CAIXOTINS
Carlos Brickmann (*)
Está nos jornais, no rádio, na TV, na internet, na imprensa inteira: o réveillon da Avenida Paulista reuniu dois milhões de pessoas! Aliás, é um pouco de exagero falar em imprensa inteira: para alguns veículos, havia na Paulista 1,9 milhão de pessoas.
Bom, vamos fazer as contas, como este colunista aprendeu na Folha de S.Paulo. Primeiro, mede-se a área. Depois, calcula-se quantas pessoas havia por metro quadrado. Uma multidão compacta, uns prensados nos outros? Seis pessoas por metro quadrado. A região da avenida Paulista em que se realizou o réveillon tem dois quilômetros de comprimento por cem metros de largura. São, portanto, 200 mil metros quadrados. A seis pessoas por metro quadrado, numa multidão compacta (e a da Paulista nem era tão compacta assim, já que as pessoas podiam dançar e pular), temos 1,2 milhão. Um milhão e duzentas mil pessoas já é uma multidão de arrepiar! Por que inflá-la a tal ponto que nem coubesse na festa?
Uma sugestão ao caro leitor: pegue uma fita métrica e faça um quadrado de um metro de lado. Em seguida, coloque seis pessoas dentro dele. É difícil! Se uma das pessoas for este colunista, ou o Fausto Silva, já não cabem seis. E, contando-se postes, bancas de jornais etc., cabem menos ainda.
O ano, acredito, era 1972. A Frente Ampla uruguaia, com seu candidato Líber Seregni, preparava um comício monumental no centro de Montevidéu. Este colunista, que cobria as eleições para o Jornal da Tarde, e o repórter americano Joseph Novitsky, da Associated Press, mediram a praça: ali caberiam pouco mais de cem mil pessoas. O comício foi sensacional. Mas alguns jornais europeus extrapolaram: puseram três milhões de pessoas no comício ? o equivalente, na época, a toda a população uruguaia, incluindo crianças, doentes e velhos, incluindo até os candidatos dos outros partidos. Não haveria, durante o comício, um único uruguaio fora da praça.
A propósito: quem ganhou as eleições foi o candidato do Partido Colorado, seguido pelos blancos. Líber Seregni ficou em terceiro lugar.
Que ninguém, entretanto, fique chateado com essa dança dos números. É doença antiga. Em 1953, Emil Zatopek, a “locomotiva humana”, um fantástico corredor tchecoslovaco, venceu a São Silvestre com centenas de metros de vantagem sobre o segundo colocado. E, segundo a imprensa, havia nas ruas paulistanas algo como 800 mil pessoas.
Na época, São Paulo não tinha ainda três milhões de habitantes. Nossos jornais imaginavam que um terço da população da cidade estivesse à meia-noite no circuito da prova, prontinha para voltar a pé para casa.
Logo após a tragédia de Bam, a antiga cidade iraniana arrasada por um terremoto, o governo do Irã anunciou que aceitaria ajuda de todo e qualquer país do mundo, exceto Israel. Nossa imprensa deu a informação sem qualquer análise. Vamos fazer aqui, então, o que a imprensa não fez:
1. Os Estados Unidos recentemente incluíram o Irã no “eixo do mal”. Há pouco mais de 20 anos, o governo iraniano seqüestrou diplomatas americanos e o presidente Jimmy Carter determinou uma ação de comandos para libertá-los. Foi uma sucessão de bobagens, que culminou com o choque de helicópteros americanos no ar. Depois, o governo americano apoiou o Iraque na guerra contra o Irã, que durou oito anos. O Iraque de Saddam Hussein foi armado pelo Ocidente, incluindo os Estados Unidos.
2. A Alemanha vendeu armas para o Iraque, durante a guerra contra o Irã. Firmas alemãs foram apontadas como fornecedoras de matérias-primas para que o Iraque produzisse armas de destruição em massa, a ser utilizadas contra o Irã.
3. A França vendeu ao Iraque o reator nuclear que Saddam Hussein utilizava para produzir suas bombas nucleares (o reator foi destruído por um ataque israelense). As armas atônicas seriam usadas, em primeiro lugar, contra o Irã.
Há o Brasil, também ? os mísseis Astros, usados pelo Iraque contra o Irã, e mais algumas coisas.
O Irã aceitou de bom grado qualquer ajuda que Brasil, França, Alemanha e Estados Unidos pudessem oferecer-lhe. Israel, que embora encare os iranianos como inimigos não ajudou a combatê-los, não tem com eles qualquer disputa territorial, não efetuou manobras hostis, foi rejeitado.
Atenção, companheiros de imprensa: o nome disso é racismo. E jornalista que se preze combate o racismo, não importando sua posição política.
Comunicação não é só imprensa (embora a imprensa, no caso que se segue, seja também culpada por omissão).
Na Rodovia Fernão Dias, que liga São Paulo a Belo Horizonte, há placas que indicam a entrada de Atibaia (SP) e uma de suas principais avenidas, a Lucas Nogueira Garcez. Nas placas, o que consta é “Garçês”.
Que o pessoal não conheça a grafia correta do nome do ex-governador de São Paulo, engenheiro de muita fama, vá lá. Mas “ce” com cedilha é demais.
(*) Jornalista; e-mail <carlos@brickmann.com.br>