Sábado, 15 de março de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 2025 - nº 1329

Otavio Frias Filho

ENSINO SUPERIOR

“Fábricas de diploma”, copyright Folha de S. Paulo, 25/09/03

“Durante muito tempo, o ensino superior privado foi objeto de ironias. Faziam-se as ressalvas de praxe em favor das ilhas de excelência conhecidas, e o restante era posto no mesmo balaio de má-fé, exploração e péssima qualidade de ensino. Virou hábito falar em cursos universitários por correspondência e faculdades de fim de semana.

Esse panorama era e continua sendo verdadeiro. A grande maioria das faculdades particulares oferece cursos ruins, burla a determinação legal de produzir alguma atividade de pesquisa, nem mereceria o nome de instituição de ensino superior. Muitas delas certamente são fábricas de diplomas, outra expressão que ficou famosa.

O jornalista Josias de Souza, entre outros, tem mostrado que diversas ?faculdades? servem de fachada por meio da qual empresários se beneficiam de isenções e outras vantagens. A fiscalização deveria ser mais rigorosa do que é. Mas parece ser hora, também, de vencer o preconceito que condena em bloco toda a rede particular e ignora mudanças em curso.

Numa sociedade tão carente, as faculdades ?ruins? têm prestado um enorme serviço. Pelo país afora, elas completam o aprendizado que corresponderia ao ensino médio, quase sempre também precário, quando não intermitente. Sabe-se que o deslocamento prossegue nos demais níveis: o mestrado é a faculdade, o doutorado é o mestrado.

Mas é essa a situação concreta, como diria um ?uspiano?. O importante é que os ocupantes de cada degrau do ensino estejam motivados a disputar o degrau imediatamente acima. Isso vem ocorrendo graças à porosidade e à onipresença das faculdades privadas, tão difundidas quanto os templos evangélicos com os quais mantêm paralelos.

O diploma obtido nessas faculdades torna-se uma alavanca de ascensão social para jovens que trabalham, ajudam a família e têm ambições a realizar. Assim como despertaram hostilidade nas universidades públicas, as avaliações introduzidas pelo governo anterior foram levadas a sério nas particulares por pressão dos alunos. Às vezes, o mercado funciona bem.

Essa pressão impulsiona a melhora paulatina do padrão médio e o aparecimento, aqui e ali, de bons cursos. Mas há outro fator de mercado. O esvaziamento das universidades públicas -combinação de cortes em áreas menos ?rentáveis? e de fossilização ideológica entre os que se opõem a essa política- foi acelerado pelo medo da reforma da Previdência.

Bons professores estão se transferindo do sistema público para o particular, atraídos também pela remuneração. É enganoso, aliás, supor que o sistema privado cresce à custa do outro. Em uma década (1991-2001), o número de estudantes universitários dobrou -de 1,5 milhão para 3 milhões. Mas a proporção deles nas escolas privadas se manteve estável (70%).

Tudo indica que fatores estruturais produzirão, ao longo dos próximos anos, um pelotão bem mais numeroso de faculdades particulares consideradas de elite. Ajudaria se seus dirigentes tivessem em mente que a prova dos nove de uma verdadeira universidade é o investimento que ela faz em objetivos não-imediatos e em saberes aparentemente inúteis.

Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.”

 

CASAMENTO DA PREFEITA

“Marta Suplicy e Luis Favre: por que tanta zombaria?”, copyright Folha de S. Paulo, 24/09/03

“Desde o começo do namoro de Marta Suplicy e Luis Favre, em 2001, é fácil ouvir comentários zombadores. O casamento, no sábado passado, reavivou a produção.

Espírito partidário à parte, qual é a origem dessa reprovação, engraçada ou raivosa que seja?

1) Em 2001, Marta tinha mais de 50 anos, era ex-deputada federal, prefeita, casada com um senador da República. Por seu trabalho passado, ela representava também um certo ideal de sabedoria nas coisas do amor.

