Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Otavio Frias Filho

ELEIÇÕES 2002

"A estrela sobe", copyright Folha de S. Paulo, 24/01/02

"Não adianta o governo Alckmin alegar que as raízes da violência extrapolam seu âmbito de ação, que nunca se investiu tanto em segurança pública, que a escalada de sequestros reflete a redução de outras modalidades de crime. A percepção das pessoas é que um descalabro crônico atingiu o ponto crítico.

Como é difícil imaginar que tal percepção possa ser revertida em alguns meses, é possível que o governador Alckmin, um dos quadros promissores do neotucanato, tenha começado a perder sua reeleição no último fim de semana. E merecidamente, pois a política não existe para fazer justiça, mas para corrigir rumos.

A beneficiária natural dessa atmosfera de Gotham City é sempre a direita, leia-se, no caso paulista, a corrente malufista. Mas está comprovada a inelasticidade do eleitorado de Maluf, fossilizado em cerca de um terço dos votos. Maluf tem lugar garantido no segundo turno e enormes chances de colecionar mais uma derrota quando vier a decisão final.

Em termos eleitorais, o grande beneficiado será o PT mesmo. Há no mínimo indícios, talvez evidências, de que o partido esteja sendo alvo de um grupo criminoso que tenta se fazer passar por político. A condição de vítima gera simpatia, reforçada pelo raciocínio palmar: se estão atraindo a violência brutal de bandidos, é porque algo de bom devem estar fazendo.

Existe outro aspecto. O PT sempre teve dificuldades para enfrentar o tema da repressão policial. Quando a criticou, perdeu votos; quando a cortejou, soou inconvincente. Isso é passado. Hoje ninguém está mais autorizado a falar sobre o tema, a superar limites e a eleger a segurança como bandeira sua do que o partido de Lula e Celso Daniel.

Prognósticos não valem quase nada, mas, se Alckmin pode ter começado a perder a eleição, Genoino pode ter começado a ganhá-la, o que parecia mais que implausível há poucos dias. E a candidatura Lula, condenada ao matadouro do segundo turno como a de Maluf, pode ter recebido a aura mágica que lhe faltava desde 1989.

O assassinato do prefeito de Santo André, no bojo de uma sequência de terrores que se desenrola quase diariamente, legitima o ingresso do PT no arco dos partidos da ordem. Acelera sua conversão em partido de centro-esquerda, social-democrata. Aumenta a simpatia emocional, quebram-se resistências do ângulo racional.

A crise do governo Alckmin deve atingir a candidatura do ministro José Serra no principal colégio eleitoral do país, gerando ressonâncias pelo Brasil afora. Será um obstáculo a mais, agora que o candidato do governo aplainou objeções e obteve certo consenso interno, ainda que provisório.

A candidatura de Roseana Sarney parece congelada no mutismo da postulante, que cedo ou tarde terá de enfrentar o corredor polonês das apurações da imprensa e dos ataques de adversários. O PT ganhou novo alento, apesar de abatido pelos acontecimentos terríveis, Serra ganhou nova dificuldade, Roseana perdeu assunto."

 

"A Clone", copyright Caros Amigos

"O mais legítimo sentido do título da atual novela global de Glória Perez configurou-se dia 15 de janeiro de 2002 e capítulos seguintes. Os atores nos propiciaram momentos sublimes da história universal da empulhação.

A seqüência constituiu aquilo que os marketeiros chamam de merchandising: propaganda disfarçada. Nos intervalos, comerciais com Roseana. Na novela, os atores se esmerando em dizer quão maravilhoso é o Maranhão. Que céu, que natureza, que povo, que tudo. Nada se iguala. Crianças brincando, lavadeiras sorridentes. Bumba-meu-boi. Só alegria!

Tudo pago com dinheiro do povo maranhense, o mais pobre do Brasil conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Outro dia, encontrei colega do ramo da televisão. Vamos chamá-lo de Rei. A mídia ainda não falava em Roseana. Ainda não a haviam enfiado nas pesquisas ?estimuladas?. Mas entre os que trabalham com jornalismo e atividades afins já se especulava sobre qual mágica as elites aprontariam em 2002 para abater o velho freguês do PT. Alguém na roda lembrou Roseana:

?É mulher, é bonita, não é queimada…?

O Rei me chamou de lado e contou. Faz uns dois anos, ele esteve em São Luís com equipe de tv gravando Roseana, para programa do PFL. O diretor de cena sugeriu:

?Governadora, que tal sairmos do gabinete? É ambiente frio, artificial.?

