Tuesday, 19 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Para escarafunchar o NY Times

Cristiane Costa

O reino e o poder: uma história do New York Times Gay Talese, tradução de Pedro Maia Soares, Companhia das Letras, 558 páginas. Preço não definido

Uma biografia do Jornal do Brasil, do Globo ou da Veja, por que ninguém pensou nisso antes? Se grandes homens merecem volumosas biografias, por que não os jornais e revistas que, à sua maneira, também influenciaram a história? Foi essa a idéia que levou Gay Talese, um dos mais importantes jornalistas americanos, a escrever O reino e o poder: uma história do New
York Times
. O livro, que está sendo finalmente lançado no Brasil este mês, compete com uma nova versão para a mesma epopéia, publicada no ano passado nos Estados Unidos, intitulada The trust: the private and powerful family behind the New York Times [de Susan E. Tifft e Alex S. Jones, Little Brown & Company, 870 páginas, US$ 29]. A primeira publicação do livro de Talese foi há 31 anos.

Mas os dois livros estão longe de se repetir. Em O reino e o poder, Talese narra uma saga tipicamente americana sobre o jornal em que começou trabalhando como mensageiro, na década de 50. Ele não se furta de "utilizar técnicas narrativas de ficção" para contar como a família Ochs, formada por judeus alemães que chegaram à América em 1845, conseguiu erguer pedra sobre pedra um verdadeiro império da comunicação – ajudada, é claro, por fíéis homens de imprensa. É como se fosse possível voltar no tempo e ver um grande jornal se formando, enquanto repórteres iam e vinham com as principais notícias do dia.

The trust, ao contrário, não deixa pedra sobre pedra nesta "catedral" da informação, mostrando como uma dinastia que já remonta a quatro gerações manipulou governos, jornalistas, opinião pública e, principalmente, fatos, para transformar o New York Times naquilo que é hoje: o mais poderoso jornal do mundo, com mais de 5 mil empregados, 700 deles jornalistas.

Enquanto Talese apenas comenta que os repórteres judeus nunca eram promovidos à chefia (e todos os Abraham orientados a assinar apenas a primeira letra do nome), Susan Tifft e Alex Jones afirmam peremptoriamente que a família Ochs dava ordens para que as histórias sobre o Holocausto ficassem fora da primeira página evitando, inclusive, que as vítimas dos campos de concentração fossem identificadas como judeus.

Antes de questionar a imparcialidade de Talese para falar de um jornal ao qual está intimamente relacionado, é preciso analisar as opções de cada autor. O reino e o poder se preocupa com a micro-história, as pequenas biografias de publishers, diretores de redação, editores-chefes e repórteres especiais que deram a cara ao Times. Já Tifft e Jones relacionam a história tal qual veiculada pelo jornal com os fatos que efetivamente marcaram a macro-história.

Assim, o valor de O reino e o poder está em nos transportar para aquele ambiente efervescente, especialmente entre os anos 30 e 60, cheio de namoricos de redação, intrigas entre caciques, subidas meteóricas de notáveis arrivistas e verdadeiros gênios, como Carr van Ada. O lendário
diretor de redação era também um cientista, que, ao checar os dados de uma matéria sobre Einstein, descobriu um erro numa equação. Ada também descobriu o assassino do faraó Tutancamon lendo com uma lupa os hieroglifos de uma tumba, fato posteriormente confirmado por arqueólogos.

Já o defeito do livro de Talese é o de parecer uma espécie de biografia autorizada, pouco disposta a pisar nos calos do biografado. É preciso também dar um desconto para o fato de que O reino e o poder foi publicado pela primeira vez em 1969. Como o autor explica no posfácio, naturalmente muita coisa mudou de lá para cá. Talvez um dia ainda se publique um livro sobre como o jornal mais influente do mundo sobreviveu à virada do milênio, à concorrência das novas mídias e à onipresença da CNN. Mas, por enquanto, essa história ainda está sendo escrita.

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