ARMAZÉM LITERÁRIO
Autores, idéias e tudo o que cabe num livro
ASPAS
POLÊMICA / AUTÓPSIA DO MEDO
"Solidariedade", in Pàinel do Leitor, copyright Folha de S. Paulo
"Dia 19/03/01 – ?Não discuto o que motivou o envio da carta do sr. Jacob Gorender e de mais 44 signatários (?Solidariedade?, ?Painel do Leitor?, 16/3), pois desconheço o assunto e as pessoas citadas. Estou nas páginas finais do volumoso ?Autópsia do Medo – Vida e Morte do Delegado Sérgio Paranhos Fleury?, livro do jornalista Percival de Souza, cuja carreira acompanho há muitos anos. Pode até ter havido eventual erro do jornalista no episódio em questão -um depoimento extraído sob tortura-, mas afirmar que o livro ?enaltece um crápula? é um desatino, típico de quem não leu o livro inteiro. Percival foi um dos raros jornalistas que ousou enfrentar o temido ?Esquadrão da Morte?, em plena ditadura militar. Seu livro é um valioso documento de denúncia do horror e dos abusos inacreditáveis cometidos durante a ditadura.? (Milton Saldanha, jornalista, ex-preso político, São Paulo, SP)
Dia 17/03/01 – ?Com relação à carta ?Solidariedade?, enviada por 45 missivistas e publicada ontem no ?Painel do Leitor?, gostaria de esclarecer que, ao se referirem ao meu livro ?Autópsia do Medo – Vida e Morte do Delegado Sérgio Paranhos Fleury? como ?obra que enaltece um crápula?, os autores mostram um ranço necrófilo. O livro conta, isto sim, o que nunca ninguém havia revelado antes. É um libelo, um desfile da raça humana, e o personagem é mostrado em todas as suas dimensões. Fazer perfil nada tem a ver com ?enaltecer?. Elementar, companheiros. Talvez os missivistas se considerem titulares de algum monopólio da história. Não são, e demonstrei isso. Também não são os únicos que ?fizeram oposição à ditadura militar?. Meu currículo tem isso e muito mais. Singular, ainda, a pretexto de mostrar ?solidariedade?, eles confundirem, com estranho e lamentável raciocínio, ?delator? com vítima de torturas bárbaras, como se o ser humano não tivesse limites de resistência. Pensar assim é enaltecer a tortura. Mostro a guerra revolucionária no meu livro, à exaustão, com fatos e documentos. Será que não me confundiram com Sidney Sheldon?? (Percival de Souza, São Paulo, SP)
Dia 16/03/01 – ?Os abaixo-assinados, ex-presos políticos que fizeram oposição à ditadura militar, manifestam sua solidariedade ao companheiro Genésio Homem de Oliveira, a respeito do qual recente livro de Percival de Souza insere informação depreciativa. Assim é que em ?Autópsia do Medo – Vida e Morte do Delegado Sérgio Paranhos Fleury? (ed. Globo), obra na qual enaltece um crápula, o autor escreve (pág. 224): ?Mais gente para falar foi sendo presa -até Genésio Homem de Oliveira, o zelador de um prédio no Jardim Paulista, onde Marighella aparecia de vez em quando e onde foram escondidas algumas das armas expropriadas do 4? R.I. – além de ser escondido um cassado fuzileiro naval. Genésio falou e falou, porque não suportou os choques, o pau-de-arara, as queimaduras, os socos e pontapés, as pauladas?. Percival de Souza não esclarece a fonte da qual teria extraído tal informação. Contudo, nos depoimentos prestados no Dops -e por ele assinados nos dias 12 de janeiro e 11 de fevereiro de 1970, diante, respectivamente, dos delegados Edsel Magnotti e Valter Fernandes- constata-se que, apesar de torturado e sob ameaça de novas sevícias, Genésio não disse absolutamente nada que pudesse levar à prisão de militantes da resistência ou, de alguma outra forma, contribuir para os objetivos da repressão policial a serviço da ditadura militar. Ao escrever que ?falou e falou?, o autor configura-o como delator. Apreciação falsa, injusta, que resvala para o nível da calúnia. Sua refutação se faz necessária para que não venha a manchar a reputação de uma pessoa íntegra, merecedora do respeito e da estima de todos os que com ela conviveram no cárcere e no decorrer dos anos de chumbo da recente história nacional.? (Jacob Gorender e mais 44 signatários, São Paulo, SP)"
GEORGE AMES PLIMPTON
"Um herói da imprensa", copyright Último Segundo (www.ultimosegundo.com.br), 12/03/01
"Minha jovem jornalista,
Saio de um drink no PJ. Quase 1h da manhã. Madrugada gelada de Nova York. Vejo um vulto magro, alto, cabelos brancos, esperando um táxi. Sinto nele algo familiar. Quando ele se vira para trás, não há dúvida, é ele.