Da janela do palácio, mostrou a multidão de maranhenses passando na rua:

?A senhora podia ficar lá no meio do povo…?

Roseana cortou rente:

?No meio do povo??

Fez muxoxo de nojo, como quem diz ?aquilo fede?. E gravou no gabinete perfumado, no bembom do ar refrigerado. O diretor ficou de, mais tarde, esquentar a cena, providenciando o povo ao fundo, por meio de truque eletrônico. Povo virtual.

Assim que surgiu o ?fenômeno Roseana?, em milhões de cabeças brasileiras veio a comparação com o ?fenômeno Collor?. Alguns paralelos:

– ricos e bonitos

– filhos de oligarcas

– formados em Estados miseráveis onde as elites cevam a perpetuação do poder na miséria do povo

– família detentora do monopólio da comunicação regional, dominando principais jornais, rádios e tvs, principalmente as afiliadas estaduais da Rede Globo

– lançamento do ?fenômeno? com apoio de profissionais da propaganda, tal como se vende qualquer ?novo? produto

– leniência, complacência, estímulo, cumplicidade e apoio da mídia gorda

– capa da Veja abrindo caminho (Collor: caçador de marajás; Roseana: o fenômeno)

– apoio da Rede Globo

O clã Sarney vem governando há quase 40 anos o Maranhão. Pense num país desgraçado. Suazilândia. Em quesitos como mortalidade infantil, analfabetismo e IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), estão parelhos Sarneylândia e Suazilândia. Pela gordura dos cachorros se conhece o dono.

Conversei com dois colegas jornalistas maranhenses, o jovem Fábio Lopes e o veterano Chico Vianna, este também médico. Faz gosto sentir a indignação com que reagem à estratégia ora tentada para transformar a olicarcazinha em estadista. Alguns tópicos da conversa telefônica com os dois:

– O governo Roseana bancou a produção da seqüência da novela em terras maranhenses, deslocamento e hospedagem para 20 pessoas, fora imagens aéreas.

– Roseana, diz Fábio, não se sustenta num debate, ?é despreparada?. Incapaz por exemplo de se manifestar sobre a Alca.

– Em sete anos de governo, Roseana não construiu sequer uma sala de aula, não ampliou o sistema de saúde pública em sequer um leito; ?a saúde está um caos?, diz Chico.

– Imprensa, rádio e tv vivem em ?promiscuidade? com o governo e as elites, esquema que vem sendo montado há anos: ?Cercaram a moita?, diz Chico, que garante: ?Noventa por cento dos colegas que cobrem a Assembléia estão na folha.?

– A ?amizade? dos Sarney com a Globo segue o ?é dando que se recebe?, lembram-se? Dois exemplos:

1. A Secretaria da Educação diz que não é necessário construir escola, graças ao miraculoso ensino à distância. Ao custo de R$ 114 milhões, a Fundação Roberto Marinho implantou lá o tal ensino. ?Se o IBGE fizer um estudo, dá todo o Maranhão com segundo grau. Mas cada fita tem 15 minutos, para aulas de uma hora, o resto do tempo o aluno fica flanando. Tem professor de História em sala de Matemática. É uma esculhambação?, diz Chico. ?E o Brasil não sabe.? Chico fez as contas, superestimando custos, apurou no máximo R$ 58 milhões. Ou seja, lucro de R$ 56 milhões para o ?doutor Roberto?.

2. Dos R$ 10 milhões de verba para o Campeonato Sul-Americano de Vôlei, foram R$ 8 milhões para o evento. E R$ 2 milhões para divulgação. Onde? Na Globo, que pertence à família da candidata a estadista.

Chico falou mais de meia hora ao telefone. Diz que, com mais tempo, tem muito mais a relatar. O caso dos aviões, das estradas… Tal como na ascensão de Collor, parece que a mídia gorda não está a fim de mostrar nada. Treze anos atrás, o ?doutor Roberto? disse que apoiava Collor porque era o mais ?moderno?. Agora começa a apoiar Roseana, a clone. Deve ser tão moderna quanto foi o Collor.

Puxa vida. Vão ser modernos assim no quinto dos infernos."

 

"Rede TV! veta política em programa de debate", copyright Folha de S. Paulo, 24/01/02

"A direção da Rede TV! vetou qualquer comentário sobre política ou participação de políticos em programa que originalmente seria de debates e que prepara para estrear até março, às 23h. Em ano de eleições, a emissora estaria sofrendo pressões de partidos.

