Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Para pensar e praticar

TELEJORNALISMO ONLINE

Raphael Perret Leal (*)

Há um ano, ao mesmo tempo em que se iniciava a produção do primeiro telejornal universitário na internet, o TJ Uerj, realizava-se o primeiro Seminário sobre Telejornalismo Online na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Naquela ocasião, o evento durou uma tarde.

Em 14 de maio, ocorreu a segunda edição do Seminário, no mesmo local, e dessa vez durou uma manhã e uma tarde. A internet cada vez mais passa a influenciar pessoas, empresas e instituições, e é natural que esse desenvolvimento acelerado resulte em mais e mais questões para discussão e reflexão.

Em 2002, o seminário, coordenado pelo professor Antonio Brasil, contou com a presença, pela manhã, de John Pavlik, pesquisador da Universidade de Columbia; Gabriel Priolli, crítico de TV e diretor do programa Vitrine, da TV Cultura; e Marcelo Tas, apresentador do mesmo Vitrine. À tarde, quem deu o que falar foram Sebastião Squirra, coordenador dos cursos de pós-graduação da Universidade Metodista de São Paulo; Nilson Lage, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Leonardo Moura, editor dos sites do GNT; e André Tácito, especialista da Apple em programas para edição não-linear.

O debate foi iniciado pelo moderador Antonio Brasil, que logo jogou lenha na fogueira: qual vai ser o meio de comunicação mais influente no planeta daqui a 50 anos? Há meio século, ninguém levava fé na recém-nascida televisão, devido às suas precariedades técnicas, e hoje é o veículo midiático mais importante do mundo. Assim, o professor procurou justificar sua ? sadia ? insistência em discutir o telejornalismo na internet, que, tecnicamente, ainda está bem distante da perfeição.

A palavra foi dada ao professor Pavlik, que expôs sua pesquisa em Columbia sobre a Estação de Trabalho de Jornalismo Móvel. Trata-se de um equipamento que, acoplado a uma pessoa, permite que ela, andando por um local qualquer ? no caso da exposição, a Universidade de Columbia ? tenha acesso a histórias antigas daquele lugar. É o documentário in loco, em que o espectador vai direto ao lugar onde se dá a narrativa. Basta um par de óculos e a pessoa pode caminhar pela sala em que se deu uma revolta de alunos em 1968, e assistir ao vídeo, nos próprios óculos, transparentes, e comparar o ambiente da época ao atual. Perfeita combinação entre tecnologia e informação, que serviu para mostrar como os EUA, de fato, estão estupidamente à frente técnica e cientificamente.

Em seguida, Gabriel Priolli foi objetivo. Trouxe dados que não deixam dúvidas: o Brasil ainda não é um país conectado. Apenas 6% da população têm acesso à internet, enquanto 3% conectam-se pelo menos uma vez por mês. Além disso, os vídeos produzidos na internet ainda estão tecnicamente muito fracos, perdendo feio para a televis&atildatilde;o. Porém, o diretor do Vitrine deixou esperanças: é hora de estimular a produção experimental e laboratorial, o que pode abrir espaço para o telejornalismo comunitário e, melhor ainda, para empregos free-lancers para telejornalistas, tipo de mercado praticamente inexistente no Brasil.

Depois do diretor, o dirigido. Marcelo Tas foi rápido, exibiu a edição de seu programa que denunciou o plágio do discurso de renúncia do senador de Antonio Carlos Magalhães, que copiou frases de Afonso Arinos, escritas em 1954. Logo, fez o link com a internet: a denúncia partiu originalmente de um weblog, o Catarro Verde, "exatamente uma das mídias de menor influência que existem". Tas também contou uma experiência que teve no Vitrine: pela rede, fez um programa da Austrália, sem satélite e sem custo de ligação internacional.

