Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Para desvendar o jornalismo no rádio

ONDAS NO AR

José Milton Santos (*)



Apresentação de Jornalismo radiofônico e vinculação social, de Mozahir Salomão, 134 pp., Editora AnnaBlume, São Paulo, 2003;. <www.annablume.com.br>; título da redação do OI



Apesar de sua reconhecida importância no Brasil, o rádio tem sido objeto de poucas publicações e boa parte delas começou com depoimentos memorialísticos sobre o veículo. Nem mesmo a expansão dos cursos de graduação e a consolidação dos mestrados e doutorados na área de Comunicação modificaram de forma significativa essa situação. A ênfase das publicações se deu no pólo da produção, pressupondo-se que ele determinasse os efeitos sobre os receptores. Os estudos sobre rádio não chegavam a problematizar o pólo da recepção. Essa é a principal contribuição do livro Jornalismo radiofônico e vinculação social, de Mozahir Salomão, resultado da pesquisa de Mestrado Interinstitucional PUC-Minas/UFRJ em Comunicação e Cultura (1998-2000).

O autor atua em rádio desde 1979, em Belo Horizonte, com experiência nas emissoras Capital, América, Globo, CBN e na criação da FM Lagoinha. Trabalhou nos jornais Diário do Comércio e Jornal de Opinião, e nas TVs Bandeirantes e Horizonte. Atualmente dirige a PUC TV. É professor de Radiojornalismo da PUC-Minas desde 1987, tendo também trabalhado na UFMG e na UNI-BH. Muitos leitores já devem ter acompanhado seus polêmicos artigos no Observatório da Imprensa.

O relato sobre o fechamento da Rádio Globo em BH é um exemplo feliz de depoimento testemunhal com distanciamento crítico. A reação dos ouvintes vai motivar Mozahir Salomão a se aprofundar no estudo teórico para a compreensão do locus da recepção na comunicação radiofônica. Seguindo as tendências mais recentes, dos estudos na área, livra-se da armadilha de considerar o veículo como único detentor de poder frente a uma audiência passiva.A questão inicial de sua investigação versava sobre como se dá a influência do receptor sobre a produção do jornalismo radiofônico: que conexões e aproximações se dão entre receptor e emissor de rádio, e qual a natureza desses laços.

A reflexão teórica do autor e sua análise empírica são contextualizadas processualmente, identificando as "disputas de sentido" das redes discursivas nos cenários instáveis de relações de força do cotidiano. Talvez inconscientemente ele se inspirasse em Guimarães Rosa, um de seus autores prediletos, que afirmou através do personagem Riobaldo Tatarana: "Digo: o real não está nem na saída nem na chegada, ele se dispõe para a gente é no meio da travessia". Para produzir conhecimentos sobre esse objeto fluido Mozahir Salomão se arma com referencial teórico consistente, faz a sua crítica e trabalha de forma criativa os conceitos e noções. Talvez nem pudesse ser de outra forma, pois, o enfoque escolhido, a pesquisa é pioneira.

Para compreender a teia de relações sociais acionadas pelo rádio, Mozahir recorre criteriosamente ao critério polissêmico de sociabilidade,passando pelos sociólogos Georg Simmel e Michel Maffesoli e chegando à sua transposição para o campo da comunicação, realizado pelas professoras da UFMG Vera Regina Veiga França, Rousely Maia e Vanessa Paiva, que assim o conceitua: "Essa é uma rede de relações que se constrói em torno de um sentir comum, de uma experiência compartilhada e , nesse sentido, ela se institui a partir de coisas efêmeras e momentâneas" (Paiva, 1995).

Ao estudar a sociabilidade da comunidade de ouvintes, os "múltiplos contratos que aí se estabelecem", e principalmente o vínculo dos ouvintes com as emissoras de rádio, o autor vai preparando o terreno para a reconstrução criativa da noção de contrato de leitura (conjunto de regras de produção e manobras enunciativas do campo emissor), formulada por Eliseo Veron para analisar as programações, recorre aos conceitos de dialogismo e polifonia, de Mikhail Bakhtin.

Reconstrói a noção de receptor pressuposto, partindo, dentre outros, de John B. Thompson, Jésus Martin Barbero e Antônio Fausto Neto, para quem o receptor não é uma caixa vazia, mas agente ativo no circuito sociocultural, pois penetra no imaginário do discurso recebido do discurso recebido por intermédio dos mecanismos de projeção e identificação: a recepção não está ligada apenas com a sociedade e sua história, mas também com o próprio processo discursivo.

Com um referencial teórico-metodológico consistente, Mozahir analisa dois modelos de radiojornalismo distintos, praticados pelas emissoras Itatiaia e CBN, de Belo Horizonte, e chega a conclusões instigantes que certamente motivarão estudantes e pesquisadores e garimparem esse rico e inexplorado filão que é o rádio brasileiro.

(*) Jornalista, coordenador-adjunto do Curso de Comunicação Social da PUC-Minas