Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Patrícia Bispo

ENTREVISTA / PAULO NASSAR

“Comunicação combina com democracia”, copyright Rh.com.Br (www.rh.com.br), 21/01/04

“Quem está atento às constantes mudanças do mundo corporativo sabe que desenvolver uma política de comunicação interna eficaz pode significar o caminho para o sucesso organizacional. No entanto, existem empresas que ainda não despertaram para essa realidade e preferem centralizar o poder. ?No Brasil, a maioria dos gestores empresariais são analfabetos em comunicação e administração?. Essa forte afirmação foi feita pelo diretor executivo da Aberj (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial), Paulo Nassar, durante entrevista exclusiva concedida ao RH.COM.BR. Para ele, esse quadro só mudará quando os gestores assumirem uma visão qualitativa de vida, em detrimento às linhas mecanicistas que abortam a criatividade. Nassar também menciona como as organizações devem trabalhar as ferramentas de comunicação trazidas pela tecnologia. Confira!

RH.COM.BR – Hoje, as empresas que desejam ser competitivas, deparam-se com uma realidade: elas precisam investir na elaboração de programas de comunicação interna. Que práticas o Sr. destacaria como sendo mais indicadas para o universo corporativo?

Paulo Nassar – No Brasil, a maioria dos gestores empresariais são analfabetos em comunicação e em administração. E a intersecção entre esses dois campos é onde se define o que chamamos atualmente de comunicação organizacional. Então, o relacionamento excelente com o público interno depende do conhecimento das formas como cada modelo de gestão molda os, ou é moldado, seus processos de informação e comunicação. Modelos de gestão voltados para a produtividade máxima geralmente têm uma comunicação interna pífia. Modelos com ênfase na hierárquia, no poder, também valorizam pouco a comunicação, principalmente a interna. Isso porque o processo de comunicação, principalmente de questões complexas, demanda tempo e relacionamento.

RH -Em que os gestores brasileiros precisam mudar para reverter essa situação?

Nassar – A democracia no âmbito das empresas brasileiras é uma pedra preciosa rara. Ela depende do modelo administrativo de cada empresa. Também depende dos sistemas político, cultural e psicológico de cada empresa. Os gestores empresariais foram formados dentro de escolas e de uma cultura que só valorizam os aspectos quantitativos da vida: números, resultados, percentagens, metas. Enquanto os gestores não assumirem uma visão mais qualitativa da vida, que valoriza os acertos mas também os erros, que entenda que a realidade não é uma engrenagem mecânica que transita entre o preto e o branco, as práticas de comunicação interna continuarão sendo uma extensão de uma visão mecanicista que aborta a criatividade, a espontaneidade e o surgimento de práticas não prescritas nos manuais.

RH – Qual o melhor caminho para uma organização solucionar conflitos de comunicação interna?

Nassar – Assumir que o conflito, a divergência, a pluralidade, o diverso, os inúmeros pontos-de-vista são parte do processo comunicacional. Atualmente, o conflito é visto como uma anomalia, como uma doença. A boa comunicação interna é aquela que admite a rebeldia.

RH – O Sr. costuma afirmar que antes de lançar um programa de comunicação interna, é fundamental que a empresa conheça o perfil do seu público. Que ferramentas podem ser usadas para se conhecer os colaboradores?

Nassar – Conhecer os públicos organizacionais é o ponto zero de qualquer planejamento comunicacional excelente. ?Quais são os públicos estratégicos da minha organização?? é a pergunta mãe. Quando se fala em público interno, é preciso conhecer a forma como esse público atualmente se educa, estrutura a sua família, comunica-se, mora. O público interno precisa ser visto como sujeito e não como objeto, como algo passivo, simples receptor de informações importantes para a gestão.

RH – Há quem defenda que para se alcançar uma comunicação interna eficaz, é preciso que seja realizada uma democratização da gestão. O Sr. concorda?

Nassar – Sem a democratização da gestão não há comunicação interna excelente. Existem sim as empresas ditadoras, de gestores que apenas ditam ordens de serviços, coisas a serem cumpridas.