Ora, quem é mais velho, nos governa e parece mais sábio que a gente é automaticamente colocado, por nossa imaginação, na categoria dos ?adultos?, inaugurada pelos pais que tivemos ou teríamos gostado de ter. E, banalmente, as crianças não gostam que os pais se separem. Por exemplo, temem ser abandonadas: se eles pensam em seus amores, como é que vão se ocupar direito da gente?

Tradução dessa preocupação infantil, desde 2001 vozes nos bares e nos jantares paulistanos perguntavam: enfim, Marta vai governar ou namorar?

2) A idéia de que governar e namorar sejam alternativas excludentes se apóia também na convicção de que o poder deve ter um preço. Quer governar? Tudo bem, mas esqueça amores e paixões, deixe para depois, sacrifique-se.

É uma convicção que nos consola. Pois confirma que há uma razão pela qual não somos prefeitos, presidentes, governadores ou mesmo vereadores; é porque preferimos cuidar da vida: namorar, por exemplo.

O governante infeliz apazigua nossa culpa cívica. E o governante que não pretende desprezar seus sentimentos está querendo demais.

Marta, porta-voz há tempos do direito à busca da felicidade privada, não tinha como namorar de fininho. Declarou que uma prefeita feliz governa melhor. Muitos teriam preferido ouvir que governar custa caro e implica a renúncia aos prazeres do amor.

3) Os compromissos, a distância geográfica, o momento inoportuno, tudo conjurava, na história de Marta e Luis Favre, para que fosse sensato desistir. Eles escolheram um caminho árduo.

As histórias de amor dificílimas, a gente adora no ?Aguenta Coração?, do Faustão, em que elas valem como fragmentos de novela, ficções com as quais sonhar. Muito mais difícil é apreciá-las na realidade.

Em geral, em matéria de amor, somos ousados apenas nos devaneios literários. Consequência: a história real de Marta e Luis suscita nostalgias de paixões renunciadas, levanta a inveja de quem não sabe ou não soube ousar.

4) Em 2001, ouvi dizer: ?Se ela não fosse prefeita, o cara nem a cumprimentaria?. Favre seria um caçador de dote político, interessado no cargo de ?príncipe consorte?. No domingo passado, um taxista comentou: ?Se Marta não se reelege, o homem cai fora?.

De fato, o futuro político de Marta não depende de sua reeleição. Mas o que importa aqui é a idéia de que Favre estaria gostando da prefeita, e não da Marta.

É uma velha história: imaginamos que deveríamos ser amados por alguma essência de nosso ser. E amar ?de verdade? seria gostar do outro, mesmo que ele não tivesse a profissão, o lugar social e a história que o tornaram quem ele é.

Como Favre amaria uma Marta ?essencial?, que não é prefeita, não foi deputada, não foi sexóloga e não fez uma escolha política na contramão de seus privilégios de nascença? Quem seria essa pessoa? Reciprocamente, como Marta amaria um Favre ?essencial?, que não seria franco-argentino e ex-trotskista?

Não somos essências, mas pacotes complexos. Amamos e somos amados com as mãos cheias das tralhas que acumulamos em nossas vidas prévias.

5) O comentário segundo o qual Favre desejaria não Marta, mas a prefeita, também subentende que Marta não seria desejável. O que é curioso: afinal, talvez Favre seja um ?gato?, mas Marta é uma mulher bonita.

Claro, vale o preconceito trivial sobre sexo depois dos 50, que não é muito diferente da expectativa de que a mãe (ainda mais a avó), não podendo ser virgem, seja casta.

Mas não é só isso. A idéia de que a prefeita não seria amável como mulher está a serviço de outro preconceito, segundo o qual a feminilidade não condiz com a autoridade de quem governa.

Acontece assim que, quando Marta escolhe uma roupa, uma maquiagem ou um corte de cabelo, chega o deboche: a prefeita é uma perua.

Perua seria a mulher que só pensa em agradar ao desejo masculino. A denominação satisfaz a boa consciência machista, pois parece inspirada por um feminismo militante: olhe só, debochamos da feminilidade ?alienada? das mulheres que se enfeitam.

