JORNAL DO BRASIL
Luiz Antonio Palmeira Fernandes
Sei que neste momento, aí no Brasil, há debates muito mais importantes e urgentes do que este que venho propor. Entretanto, como o futebol nosso de cada campeonato também cumpre uma importante função social, acuso o JB de tratar com absoluta favoritismo e privilégio o Clube de Regatas Flamengo; e com má vontade, mesquinhez e pouco caso os outros clubes cariocas.
Creio que sei diferenciar o sentido comum do conhecimento científico. Aquele é empírico, fundamentado nas observações ametódicas e na experiência espontânea do homem comum, e pode chegar a conclusões aparentemente corretas, porém não necessariamente verdadeiras. Aparentemente, o Sol gira em torno da Terra, e Galileu, defendendo o Sistema Cósmico de Copérnico, quase queimou o seu filme eclesiástico por querer trocar aquela verdade do sentido comum por uma heresia científica. Já que de observatórios se trata…
Sou um homem comum, e este será o meu sentido. Não sou semiólogo, mas se comparamos o espaço dispensado, a qualidade da iconografia e a quantidade de palavras das matérias dedicadas a esses clubes de futebol, podemos observar que as vinculadas ao Flamengo sempre são mais expressivas, maiores e melhores. Mas talvez isso seja somente uma ilusão de ótica, algo apenas aparente aos olhos de um simplório. Não me queimem por esta heresia, ó, Senhores Cardeais da Informação!
Não sou crítico literário, nem lingüista nem filólogo, mas é ululante a diferença estilística das matérias rubro-negras, com eventuais modalizadores francamente "positivos" e, às vezes, algumas meias-verdades absolutamente tendenciosas e favoráveis. Nelas, encontramos amiúde palavras de conotação intensa ou "carregadas", que "a função informativa evita ou procura empregá-las de maneira a reduzi-las ao seu significado neutro. A expressividade, ao contrário, faz delas instintivamente cabos elétricos da mais alta tensão" (Câmara, 1953, 75).
Monoclubismo
Mas, quem sou eu para aventurar-me em tamanhos universos lingüísticos? Nas matérias sobre os outros clubes, e, evidentemente, na cobertura do Vasco, talvez por serem, os de São Januário, os arqui-rivais do Flamengo, notamos um estilo parco, quase indiferente, com algum modalizador ou conotação francamente negativa, e sugestões referentes a algo que se insidia como inferior, menor, de pouca relevância, ou seja: podemos ler nas entrelinhas uma espécie de prevenção, de disposição desfavorável, uma mal disfarçada repulsa. Ou será que são meus míopes olhos de ignaro das complexas questões comunicativas?
Ontem, enviei ao JB uma mensagem furibunda, ofuscado que estava pela indignação do mero leitor impotente, que se sente avassalado pela iniqüidade e pelo abuso de poder de um meio de comunicação. Muito se denuncia, no Jornal do Brasil ? e ainda bem que é assim, pois esta é uma das funções principais do jornalismo. São escândalos políticos, atentados às diversas éticas, abusos de poder, injustiças, maus tratos. Entretanto, quando o abuso, a falta de ética e a injustiça são cometidas em casa, a hipocrisia e os ouvidos moucos estão sempre ao serviço dos parentes e amigos.
Acabemos com esse "monoclubismo", com esse favoritismo jornalístico, no qual um é subjetivamente considerado "melhor" do que os demais! Abaixo o monarquismo futebolístico! Chega dessa modalidade mal dissimulada de bairrismo, cuja visão estreita e fanática só considera um clube e hostiliza ou menospreza tudo quanto se refere aos demais! Basta de parcialidades! Jornal não é torcida organizada!