RH – Nesse momento, qual o perfil do profissional de comunicação interna que as empresas procuram?

Nassar – As empresas buscam um profissional que seja alfabetizado em mais de uma área de conhecimento. É cada vez mais comum, encontrarmos na gestão da comunicação interna profissionais com formação em comunicação e administração, comunicação e marketing, comunicação e psicologia, comunicação e antropologia, entre outras dobradinhas.

RH – Nos útlimos anos, a Intranet ganhou espaço no dia-a-dia organizacional e se tornou uma forte ferramenta no processo de comunicação interna. Esse recurso é bem utilizado ou as empresas ainda precisam aprender a aproveitá-lo melhor?

Nassar – A Intranet é uma mídia rica em possibilidades alavancadas pela convergência de texto, imagem e som. Tudo isso em um ambiente de interatividade, conveniência e velocidade. As empresas não usam ainda a Intranet em todo o seu potencial. Isso por ser uma mídia nova e que apenas agora começa a entrar no budget e no planejamento de comunicação das organizações. Esses limites serão superados num piscar de olhos. Fora das empresas as pessoas estão comunicando-se, cada vez mais, de forma on-line, veloz, conveniente e interativa. É só olhar as formas pelas quais os jovens estão se comunicando: os ICQs, blogs, celulares, sites, games. Amanhã esta gente toda estará dentro das empresas convivendo com formas mais lentas, passivas de comunicação. Esse é o desafio tecnológico e cultural que as formas tradicionais de comunicação, os jornais, revistas e murais, terão que enfrentar se quiserem sobreviver no mundo corporativo.

RH – A presença da tecnologia tem deixado algumas empresas preocupadas com o uso inadequado de ferramentas como a Internet e o correio eletrônico. De que forma as organizações devem enfrentar essa questão?

Nassar – Com profissionalismo e o respeito à privacidade do público interno. Profissionalismo porque o público interno convive o tempo inteiro com outras comunicações geradas por fontes que não são só as empresas: a mídia de massa, a mídia segmentada de massa, tv a cabo, por exemplo, as formas fragmentadas de comunicação, as mídias comunitárias, sindical. Se a comunicação empresarial não for profissional, ela não conseguirá ser competitiva. Será apenas dinheiro e tempo jogado no lixo.

RH – Dentro do processo de comunicação interna, qual o papel e a importância do profissional de RH?

Nassar – O profissional de RH deve ser, cada vez mais, um especialista em comunicação e com as suas interfaces no campo das Ciências Humanas como a psicologia organizacional, ciências sociais, antropologia. O fundamental é que o profissional de RH administre as pessoas da organização de frente para o que está acontecendo na sociedade e no ambiente das empresas.”

 

MERCADO EDITORIAL

“Mercado paulista movimenta-se”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 21/01/04

“Os primeiros dias de 2004 foram mais movimentados do que se imaginava, para um período em que tradicionalmente nada acontece de importante. Passadas três semanas, mesmo num cenário de calmaria, o mercado paulista não dorme e está entre os que, mesmo na baixa, tem assunto do interesse de todos nós.

Duas notícias são particularmente importantes para quem torce por melhores dias para o jornalismo brasileiro. Uma delas é a agora decisão oficial do ex-governador de São Paulo, Orestes Quércia, presidente do Grupo DCI, de relançar em 2004 o jornal Shopping News, semanário de distribuição gratuita que viveu momentos de glória nos anos 70, quando tinha uma equipe de primeira linha, chegando a tirar 330 mil exemplares. O jornal saiu de circulação em 1998, no bojo da crise do Grupo DCI, que levou de roldão ambos os jornais, mais as revistas Visão e Dirigentes. As marcas foram a leilão e quem as arrematou, diz a lenda, o fez já numa operação casada com Quércia, que, de fato, veio a arrendá-las. O DCI já está de volta ao mercado há mais de um ano, e agora chega o momento de o mesmo acontecer com o Shopping News. Não será, ainda, um relançamento definitivo e sim uma experiência para testar o produto e o mercado, em quatro das mais fortes datas consagradas ao comércio (Mães, Namorados, Criança e Natal). Se emplacar, entrará 2005 no seu velho formato de jornal semanal e distribuição gratuita nos bairros de maior poder aquisitivo da cidade. A direção editorial será acumulada por Getúlio Bittencourt, colega que já tem a responsabilidade de dirigir o DCI.

