Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Para enfrentar a regressão civilizatória

DAY AFTER

Luiz Sérgio Henriques (*)

Basta abrir ao acaso qualquer jornal para encontrar motivos sérios de indignação contra a ocupação do Iraque pelos Estados Unidos. Crianças mutiladas, hospitais e museus depredados, uma regressão civilizatória aparentemente sem limites, sob o olhar complacente das tropas de ocupação, preocupadas apenas em defender poços de petróleo e os respectivos órgãos de gestão dessa riqueza iraquiana.

A indignação moral, mais do que justificada, tem produzido por toda a parte uma mobilização pacifista extremamente promissora, reunindo velhas e novas gerações, pessoas e instituições das mais diferentes orientações políticas, culturais e religiosas. Talvez seja o início, em escala global, de uma vigorosa consciência crítica em relação aos rumos da globalização neoliberal e, muito particularmente, da atual direção americana e do seu papel nesse tipo de globalização.

A indignação moral, pois, deve se traduzir em política ? na verdade, deve se traduzir em "grande política", com a noção clara de que um dos seus principais objetivos é isolar, política e culturalmente, o atual grupo dirigente reunido em torno de George W. Bush, a começar pela conquista da opinião pública dentro dos próprios Estados Unidos.

Arma poderosa

Este grupo dirigente constitui uma estranha ? e explosiva ? mistura de homens de mercado e fundamentalistas religiosos, absolutamente incapazes de compreender as exigências de um novo mundo globalizado. É provável que, pela primeira vez na história, um império tenha à sua frente não políticos experimentados, capazes de exercer alguma mediação entre os interesses fundamentais do "centro" e os da "periferia", em nome de uma estabilidade mais duradoura e, conseqüentemente, melhor para todos. Pelo contrário, a nova direita americana, e a mídia que a apóia, aparecem, crescentemente, como uma força que apregoa, com um cinismo impressionante, seus interesses mais imediatos, seus contratos de "reconstrução" exclusivos, sua vontade de controle de recursos naturais de terceiros, atropelando, de passagem, conquistas importantíssimas, como as instituições nascidas das ruínas do nazifascismo.

Para isolar este grupo agressivo, é preciso ? não paradoxalmente ? contar com os imensos recursos políticos da grande democracia "americana". Um choque de fundamentalismos, o apelo ao terror, a simpatia por estratégias como as representadas por um bin Laden, por exemplo ? nada disso interessa ao novo movimento pacifista e às diferentes formações políticas que começam a se movimentar por todo o mundo. Como se trata de uma luta pela civilização, ninguém pode ser excluído, seja representantes da direita moderada, como Jacques Chirac, seja expoentes de instituições tradicionais, dotadas de nenhum canhão ou míssil mas de imenso poder simbólico, como João Paulo II.

Uma estratégia desse porte, aberta e plural, é a melhor garantia contra o antiamericanismo primário: o seu método são os mais variados modos pacíficos de resistência e ação, transformando em arma a não-violência e a participação ativa de milhões de homens e mulheres, inclusive americanos. Esta, sim, uma arma poderosa, inesperada e inteligente.

(*) Editor do sítio Gramsci e o Brasil <http://www.gramsci.org/>; texto publicado originalmente em La Insígnia <http://www.lainsignia.org/> com o título "?Não? ao antiamericanismo"