Vc não deve ter ouvido falar dele. A maior parte dos jornalistas da minha geração também nunca ouviu falar dele. Para os brasileiros, ele fez uma rápida aparição, pouco notada, no documentário ?A Luta?, baseado no livro homônimo do seu companheiro de geração Norman Mailer. Bem, é o que eu me lembro, não sei se ele fez outras aparições para os brasileiros.
George Ames Plimpton é um dos meus heróis do jornalismo. Entre outras coisas, Plimpton escrevia muito bem sobre esportes. Mas achava q, para escrever bem sobre um esporte, vc deveria praticá-lo. Tudo foi relativamente bem enquanto ele treinou em um time profissional de futebol americano, por exemplo. Mas a coisa ficou duríssima para ele quando resolveu escrever sobre o boxe.
Para dar mais realismo às suas impressões sobre o esporte, ele desafiou um campeão para uma luta de quatro assaltos. Os amigos de Plimpton que assistiram ao pequeno combate ficaram com dó dele e passaram a achar q a idéia de veracidade na reportagem era maravilhosa no papel, mas extremamente dolorosa na vida real. (O lutador rival era simplesmente Archie Moore, q quebrou o nariz do nosso corajoso Plimpton. Diz a lenda que Miles Davis, vendo sangue nas luvas de Moore, perguntou: É sangue de branco ou de negro? E alguém da turma de Archie Moore respondeu: – É sangue azul).
Plimpton foi editor da ?Paris Review?. A PR tem a mais importante série de entrevistas sobre os escritores e ofício de escrever. Sobre o período parisiense de George Plimpton, Gay Talese escreveu uma deliciosa reportagem chamada ?Em Busca de Hemingway?. Ela começa com uma geração dourada de americanos bem de vida q foram viver uma vida boêmia na capital francesa do após-Guerra – até Jane Fonda foi arquivista da ?Paris Review? – e termina no apartamento da Rua 72 em Nova York, durante os anos 60, onde TUDO acontecia (?é o mais movimentado salão literário de Nova York? , diz Talese).
Um dos meus textos preferidos na imprensa esportiva é de Plimpton. Chama-se ?Medora Vai ao Jogo?. Fala de uma experiência q está na memória de todos nós, a de ter ido a um evento esportivo com o pai. Medora, no caso, é sua filha de 9 anos de idade, q vai com ele assistir à partida de futebol americano entre as universidades de Harvard e Yale. Um dos mais tradicionais eventos esportivos da América. O inevitável aconteceu: o coração de Medora bateu mais forte por Yale (?minha cor favorita é azul?, disse ela; ?minha letra favorita é o Y?, disse ela mais tarde), enquanto Plimpton era Harvard de carteirinha.
Tempos depois, visitando o quarto de Medora para ?checar os detritos da sua complicada vida de garota de colégio?, meu herói Plimpton encontra um recorte de jornal que diz: ?Yale dá goleada em Harvard?. É no q dá levar sua princesinha a um jogo.
Não resisto e vou falar com George Plimpton. Digo que sou um jornalista do Brasil, q acompanho a obra dele, q ele é um dos meus heróis na profissão. Do tempo em q o jornalismo podia ser romântico, boêmio e altamente criativo. Ele conversa comigo gentil e rapidamente na noite gelada, abre a porta do táxi q chegou, começa a entrar nele, hesita, se vira e me diz:
?You made my day?.
M do M que tem no meio do nome Plimpton
PS: Talese escreveu: ?Dando tantas festas, distribuindo tantas chaves de seu apartamento, mantendo os nomes de velhos amigos no expediente da ‘Paris Review’ muito tempo depois que deixaram de trabalhar na revista, George Ames tem conseguido conservar a turma reunida no decorrer de todos esses anos, criando também à sua volta um mundo romântico, livre, divertido, no qual ele e os amigos talvez consigam fugir temporariamente à inevitabilidade dos trinta e seis anos?. Bem, pelo que vi naquela noite, ele também fugiu da inevitabilidade dos 70 anos."
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