Senão, vejamos a minha nada objetiva e irada mensagem enviada ao JB:
"Jornal não é torcida organizada
A falta de ética, de profissionalismo e de eqüidade jornalística deste jornal, no que se refere ao tratamento dispensado aos clubes de futebol do Rio de Janeiro é indecente: O JB privilegia escandalosamente o Flamengo. Chega a parecer torcida organizada. A matéria sobre a vitória dos rubro-negros em Buenos Aires, frente ao San Lorenzo, é pouco profissional, mentirosa, enganosa e tendenciosa. Primeiramente, o San Lorenzo está quebrado, perdeu sete titulares do time campeão e enfrenta problemas políticos muito graves. Mas os ?desinformados? (ou serão mentirosos, mesmo?) do JB afirmam que ?Mesmo jogando em casa e com a moral (sic) elevada por conta da conquista do último Campeonato Argentino, o San Lorenzo, em nenhum momento assustava a equipe rubro- negra?. Isso é absolutamente falso. ?A? moral do San Lorenzo dependerá da conduta dos seus dirigentes e sócios. Mas, com tantos problemas, ?o? moral do San Lorenzo anda lá pelo subsolo. O que está elevado aqui na Argentina é o risco-país…
Outro detalhe do tipo ?me engana que eu gosto?, bem típico das páginas ?torcida organizada Fla-JB? deste jornal: ?(…) rolou a bola para Edilson ? sozinho na área mas em posição duvidosa. O atacante baiano só teve o trabalho de completar para o gol, fazer 2 a 0 para o Flamengo e comemorar, mesmo que de maneira discreta, já que não sabia se estava ou não impedido.? Atenção, JB: A ?posição duvidosa? em questão se chama claríssimo impedimento, em bom português. Conferi diversas vezes na televisão. Todo mundo viu e concordou. Menos o bandeira, o juiz e o autor da apaixonada ?reportagem?. Nem o Edilson acreditou, pois sabia muito bem que estava numa tremenda jacuzzi.
Todas as matérias sobre esta partida ?pintaram? um San Lorenzo poderoso, bicho-papão, mas, para quem conhece a realidade do clube argentino, o tigre era mesmo de papel. E não pode ser que os autores das matérias desconhecessem isso. As matérias sobre os outros clubes, e, principalmente, sobre o Vasco da Gama, ocupam um espaço evidentemente menor, são insossas, redigidas num estilo (?) indiferente que beira o pouco caso. Será necessário iniciar demanda na Justiça, protestar na ABI, denunciar na CBF, lutar onde quer que seja, para acabar com tamanha injustiça e absoluta falta de ética? Abre o olho, JB."
Por isso, sugiro que o JB mude de nome: que passe a se chamar JF (Jornal do Flamengo), ou que mude de uma vez por todas esta conduta vergonhosa.
Manejo espúrio
Pois é, meus senhores observadores. Se minha denúncia lhes parece pouco séria, sem cabimento, improcedente, subjetiva, absurda ou um caso patológico, tratem, por favor, de comparar as distintas coberturas esportivas, seus estilos (latu sensu), extensões e iconografias. E isso não acontece somente no JB, aqui acusado por ser o jornal que visito via internet, visto que moro atualmente na Argentina. É ultrajante, para os torcedores "marginalizados" e impotentes, ter de padecer esses tratos de um meio que tem o dever de informar e dispensar a todos um tratamento absolutamente igualitário.
Para concluir, gostaria de lançar aqui as sementes para uma especulação profunda, sobre o provável paralelismo entre o pensamento neoliberal, a globalização, a endêmica injustiça social brasileira e o manejo espúrio da informação esportiva para a perpetuação de um sistema aberto (no sentido lógico do termo, i.e., com proposições contraditórias e, por conseguinte, excluído da Lógica) social.
Agora, aqui em mi Buenos Aires querido, abaixo de zero, vou pôr uma pedra neste assunto e ouvir um pouco da Balada para un Loco, dos geniais Horacio Ferrer e Ástor Pantaleón Piazzolla: "Ya sé que estoy piantao, piantao, piantao…"