O Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) não está nem aí para a imprensa. É o que se pode concluir de declaração publicada, em pequena nota, na edição do jornal O Estado de S.Paulo (4/6/05, pág. A10).
Segundo a nota, o ministro do STF Nelson Jobim teria declarado que o recém-criado Conselho Nacional de Justiça – o tal do controle externo do Judiciário – ‘não será pautado pela imprensa’. O que parece ser declaração de desconsideração pela livre imprensa, teria sido completada com uma frase reveladora do complexo de superioridade de Sua Excelência: ‘Podem falar mal de mim, não dou a mínima’.
Bem possivelmente, tendo se dado conta da inadequada forma de expressão, mormente advinda da boca de um integrante da mais alta corte do país, S. Ex.ª teria assim esclarecido: ‘Nós vamos trabalhar pelas necessidades do Judiciário, e não através de denúncias ou exigências que tenham sido feitas pela imprensa, absolutamente.’
Parece que não melhorou muito…
Declarações de tal conteúdo, ao invés de expressar a independência do novo órgão, revelam muito mais sobre o pensamento dos homens públicos neste país. Ex-deputado federal e ex-ministro da Justiça, o presidente do STF já deveria saber do peso de suas palavras.
Como constituinte, declarar que a imprensa não tem qualquer importância no processo de depuração do Poder Judiciário – determinante na criação do referido conselho – é se portar como extraterrestre.
O recém-lançado livro do repórter Frederico Vasconcelos, intitulado Os juízes no banco dos réus [remissão abaixo] necessitaria ser lido pelo ministro Nelson Jobim. Resultado de anos de acompanhamento de matérias publicadas sobre casos rumorosos que tramitaram na Justiça Federal de São Paulo, desde a segunda metade da década de 1980 até 2004, o autor demonstra como o Poder Judiciário foi lerdo para colocar um dos seus no banco dos réus – para o que contou, em certa medida, com a omissão do Ministério Público, que por tal nunca foi criticado, diferentemente do que tem se verificado, recentemente, quando atua trazendo para os tribunais os detentores do poder político e/ou econômico.
Mais credibilidade
É inegável o papel fundamental da imprensa, em geral, no combate à impunidade. Somente com a divulgação pela imprensa de fatos delituosos, a sua investigação e fixação de responsabilidade penal têm sido possíveis. Enquanto perdurava o sigilo, o chamado segredo de Justiça, processos envolvendo magistrados e membros do Ministério Público, quando chegavam a ser instaurados, acabavam por prescrever ou concluía-se pela não-punição. Em muitos casos, a pena maior foi a aposentadoria! Podiam, assim, esses agentes políticos postarem-se como cidadãos acima de qualquer suspeita.
Todavia a percepção que acabou por se disseminar foi que a Justiça era somente para os três Ps – pretos, pobres e prostitutas. A impunidade e o peso do Poder Judiciário no ‘custo Brasil’ transformou o país em campeão de corrupção, afugentando capitais internacionais de longo prazo.
A desconsideração pela imprensa, manifestada pelo presidente do STF, reflete desprezo pela opinião pública que se expressa das mais variadas formas por meio dos diferentes órgãos de informação.
A manifestação nada feliz do presidente do STF faz-me lembrar de ponderação de Ronald Dworkin, contida na obra Uma questão de princípio [Editora Martins Fontes, São Paulo, 2000, trad. Luis Carlos Borges, pág. 28]:
‘Os tribunais não têm nenhuma defesa automática contra decisões impopulares porque os juízes não têm nenhum temor direto da insatisfação popular com seu desempenho. Pelo contrário, alguns juízes podem sentir prazer em desconsiderar entendimentos populares. Assim, se os juízes tomarem uma decisão política ultrajante, o público não poderá vingar-se substituindo-os. Em vez disso, perderá uma parte de seu respeito, não apenas por eles, mas pelas instituições e processos do próprio Direito, e a comunidade, como resultado, será menos coesa e menos estável.’
Por essas e por outras é que a imprensa parece gozar de maior credibilidade do que o Poder Judiciário.
Lamentável, senhor ministro. Lamentável.
******
Procuradora Regional da República, associada do IEDC – Instituto de Estudos ‘Direito e Cidadania’