RBS & PT
Gilmar Antonio Crestani (*)
Embora não seja novo o ditado, pois está no Satyricon, de Petrônio [6-66 d.C.], é mais do que sabido que "uma mão lava a outra". A própria existência deste Observatório não deixa de ser uma tentativa feliz de mostrar a sujeira que se esconde debaixo das luvas de pelica com que alguns veículos de comunicação travestem seus interesses econômicos. Falo da relação nada ambígua da imprensa, ou pelo menos de um grupo representativo o suficiente para causar perplexidade, com os interesses exclusivamente patrimoniais, com grandes grupos econômicos ou setores políticos a ele atrelados.
Há pequenas diferenças quanto aos grupamentos políticos com que interagem, mas uma coisa é certa: os partidos de esquerda decididamente não são convivas agradáveis para tais mesas de negócios. Fosse exclusão pura e simples até que nem seria tão nefasto assim. Algumas vezes a agressão aos partidos de esquerda e aos movimentos sociais com os quais estes dialogam beira ao paroxismo. É o caso da RBS com relação aos partidos de esquerda no RS, após a perda das eleições de Antônio Britto, seu ex-funcionário, em 1998. A única exigência é bater, no pior estilo Cláudio Humberto, pois se não sabem por que estão batendo, a esquerda entenderia porque estaria apanhando.
O caso gaúcho é emblemático em vários pontos. Durante a longa noite da ditadura, apenas um grupo de comunicação cresceu, fincou raízes nos três estados do sul, no melhor estilo do polvo siciliano. Trata-se da Rede Brasil Sul (RBS). Cresceu e se desenvolveu "à noite", sem nunca ter sido molestada uma única vez pelos ditadores de plantão. Não precisou publicar receitas para driblar a censura. Não houve sequer uma condenação de qualquer veículo da RBS durante todo o período da ditadura.
Contudo, na primeira eleição direta, eis que um de seus colunistas ousa chamar o Fernando Collor de Melo de "um ponto de interrogação bem penteado". Foi motivo suficiente para ser não só censurado como suspenso de seus atividades na empresa. Na véspera do segundo turno da eleição estadual de 1998, a justiça manda apreender o jornal Zero Hora da RBS. Só ela.
Não bastasse terem perdido a eleição estadual em 1998, o grupo RBS começa a sofrer as conseqüências de atos cometidos em eleições anteriores. O caso mais rumoroso envolveu o atual secretário de Segurança, José Paulo Bisol, por reportagens publicadas quando este era candidato a vice-presidente na chapa encabeça por Lula.
As coincidências do revés político combinadas com o desastre da união com a Telefónica de España, a perda de várias ações judiciais tanto do grupo como de seus mais afoitos representantes, como Rogério Mendelski e José Barrionuevo, ao invés de causar prudência, provocaram uma reação contra o governo petista de intensidade e virulência sem precedentes.
A Justiça só deve ser respeitada quando manda os sem-terra desocuparem as fazendas invadidas. Quando essa mesma Justiça cobra a função social, é como se os aviões do talibã tivessem caído sobre as torres da RBS. E não é só. O cúmulo é a justiça proibir o Grupo RBS, sempre ele, de divulgar o conteúdo de uma fita gravada com um ex-filiado do PT. Justiça no dos outros é refresco, quando toca para a RBS, é censura. Onde fica o Estado de Direito? A RBS estaria descartando a tripartição de Montesquieu, arvorando-se em outro Poder de Estado?
Desmedida
Os heróis gregos eram punidos pelos deuses por ultrapassarem o "justo meio", pela desmedida com que buscavam igualar-se aos deuses. A Justiça grega era a divina, com deuses para todos os fins. A nossa, dizem, é cega. Não por se fazer, mas por ter de aplicar lei feitas à semelhança de políticos como Jader Barbalho e ACM, que sempre usam antolhos em suas operações. Ainda assim há juízes que consigam tirar leite de pedra. Repousa na esperança de tais julgadores a análise do comportamento da RBS, que ousa fazer-se incontinente de polícia, juiz e carrasco.