Após o almoço, os presentes foram presenteados com duas excelentes palestras. Primeiro, Sebastião Squirra, embora lesse um texto, dispersando um bom número de ouvintes, polemizou. Não apenas pôs o dedo na ferida: pressionou-o. Após comparar o jornalismo da TV e o jornalismo de vídeo em internet ? adivinhem quem tem mais vantagens? ?, o professor foi cruel e perguntou: quais as vantagens de jogar a imagem excelente da televisão para a deficiente no computador? Por que abrir mão do acesso randômico e não-linear do hipertexto e substituí-lo por essas imagens? E sentenciou: "Não passará de modismo." Antonio Brasil complementou: com tantos problemas, o que vale a pena para a internet é não imitar nem competir com a TV. "É um lugar para experimentar. Os sites mais visitados na rede são os de pornografia porque mostram o que não há em nenhum programa de TV, em nenhuma locadora. É preciso mostrar, na internet, o seu bairro, o seu condomínio, o que não é exibido em nenhum outro lugar."

Portas abertas

Discussão inflamada, a bola segue para aquele que é, segundo o moderador do debate, o "decano de todos os professores de Jornalismo", Nilson Lage, autor de clássicos como Estrutura da notícia e linguagem jornalística. Embora sua palestra tenha mostrado basicamente um projeto da UFSC para instituir uma TV de baixo custo, com "dicas" técnicas, Lage foi firme ao avaliar a crise por que passam a televisão e, especificamente, a televisão a cabo: faltou adequação dos projetos à realidade sócio-econômica do Brasil. E é mais ou menos esse princípio que norteia seu bonito projeto.

Leonardo Moura falou pouco, mas proferiu uma frase tão polêmica quanto os questionamentos do professor Squirra: "A internet será a mãe de todas as mídias." Em seguida, André Tácito prometeu mostrar alguns programas produzidos pela Apple voltados à edição de imagens e vídeos, como o Final Cut, que poderia ser o sonho de consumo de muitos ali presentes. Infelizmente, o que se viu foi uma longa propaganda de computadores Macintosh, reservando-se tempo insuficiente ao eficiente software.

Se fosse possível resumir as dúvidas, as idéias e as opiniões levantadas no evento, que podem levar a importantes reflexões, um razoável sumário seria este:

** Não adianta tentar entrar no mercado, fechado e saturado. Disputar com o Jornal Nacional também é uma atitude suicida. O mais salutar é tentar exibir o que não é exibido em lugar algum. Esse mecanismo permite uma abertura maior do mercado, facilitando os telejornalistas autônomos e o jornalismo comunitário.

** As comunicações ainda estão convergindo para um padrão pós-internet, mas que deve demorar a se consolidar. A TV digital implicará mudança enorme na estrutura técnica das emissoras e nos hábitos dos espectadores. E a própria internet ainda surpreende, podendo trazer grandes novidades. Ou não.

** Não adianta desenvolver uma linguagem perfeita e conteúdo interessante se a tecnologia não ajuda. Poucos no Brasil têm banda larga, é uma realidade. Ninguém agüenta assistir a um programa que fica parando aos poucos, por causa da lentidão das conexões. É preciso avançar tecnicamente.

** A academia está atenta à revolução que a internet está proporcionando. Os discursos de Sebastião Squirra e Nilson Lage e a pesquisa de John Pavlik mostram que a universidade está antenada com o relacionamento entre os veículos de comunicação e a internet, bem como entre a grande rede e a sociedade. A pesquisa acadêmica é fundamental para o enriquecimento do debate e a descoberta de caminhos para o telejornalismo no ciberespaço.

** A discussão sobre o telejornalismo na internet não está dissociada de um debate mais amplo sobre o jornalismo. Afinal, grande parte dos problemas que atingem o objeto do seminário afetam o jornalismo: mercado, linguagem, ferramentas, comportamento dos jornalistas. Qualquer debate sobre o telejornalismo na internet é fundamental, portanto, mesmo para quem não tem computador em casa ou trabalha exclusivamente em rádio, jornais ou revistas.

No fim, tem-se a impressão de que pouco foi respondido, e que sobraram muitas dúvidas. Que bom, então! Dos debates não saem respostas, mas idéias, reflexões que podem, sim, levar a soluções práticas. Certamente os presentes voltaram para casa com muitas coisas a pensar, e provavelmente sobre outros temas não citados aqui. Caminhos foram indicados, portas foram abertas. Agora é pensar e praticar.

(*) Mestrando em Sistemas de Informação NCE-UFRJ, jornalista free-lancer

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