Nota: uma parte relevante do movimento feminista (as ?pro-sex feminists?) reivindica os apetrechos tradicionais da feminilidade. É um jeito de afirmar que a mulher liberada não precisa ser passiva e recatada nem vergonhosa de seu desejo ou de sua vontade de ser desejada. Ou seja, nem sempre a cinta-liga é marca de domínio.

Em suma, se Marta escolhe uma roupa sexy de Nina Ricci para seu casamento, é peruagem? Ou é possível que uma mulher seja prefeita sem deixar de ser feminina?

Enfim, a Marta Suplicy e a Luis Favre, sem ironia, desejo um casamento feliz.”

“Casamento da prefeita”, in Painel do Leitor copyright Folha de S. Paulo, 25/09/03

“?Foi com muita tristeza que lemos ontem uma notícia mentirosa na Folha, uma publicação que sabemos ser defensora da ética e das regras do bom jornalismo. A referida notícia, a respeito da prefeita Marta Suplicy, foi publicada na coluna da jornalista Mônica Bergamo sob o título ?Ainda o convescote?. Na nota se lê: ?Enquanto isso, longe dali, um enviado do casal Marta-Luis visitava a Redação da revista ?Caras?, cuidando para que fotos e textos saíssem nos conformes na edição que chegou às bancas ontem e traz os dois na capa?. Vamos aos fatos: na segunda-feira, esteve na Redação de ?Caras? uma pessoa da equipe da prefeita, que, a princípio, nos ajudaria na identificação de fotos. Isso acabou não sendo necessário, porque todas as imagens editadas, de forma absolutamente independente e soberana pela revista, eram de pessoas conhecidas de nossa reportagem. Em nenhum momento a prefeita de São Paulo, o senhor Luis Favre ou qualquer funcionário da prefeitura tentaram influenciar a edição de fotos ou a reportagem e a edição de textos das duas reportagens publicadas pela ?Caras? sobre o casamento. Essas duas reportagens, aliás, são assinadas por jornalistas da revista -Ana Claudia Duarte, repórter, e Lúcia Cristina de Barros, editora de São Paulo. A acusação falsa feita pela Folha contra a ?Caras? denigre a revista, como se esta se prestasse a ser uma publicação de recados da prefeitura; denigre duas profissionais responsáveis e éticas, como se se prestassem a assinar um texto ditado pela prefeitura, e ainda acusa a prefeita Marta Suplicy de se utilizar, em seu relacionamento com a mídia, de técnicas só vistas neste país em tempos de ditadura. Mais: por meio de uma falsidade, a Folha transforma em fato condenável o que é exemplo de bom jornalismo. A revista ?Caras? traz, na edição que está nas bancas, graças ao empenho de nossa equipe de profissionais, um ensaio feito com fotos exclusivas com a noiva mais comentada do ano. Na cobertura de um casamento a que nenhum veículo de imprensa teve acesso direto, só a ?Caras? traz um material diferenciado. Essa é mais uma prova do prestígio conquistado por esta publicação nos dez anos que agora comemoramos.? Lúcia Barros, editora da revista ?Caras? (São Paulo, SP)

Resposta do jornalista Sérgio Dávila, editor interino da coluna Mônica Bergamo – A pessoa da equipe da prefeita na Redação da ?Caras? participou da escolha das fotos e da aprovação do layout final do referido material.”

“Casamento da prefeita 2”, in Painel do Leitor copyright Folha de S. Paulo, 25/09/03

“?Excelente o artigo de Contardo Calligaris ?Marta Suplicy e Luis Favre: por que tanta zombaria?? (Ilustrada, pág. E12). São assustadores o preconceito e a inveja não somente contra a mulher liberada, da qual a prefeita Marta Suplicy sempre foi um símbolo, mas também contra as pessoas que optam por uma vida pessoal sem hipocrisia. O artigo de Contardo é generoso e oportuno.? Cosette Alves (São Paulo, SP)”