folha vs. mst
"MST", copyright Folha de S. Paulo
"Dia 10/02 – A reportagem ‘Mais um facho de luz nos porões do M$T’ (Brasil, pág. A18, 4/ 2), de Josias de Souza, já começa com a mistura do nome do mais importante movimento social dos últimos anos com o cifrão. E termina dizendo: ‘Embora superficiais, os papéis da SFC reforçam a impressão (…)’. A reportagem tem elementos que revelam um jornalismo que não é sério, apenas vingativo, ‘superficial’, que se apega a relatórios preliminares, não conclusivos. Aliás, a cobertura do Fórum Social Mundial já vinha com o ranço das questões menores e do superficialismo. Se é para ser assim, é melhor que o jornal seja conservador assumido, pelo menos a gente sabe o que está lendo. (Selvino Heck, Porto Alegre, RS)
Dia 8/02 – Considero um absurdo o que a Folha está fazendo com o MST. A cobrança da taxa de 3% dos assentados para manter o movimento é tão normal quanto o pagamento de mensalidade de sindicato, associação ou clube. Esse assunto já transformou o antes respeitado Josias de Souza em ‘Josincra’ de Souza. Aliás, escalar Josias de Souza para essa missão, depois do incidente do Paraná, é ridículo. Quem paga o salário dele, a Folha ou o Planalto? Por que a Folha não utiliza o serviço dele para investigar as denúncias de ACM contra Jader Barbalho e vice-versa, ou o crime organizado no Piauí, ou as denúncias contra os parentes de Dante de Oliveira no Mato Grosso?(Ademar Adams, Cuiabá, MT)
Resposta do jornalista Josias de Souza – Quem macula a imagem do MST é o próprio MST. O movimento e seus simpatizantes não produziram, por ora, um mísero argumento capaz de responder às reportagens, baseadas em documentos e gravações. Os textos estão encharcados de fatos. Não será com lero-lero ideológico que se irá desmontá-los.
Dia 6 – Josias de Souza, o mesmo jornalista que usou carro do Incra no Paraná para ‘denunciar’ as cooperativas de assentados ligadas ao MST, volta a atacar o Movimento Sem Terra na Folha do último domingo. Desta vez, o jornalista reclama que o relatório da Secretaria de Controle da Fazenda que apurava os supostos ‘desvios’ praticados pelo MST foram ‘rasos’. Para ilustrar o artigo, cita várias cooperativas ligadas ao movimento, inclusive a Cooperativa Agropecuária Nova Santa Rita -Coopan, à qual sou associado. É preciso esclarecer mais uma vez que o MST não cobra ‘pedágios’: os assentados contribuem espontaneamente com a organização, assim como os cidadãos comuns contribuem com a igreja de sua comunidade, com o sindicato de sua categoria e outras associações que trazem benefícios a seus associados. Contribuo com o MST porque quero, assim como as demais famílias do Assentamento Capela, em Nova Santa Rita, e as mais de 8.000 famílias que já libertaram a terra do latifúndio no Rio Grande do Sul. Não fosse o MST, talvez eu ainda estivesse dividindo com meus irmãos a pequena propriedade de terras de meu pai, talvez estivesse engrossando os filões de miseráveis nas grandes cidades. Mas, ao contrário, tenho orgulho de pertencer a uma cooperativa que produz arroz ecológico, em lugar de transgênicos, que cria suínos, aves e gado leiteiro. Isso numa área destinada a uma usina de álcool e que permaneceria abandonada não fosse sua ocupação pelo MST. Mas o que interessa a produção dos assentamentos, as experiências em agroecologia e o sucesso da reforma agrária? Para o sr. Josias de Souza, o que importa é tentar desesperadamente salvar a popularidade de FHC, estancada em menos de 16% há três anos, atacando aqueles que se opõem à política deste governo. Se considera o relatório da Secretaria de Controle da Fazenda ‘raso’, o sr. Josias deveria ele próprio fazer suas investigações e conhecer de verdade os assentamentos da reforma agrária. E, se dessa vez o jornalista não receber míseros R$ 120 do ministro Raul Jungmann, talvez escreva um artigo imparcial e verídico. Dionilso Marcon, deputado estadual pelo PT-RS, assentado em Nova Santa Rita, associado à Coopan (Porto Alegre, RS)
Resposta do jornalista Josias de Souza – Reportagens da Folha motivaram a investigação em curso. Por elas se soube que nem todas as contribuições feitas ao MST são espontâneas. Os textos basearam-se em documentos e gravações, à disposição do deputado. Quanto à Coopan, o parlamentar faria melhor se trocasse o lero-lero ideológico por respostas factuais às acusações feitas pela Secretaria Federal de Controle."
"Muito barulho por nada", copyright Correio da Cidadania, edição 231
"Impressiona a multiplicação, na imprensa brasileira, de matérias que apresentam a curiosa característica negar a si mesmas, muitas vezes explicitamente. Algumas são caricatas, como aquelas que descreveram em detalhes a secreta visita de Xuxa às vítimas do incêndio que ocorreu em seu programa. Avisados, talvez, pelo Espírito Santo, os jornais publicaram fotografias imensas, tomadas de todos os ângulos e assim legendadas: ‘Xuxa entra no hospital de madrugada para prestar solidariedade às famílias sem ser fotografada’…
Outras pretendem ser sérias. O ministro Raul Jungmann anunciou recentemente que a ação do governo havia produzido uma desconcentração da propriedade da terra no Brasil. Cálculos realizados por seu Ministério mostravam que o índice de Gini diminuíra do pornográfico nível de 0,87 para o indecente nível de 0,82. Este índice, como se sabe, varia de zero (distribuição perfeita) a um (máxima concentração). Quanto menor, melhor. No entanto, quem ultrapassou as manchetes pôde ler a discreta informação de que a base de cálculo fora expurgada de dezenas de milhões de hectares que estão nas mãos de grandes grileiros. Como essa imensa área integrava a base anterior, a comparação de resultados era, evidentemente, uma farsa. Mais uma vez, a imprensa não se incomodou com este detalhe.