Na luta para recuperar o tempo e a tiragem perdidos, o Jornal da Tarde (Grupo Estado) recorre a uma velha mas sempre atual fórmula: regionalizar parte do conteúdo. Desde o início de janeiro o diário passou a ter uma edição regional para o Litoral paulista (Guarujá, Baixada Santista e Litoral Sul), que se somam às edições regionais Interior e Capital/Grande São Paulo. Mudam, de edição para edição, a primeira página (com textos e fotos regionais enxertadas) e duas das páginas do miolo, com notícias de interesse daquelas comunidades (polícia, cidade, esportes etc.). No caso da edição litorânea, não se trata de um projeto sazonal, como pode parecer à primeira vista, e sim uma decisão editorial e comercial, que tem como alvo a população fixa dessas cidades, estimada em 1 milhão de pessoas. Em termos de logística, a redação passa a contar com colaboração dos correspondentes da Agência Estado – particularmente dos que cobrem o interior de São Paulo – e de sua própria equipe (que tem uma dupla fixa de repórteres cobrindo litoral). Interior fecha primeiro, com diferença de uma hora em relação à edição praiana, vindo por último a edição da Capital, como já ocorria anteriormente. O esforço, pelo que apurou este J&Cia – Cenários, está compensando já que a circulação do JT nessas regiões deu um salto, animando o staff da empresa.

Em termos de vaivém, tivemos duas mexidas na revista IstoÉ: deixaram a publicação as colegas Lia Vasconcelos e Laura Ancona Lopes, repórteres respectivamente das editorias de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente e Comportamento – ambas ainda não foram substituídas. Lia saiu para trabalhar no escritório da Unesco, em Brasília. A mudança teve também razões pessoais, já que ela se casou recentemente com Marcelo Bear, colega que integra a assessoria de imprensa do ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, daí a decisão de mudar-se e de trocar de emprego.

Enquanto isso, vários colegas de São Paulo, ao lado de profissionais de veículos de outros estados e da América Latina, trocaram a relativa calmaria do Brasil e foram para Davos, na Suíça, para cobrir o encontro anual do World Economic Forum, que começa nesta 4?.feira (21/1) estendendo-se até 26/1 (2?.feira). A delegação brasileira é integrada por 15 colegas, de um total de 35 de todo o continente latino-americano, entre eles Aluizio Falcão Filho (Época), Octavio Costa (Jornal do Brasil), Rodrigo Mesquita (Agencia Estado), Rolf Kuntz (O Estado de S. Paulo), Assis Moreira (Valor Econômico) e Clóvis Rossi (Folha de S. Paulo). Os organizadores estimam a presença de 2.100 participantes, incluindo 30 chefes de estado ou governo, 75 ministros, 28 líderes religiosos, 18 líderes sindicais, 50 chefes de Organizações Não-Governamentais, 500 jornalistas e 1.000 empresários e executivos.

Parte dos que aqui ficaram tem compromisso agendado para o próximo sábado, como já noticiou este Comunique-se: um almoço no Restaurante Laço de Ouro (Rua Tumiaru, 35, quase esquina com a Tutóia – e muito perto do nada saudoso Doi-Codi – no bairro do Ibirapuera), de ex-colegas da Folha de S.Paulo (e agregados) para celebrar os 20 anos de Diretas já. Até o final desta terça-feira perto de 130 colegas haviam confirmado a adesão ao encontro.

Até que não está tão sonolento assim o mercado, como se vê, particularmente nessa véspera de 450 anos da cidade, que está exaurindo muitos dos colegas. Na Globo, por exemplo, que já vem de uma maratona de meses, a ordem é clara: não tem fim de semana para ninguém. Todos estão convocados tanto para o sábado como para o domingo, para cobrir as diversas festividades da cidade, numa programação especial, que será colocada no ar nos dois dias.”

