Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Para traduzir o economês

NOTAS & NÚMEROS

Suely Caldas (*)

Apresentação de Jornalismo
econômico
, de Suely Caldas, 136 pp. Editora Contexto, São
Paulo, 2003; <
www.editoracontexto.com.br>;
tel. (11) 38325838; R$ 23,90


Foi por conservadorismo, preconceito, má-fé ou mesmo por pura preguiça, que difundiu-se um mito segundo o qual as páginas de economia dos jornais só interessam e são entendidas por circunspectos senhores de paletó e gravata, sejam eles economistas, executivos, empresários, técnicos do governo ou profissionais do mercado financeiro. O que, de modo algum, é verdade. O que para muitos pode parecer apenas um código cifrado, um emaranhado hermético de gráficos e números destinado apenas à leitura de iluminados e especialistas, é de fato um guia de sobrevivência indispensável para nossa vida cotidiana: é lá que estão as notícias sobre juros e inflação, tarifas públicas e aluguel, golpes e trambiques, sobre o preço da carne e do feijão, o emprego perdido e o salário reduzido.

É preciso reconhecer que quem por vezes pode tornar o jornalismo econômico difícil e chato é o próprio jornalista. Isso ocorre quando o repórter ouve das suas fontes de informação uma série de explicações técnicas, um amontoado de expressões específicas (muitas em inglês), que realmente bem poucos entendem (às vezes, nem mesmo ele, repórter), e se limita a transcrevê-las nesse mesmo jargão, o chamado "economês". O jornalista age, assim, como mero papagaio que insiste em imitar o dono.

Ora, a linguagem jornalística é uma só. O texto sobre o déficit fiscal do governo deve ter a mesma simplicidade, objetividade e clareza de outro que descreve um confronto entre policiais e traficantes na favela ou daquele que narra a súbita disposição de Romário em disputar a bola com o adversário. O que muda é apenas o tema. Se o leitor não entender o que leu, é porque o jornalista não cumpriu sua função básica de informar. Escreveu como se fosse um burocrata e não como um bom repórter. O empresário tem lá seu vocabulário próprio, o economista lança mão de expressões técnicas da ciência econômica, o ministro fala no linguajar escorregadio do governo.

Mas o jornalista deve ter preocupação e preparo para interpretar o que ouviu desses personagens e, ao escrever, traduzir tudo em linguagem simples e objetiva, capaz de ser entendida por qualquer um, do porteiro de seu prédio ao mais alto empresário do país.

(*) Jornalista, diretora da sucursal do Estado de S. Paulo no Rio; vencedora de dois prêmios Esso, trabalhou no Globo, Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil, Exame e Visão.