A atração, cujo primeiro piloto (programa-teste) será gravado hoje, terá apresentação do jornalista Jorge Kajuru, conhecido por seus comentários irônicos e desafeto de políticos goianos.

A idéia inicial era de um programa de debates polêmicos, com editorial. Agora, a emissora quer uma atração exclusivamente de entretenimento, com musicais, calouros, desafios, jogos e humor. Está mais para uma nova versão de ?Perdidos na Noite? do que para ?Flávio Cavalcanti?.

A emissora nega ter sofrido pressão de políticos e afirma que não aceita ?nenhum tipo de cerceamento?. Mas confirma que o programa de Kajuru ?não terá cunho político?. Diz, entretanto, que o apresentador terá liberdade para fazer comentários.

Nos bastidores da emissora, especula-se que o programa poderá não vingar. O ?sonho? da Rede TV! agora é um programa diário, de jornalismo popular, às 19h, com Kajuru, José Luiz Datena (Record) e Marcelo Resende (repórter da Globo, ex-apresentador do ?Linha Direta?).

Assediado pela Record, Kajuru assinou novo contrato com a Rede TV! na última terça.

Flop

Continua baixa a audiência de ?Desejos de Mulher?, novela das sete da Globo. Anteontem, deu 28 pontos no Ibope da Grande São Paulo. Já ?O Clone? atingiu média de 50 pontos. Quem vai bem é a reprise de ?História de Amor?, à tarde. Deu 21 pontos na quarta.

Versão 1

Superintendente comercial do SBT, Walter Zagari diz que não está nos planos da emissora adiar a estréia de ?Casa dos Artistas 2?, prevista para 17 de fevereiro, por ainda não ter vendido as cotas de patrocínio do programa (duas de R$ 11,2 milhões).

Versão 2

Zagari afirma que há vários anunciantes ?muito interessados na compra? das cotas, mas que as negociações estão lentas por causa dos valores envolvidos. O mistério sobre a data de estréia da atração, no entanto, permanece. Tem gente apostando que poderia ocorrer até mesmo no próximo domingo.

Gelo

A Globo vai colocar um repórter e um cinegrafista a bordo da embarcação em que Amyr Klink fará viagem de quatro meses à Antártida. O material será exibido pelo ?Fantástico?.

Original

O programa de João Kléber na Rede TV!, ex-?Eu Vi na TV?, vai se chamar… ?Programa João Kléber?."

 

MÍDIA GOVERNISTA

"Os bons amigos", copyright Revista Agora Fenae, in Boletim Ética Imprensa Ética, 28/01/02

"O que aconteceria se a mídia não fosse governista ou, mais precisamente, tão governista? Outra formulação possível: o que seria de Fernando Henrique Cardoso se jornais e revistas lhe dessem o mesmo tratamento que outros receberam?

Duas perguntas que dariam uma noite divertida, caso sobrevivessem ainda aos chamados jogos de salão dos dias machadianos.

No dia em que escrevo, os jornais registraram a derrota do governo por 11 a 0 no Supremo Tribunal Federal, na questão do pagamento dos professores universitários em greve. Houve o registro, sim, mas com plena evidência do constrangimento em fazê-lo. Fosse nos tempos de Itamar Franco, José Sarney e mesmo do general Figueiredo, as manchetes seriam inevitável, uniforme e unanimemente assim: ?Governo derrotado por 11 a 0 no STF?.

As conseqüências da associação plena da mídia ao governo Fernando Henrique, por efeito da associação ao próprio, incluem uma contradição curiosa: a mídia que não padeceu aflições financeiras e econômicas durante as presidências a que tanto hostilizou, até ganhando muito naqueles períodos, está sofrendo a ação predatória da política econômica como só lhe ocorreu em raras ocasiões.

Todos os grandes grupos de mídia – repito: todos sentem a asfixia das dificuldades financeiras. As causas? Bem, as internas, de natureza jornalística e administrativa, variam de caso a caso, inclusive na intensidade com que atingem cada uma das empresas. Mas as causas comuns não têm variação nem exceção: a queda do poder aquisitivo refletiu-se na venda avulsa e de assinaturas; a insuficiente atividade industrial e comercial, forçada pela política econômica anticrescimento, impôs queda brutal no faturamento com publicidade.

Temos, então, esta situação peculiarmente subdesenvolvida: a mídia é fraternalmente solidária ao presidente e ao governo que a corroem com a indiferença de um cancro. Se isso não for um retrato perfeito da ?elite? econômica e, em particular, de sua dominante fração paulistana, nada mais será capaz de retratá-la."