ELEIÇÕES 2002
Luiz Weis (*)
A 148 dias do primeiro turno da eleição presidencial, a manchete de O Estado de S.Paulo do sábado (11/5/02) ? "Pesquisa que mostra Serra em segundo alivia mercado" ? é o exemplo mais acabado do seqüestro da grande imprensa e dos "grandes eleitores" (os donos do dinheiro), além dos próprios políticos e do seu entorno, pelas pesquisas eleitorais.
Nesta temporada sucessória, o cativeiro que o pesquisismo impôs às elites brasileiras e, por tabela, aos seus interlocutores no exterior, via mídia, supera todos os precedentes, em matéria de duração e intensidade. Não só a imprensa dedica à campanha, faz tempo, páginas e páginas que mais proveitosas seriam se tratassem dos assuntos que preocupam efetivamente a sociedade ? o nome do próximo presidente ainda não é um deles ?, como o noticiário, além de repetitivo, patina em falso, por levar a sério o que não deveria.
De braço dado com os programas de propaganda partidária na TV, impunemente transformados em programas de propaganda eleitoral ? como aqueles do PFL que, escondendo a sigla, fizeram desfilar perante o país uma versão siliconada da figura política da governadora Roseana Sarney ?, a numeralha produzida pelas sondagens e amplificada pela imprensa foi o que detonou a extravagante antecipação da disputa pela cadeira de Fernando Henrique.
Já no ano passado, os jornais começaram a dar espaço crescente e à realidade virtual confeccionada pelos ibopes da vida. E o que um faz o outro se sente na obrigação de fazer. Forma-se uma bola de neve ? grande por fora, ôca por dentro. É um despropósito sem tamanho, se se considerar que ainda hoje pelo menos a metade do eleitorado não tem candidato e nem se mostra ansioso por ter ? não está nem aí, como se fala.
A mídia desinforma o público duas vezes. Quando divulga aos berros os números que resultam do estratagema dos institutos de apresentar aos entrevistados a famosa pizza com os nomes dos candidatos ou candidatáveis, a tal pesquisa estimulada. E quando divulga aos sussurros ? se é que divulga ? os dados da pesquisa espontânea, muito mais confiáveis como "retrato do momento", para usar o indestrutível lugar-comum a que políticos e comentaristas recorrem monotonamente ao serem chamados a "repercutir" as sucessivas fornadas de porcentagens.
Tem mais. A mídia, salvo engano, nunca discutiu o que parece ser uma tecnicalidade dos levantamentos, mas que, segundo experimentados praticantes do ofício, a exemplo da socióloga paulista Fátima Jordão, com toda a probabilidade influem nas respostas dos pesquisados. A eles se pergunta: "Se a eleição fosse hoje…". E não algo assim: "No dia 6 de outubro haverá eleição para presidente (ou governador). Em quem o senhor (senhora) acha que vai votar?"
Emoções fáceis
O pior é que os caciques das principais redações sabem do escasso valor das pesquisas, tanto tempo antes de o jogo começar para valer, com o início do horário eleitoral no rádio e TV, em agosto. Mas, como o rebanho que vai para o matadouro sabendo o que o espera, submetem-se ao que imaginam ser o inevitável ? pesquisa vende porque proporciona as emoções fáceis de uma competição que não é o que parece, dando a ilusão de ver quem fez e quem tomou gol e alimentando o suspense sobre o que irá acontecer no lance seguinte.
É possível que as pessoas comuns enxerguem assim o placar dos datafolhas e voxpopulis; já as incomuns, participam de caso pensado, tirando proveito do vaivém das contagens para os seus interesses políticos e econômicos. Um exemplo banal, velho como andar para a frente: quem espalhou, na semana passada, que Serra tinha desabado nas pesquisas, vendeu dólar encarecido para recomprar na baixa, no dia seguinte.
O alarde em torno das pesquisas não é o único, mas decerto um dos grandes responsáveis pela decisão de setores da banca internacional de desaconselhar aplicações em títulos da dívida brasileira. Devido ao inevitável efeito-manada, isso espalhou o pânico, aqui dentro, entre os chamados agentes econômicos, mais especificamente entre a turma que faz dinheiro negociando dinheiro.
E foi por isso, com um suspiro de alívio que só faltou ser gravado em CD e encartado no jornal, que o Estadão tascou a manchete do "Serra em segundo", com o exultante subtítulo: "Bolsa, que estava em queda, subiu e o dólar, que vinha se valorizando, caiu. O risco país baixou". Mas, se o balão de Serra perder gás nas próximas sondagens devido ao "efeito Ricardo Sérgio" ? porque, embora não o admitam, a Veja e, principalmente, a Folha de S.Paulo culparam o tucano por associação, aplicando com ligeireza a lei do "diga-me com quem andas" ? como ficarão financistas e jornalistas?
E como o público fará para resistir ao enjôo dos movimentos da gangorra pesquiseira, que correm o risco de se repetir, digamos, ad nauseam, daqui até a hora da verdade? Ou ao tédio, se todo mundo ficar onde está no pau-de-sebo.
49 "por centos"
É claro como a luz do sol que o noticiário político exibe todos os sinais de ter caído vítima da Síndrome de Estocolmo: seqüestrado pelas pesquisas, apaixonou-se por elas. Prova disso é que em nenhuma outra eleição nacional os órgãos de imprensa deram tanto destaque às sondagens encomendadas pela concorrência.
O levantamento que promoveu Serra, acalmou o "mercado" e fez o Estadão, além de manchetear o assunto, encher uma coluna inteira com as minudências da notícia ? o sinal de porcentagem (%) aparece 49 vezes em 122 linhas impressas, ao lado de uma vistosa tabela de 3 colunas por 10 cm de altura ?, foi feito pela empresa Toledo & Associados para a revista IstoÉ
Mais indicativa, quem sabe, foi a mudança de tratamento editorial dado ao produto pesquisa na Folha de S.Paulo. Como os Frias têm o seu próprio ? e respeitável ? instituto do gênero, o DataFolha, que parece pesquisar sistematicamente as intenções do eleitorado nacional desde o tempo de Gutenberg, a praxe da casa era dar os números alheios nos pirulitos da seção Painel, "só para não se dizer que não demos". Este ano, o Painel parece ter ficado pequeno demais (se não em tamanho, em destaque) para acolher os dados de terceiros.
A pesquisa e a denúncia são um pobre substituto para o jornalismo político. E por jornalismo político talvez conviesse entender não o varejo da disputa (como é que Nizan Guanaes e Nelson Biondi vão conviver no mesmo ninho tucano?; quantas vezes por semana Ciro Gomes e Roseana Sarney se falam ao telefone?; Lula veste Giorgio Armani?), mas o que interessa ao país (por que será que os candidatos estão falando coisas tão parecidas?; com quem ? quadros, equipes ? cada um deles conta, de fato, para governar?; qual a sua estratégia para diminuir a prevista fragmentação das bancadas no Congresso? Por aí.
Em vez disso, o que chega ao leitor são muitos números, muitas aspas, muita inutilidade, muita repetição ? e pouca mercadoria que valha o papel em que está impressa.
(*) Jornalista