Nem caricata nem pretensamente séria, foi apenas grotesca a matéria assinada por josias de souza na edição de domingo, 4 de fevereiro, da Folha de S. Paulo. A chamada de primeira página era forte – ‘Documento vincula o MST a atividades irregulares’ -, sendo seguida de um texto de abertura que falava em ‘cobrança de pedágio, inadimplência, escriturações duvidosas’. Manchete e lide da matéria, de página inteira, tornavam tudo ainda mais sensacional. Falavam em ‘porões do MST (…) irrigados com verbas públicas’, ‘apuração’, ‘achados’. Isso sem falar na decisão, vulgar e insultuosa, de grafar a sigla do movimento com cifrão (M$T) no lugar do S.
Como a imensa maioria das pessoas lê apenas chamadas, manchetes e lides, o serviço estava feito. Porém, quem se deu ao trabalho de ler tudo só pôde decepcionar-se, como aliás ocorreu com o próprio josias: ‘Os novos relatórios decepcionam. São rasos, ligeiros (…) superficiais’, escreveu o articulista na pífia conclusão de um texto que iniciara bombástico. Nada dizem, poderia acrescentar. E muito do que insinuam nada tem a ver com o MST. Não é lindo?
Quando o MST ganhou visibilidade, seus dirigentes foram questionados inúmeras vezes sobre as fontes de recursos do movimento. Lembro-me de suas respostas públicas: ‘Além de convênios específicos com entidades e igrejas, para levar adiante projetos de saúde e educação, o MST recebe 3% do valor da produção daqueles trabalhadores que já foram assentados e desejam continuar a ajudar o movimento.’ O MST foi o primeiro a dizer, com orgulho, que era financiado por sua própria base social, sem ter sobre ela nenhum poder de pressão. Ninguém levou a explicação a sério; ainda se procurava alguma versão do antigo ‘ouro de Moscou’. Quando ficou claro que ela era verdadeira, fizeram-se caras e bocas. Escândalo! ‘Desvio de dinheiro público’, publicou a própria Folha em manchete anterior, com o evidente propósito de lançar o MST na vala comum dos escândalos.
Errado: é dinheiro do assentado. Como qualquer outro agricultor, ele paga ao Banco do Brasil, com juros, tudo o que tem direito a sacar para custear sua safra. Sim, dizem, mas esses juros são inferiores aos ‘de mercado’ (pudera: nossos juros ‘de mercado’ são os maiores do mundo!); logo, há um subsídio implícito, e 3% dele são indevidamente repassados ao MST. Mas os latifundiários também recebem crédito agrícola com juros ‘inferiores aos de mercado’ e financiam suas próprias entidades de classe, além de candidatos. Inúmeras empresas, muitas delas grandes e estrangeiras, recebem recursos do BNDES em condições semelhantes, ou então têm acesso a subsídios explícitos, a fundo perdido, sem que suas contribuições e financiamentos despertem acusações ou furor. As maiores contribuições declaradas à Justiça pela campanha do candidato Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, vieram de bancos (beneficiados com o Proer) e de ex-estatais vendidas a preço de banana pelo próprio Fernando Henrique em seu primeiro mandato. Coisa de bilhões para lá, milhões para cá.
Doação de rico pode; de pobre, não. Pois pobre não é cidadão. Só pode estar sendo extorquido ou enganado. É caso de polícia. Não ocorre aos josias outra possibilidade, que tantas vezes testemunhei: a de que homens e mulheres humildes, temperados pela luta, desejem continuar apoiando o movimento que os resgatou de uma vida sem perspectivas. O movimento que educa seus filhos em mais de mil escolas, transforma jovens acampados em técnicos agrícolas, elabora projetos, monta cooperativas, produz sementes, ajuda a comercializar as safras, mantém mais de cem mil famílias acampadas, lutando pela terra, e pressiona o governo a fazer algumas concessões.
A contribuição de cada um é pequena: 3% de cerca de R$ 7 mil – que é mais ou menos o valor que recebem emprestado quando estão na terra – equivale a R$ 210 por ano, ou R$ 17 por mês. O caráter facultativo fica claro quando se sabe que muitos não dão. Nada disso importa aos josias. Em troca de uma notícia em primeira mão, de uma entrevista exclusiva, de boas relações com o Palácio ou de um empreguinho futuro, aceitam qualquer papelão. E fazem muito barulho por nada.
PS: A mais forte acusação de josias é contra a cooperativa que funciona em São Mateus (ES), que teria feito desaparecer o dinheiro destinado a compra de máquinas, galpão, viveiro de mudas e sistema de irrigação. ‘A lavoura micou, o equipamento de irrigação sumiu’, e por aí vai. É mentira. As famílias desse assentamento doaram – sim, doaram – alguns hectares para a construção de uma escola nacional do movimento. Estive lá várias vezes, dando aulas, e conheci toda a área. Tive lições de agricultura, entrei nas casas, conversei com as pessoas. É a cara do Brasil que queremos: tudo plantado, tudo irrigado, enorme viveiro de mudas, máquinas de beneficiamento de café funcionando normalmente. Ninguém é rico, mas ninguém passa necessidade. Talvez por isso, respira-se uma dignidade tranqüila que não se vê em Brasília. Se tivesse um pouco dessa dignidade, josias teria ido lá, antes de insultar aquelas famílias."
Circo da Notícia – texto
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