Um terreno cevado a tanto tempo, construindo um imaginário de que a atual administração é a grande responsável pelo caos nosso de cada dia. A razão está no fato de ter um desafeto como secretário de Segurança. A questão da segurança, que é um problema nacional, foi enfrentada com método e planejamento. Sabia-se o quanto haveria de resistência da polícia civil, mas não se imaginava encontrar na RBS o principal opositor às reformas. A unificação começada aqui foi sugerida até pelo professor Cardoso para os Estados da Bahia, Minas e Tocantins resolverem o problema da Segurança Pública e as greves de policiais.
A introdução de disciplina de Direitos Humanos nos cursos de formação foi ridicularizado pela RBS. A ONU reconheceu, elogiou e recomendou para as polícias de todos os estados.
A punição dos policiais corruptos desencadeou uma guerra. A tentativa de acabar com a caixinha do jogo do bicho nas delegacias foi rechaçada, como seria de esperar, pelos policiais corruptos, alguns inclusive já denunciados pela CPI do Narcotráfico, do Congresso Nacional, mas que hoje assessoram alguns membros da CPI criada para tratar da política de segurança do Estado. E a reação tomou corpo através de um grupo de delegados sob investigação, e repercutiu com a adesão da RBS.
O que já vinha sendo cultuado de forma constante pela RBS, tachando o governo ora de comunista, de baderneiro ou pró-Cuba, acabou ganhando novo impulso devido a um diálogo gravado pelo ex-delegado de Polícia Luiz Fernando Tubino com um petista presidente de um Clube de Seguros e amigo do governador, Diógenes de Oliveira. A partir da divulgação daquela gravação, a Zero Hora substituiu as manchetes da guerra do Bush pelas suspeições desencadeadas pela CPI. Do dia 4/11 a 10/11 todas as manchetes foram no sentido de colocar sob suspeita a relação do governo do estado com o jogo do bicho.
Seria razoável se a RBS desse o mesmo tratamento, por exemplo, ao caso Eduardo Jorge, amigo do professor Cardoso, versus Lalau. Silenciou. Quantas vezes Eliseu Padilha, também chamado de Padilha Rima Rica, teve o nome envolvido com falcatruas no DNER? Várias, mas nunca na Zero Hora. Sempre ou no Correio Braziliense, Jornal do Brasil ou Folha de S. Paulo. Desde os famosos 30% para azeitar a ordem dos precatórios aos dólares de seu assessor jurídico. Silêncio na RBS. Pior: não só silencia como faz a defesa do ministro dos Transportes.
Como na história da mãe que vê somente o seu filho marchando certo, a RBS foi a única que deu manchete desde o dia 4/11 com acusações contra o governo estadual. E sempre de forma opinativa, sugerindo mais do que informando. Os demais jornais locais, como o Correio do Povo, Jornal do Comércio e O Sul, não deixaram de divulgar, mas não fizeram juízo antecipado. Seria o caso de perguntar: esses jornais estariam envolvidos de alguma forma com o governo do estado? Seria muito interessante constatar. Afinal, seria a primeira vez que grandes jornais brasileiros estariam "de caso" com um partido de esquerda.
Durante o depoimento do principal acusado, Diógenes de Oliveira, este acusou o grupo RBS de lavagem de dinheiro na Ilhas Cayman. Apresentou nomes e endereços. Isso seria suficiente para condenar a RBS? Também falou na insolvência técnica da empresa, que estaria passando por mau momento em decorrência do corte em publicidade, com a entrada do governo petista no estado, em comparação com o governo de Antônio Britto, na ordem de 60 milhões. Isso vale ou não uma manchete?
A RBS é um caso clínico. Uma pesquisa substancial resultou num livro que diz com muito mais propriedade o modus operandi desse grupo de comunicação. Trata-se de Psicologia Social Comunitária: da solidariedade à autonomia, da Editora Vozes, organizado por Regina Helena de Freitas Campos. De especial interesse, para o caso, o estudo do professor Pedrinho A. Guareschi: "Relação comunitária; relações de dominação". Somente Petrônio explicaria a tolerância da RBS na gestão anterior em comparação com o ódio destilado diariamente contra o atual. Afinal, pode ser verdade que "uma mão lava a outra", do mesmo modo que "cada dedo ajuda outro dedo", e a RBS já deu provas que não repudia tal comportamento.
(*) http://www.crestani.hpg.com.br/
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