão abaixo].

O texto de Ana Karina Sato é ilustrado com o exemplo do escritor catarinense Paulo Venturelli. Há vários intelectuais catarinenses que se radicaram em Curitiba. Além de Venturelli, também Manoel Carlos Karam, romancista, e Dante Mendonça, cartunista. Venturelli tem biblioteca pessoal de 15 mil volumes. Precisou alojá-los num apartamento só para eles. Mora no outro, no andar de cima do mesmo prédio. E Annamaria Filizola, professora do curso de Letras da UFPR, é outro exemplo de intelectual que zela por sua biblioteca particular. Os vários interessados chegaram a formar a Confraria dos Bibliófilos, que tem 320 sócios espalhados pelo Brasil inteiro. Seu fundador tem também uma gibiteca, com mais de quatro mil volumes. Comovente foi o modo escolhido por Venturelli para comprar o primeiro exemplar de sua biblioteca: aos 17 anos, deixou de almoçar para adquirir Boi Tempo, de Carlos Drummond de Andrade.

A Confraria resolveu partilhar algumas preciosidades e editou Três Novelas de Masmorra, de Octávio de Faria. Será difícil, para não dizer impossível, encontrar o volume fora dos domínios na Confraria. Por isso, os interessados anotem o e-mail: edicoesdaconfraria@hotmail.com para o pedido. Custa R$ 90, frete incluso. Outros títulos custam mais caro e chegam ao leitor envoltos em papel de seda, dentro de caixa bonita.

Budapeste

O signatário julgou pertinente, fiel ao norte do Observatório (analisar a imprensa), destacar a bela matéria sobre livros na Gazeta do Povo num fim de semana em que os suplementos literários foram inundados outra vez pelo cantor e compositor Chico Buarque, que lançou seu terceiro romance, Budapeste (Companhia das Letras), comentado, entre outros, por ninguém menos do que o Prêmio Nobel José Saramago, na Folha de S.Paulo. Certamente merece todos os espaços que lhe foram dedicados, mas fica um ar de bemol nos acordes encomiásticos, pois mais uma vez o critério não foi literário. E o latifúndio ocupado por seu livro acaba por tornar inevitável a comparação com as centenas de autores e editores conhecidos como os sem-imprensa.

Evidentemente o cantor, compositor e escritor não tem nenhuma cumplicidade nisso. Não se pode dizer o mesmo dos editores dos suplementos e páginas dedicados a autores e livros. Para incluir, não é preciso excluir. E infelizmente nossa imprensa continua a esconder autores e livros importantes, levando a crer, em momentos como esse, que apenas cantores que escrevem livros merecem espaço e comentário. Quem sabe, os escritores gravem cedês e conquistem, para o livro, o latifúndio que tem a música.

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