“O lugar da literatura no mundo”, copyright Agência Carta Maior (www.agenciacartamaior.com.br), 23/01/04

“Agência Carta Maior – Queria que você falasse sobre a escolha pelo jornalismo literário na sua vida, ou se não foi escolha, se foi acaso. De que forma isso se deu?

José Castello – Eu estava no colégio, tinha 16, 17 anos; já gostava muito de literatura; já lia tudo que caía na minha mão e cheguei a pensar em fazer um vestibular para Letras, mas um professor de Literatura Portuguesa, muito bom, me convenceu de que a melhor coisa que eu devia fazer para me preparar para ser escritor era fazer jornalismo, porque eu teria contato direto com a realidade diversificada, intensa e, ao mesmo tempo, teria o exercício diário de escrever, porque o jornalismo obriga. E eu segui o conselho dele. Só que aí o jornalismo é muito envolvente, exige muito, ocupa muito tempo, e eu fiquei dos vinte aos quarenta anos sem forças para fazer outra coisa, envolvendo-me cada vez mais, até que, em 84, eu fui, pela Isto é, cobrir as Olimpíadas de Los Angeles. Voltei de lá exausto, estressado e com a sensação do seguinte: se eu não mudasse, não ia mudar nunca mais. Então, fui conversar com o Zuenir Ventura, que, na época, era o chefe da sucursal e ele deixou-me fazendo só a parte cultural da revista. Esse foi o primeiro passo. A partir dali, praticamente a minha vida no jornalismo ficou em torno de livros. Até que, em 88, fui para o Jornal do Brasil, trabalhei como editor assistente do Caderno B durante um ano e logo fui transferido para ser editor do Idéias (Idéias Livros e Idéias Ensaio), na época tinha os dois. Desde então, me envolvi completamente com o jornalismo literário.

CM – Como você se definiria como leitor? O que lê, fora o compromisso profissional? É um leitor seletivo?

JC – A leitura que eu faço pelo meu gosto. Sou muito seletivo, até porque isso é um problema dessa vida que eu levo de resenhista, de crítico literário, sei lá, de jornalista literário, na qual tenho muita literatura profissional para fazer. Então, quando fica mais tranqüilo, durante uma parte do tempo, quero fazer qualquer coisa menos ler, fico exausto, com a vista cansada e com a cabeça cansada. E, além de tudo, ainda escrevo, que também é um desgaste parecido, equivalente. Eu procuro ler os grandes livros que não li, todo ano eu procuro eleger um grande escritor pra ficar lendo a obra dele, relendo, enfim. Ano passado, fiz isso com Kafka; tinha feito com Conrad, ano retrasado; este ano, não consegui fazer com nenhum, minha vida foi muito confusa; tive vários projetos, tudo o que eu li foi muito disperso.

CM – Sempre literatura estrangeira?

JC – É porque li mais a literatura brasileira, mas estou querendo fazer isso também com o Graciliano que eu li no colégio, na faculdade e nunca mais li. Então, agora, aos 50 anos, pegar o Graciliano e ler de novo, inteiro, ou quase inteiro, ter um reencontro com Graciliano, é um dos meus projetos. O Fernando Pessoa é um poeta a quem eu estou sempre voltando, a vida inteira li, mas li de uma forma muito assistemática. Eu tinha vontade de poder parar e concentrar-me, tirar seis meses para ler Fernando Pessoa. Acho muito legal essa experiência, por exemplo, de escrever livro sobre Vincícius, escrever sobre João Cabral, sobre Rubem Braga, sobre um escritor em particular, porque durante um ou dois anos, fico totalmente tomado por aquele escritor. É uma maneira de entrar pra valer naquele mundo; isso é uma aventura muito legal. Então, prefiro eleger um autor e concentrar-me por um tempo nessa leitura. Agora, eu realmente gostaria de não depender tanto da crítica literária para viver e ter mais tempo pra mim, pra poder ler coisas que eu eleger. Essa vida de leitor profissional tem esse lado que é legal, leio muita coisa legal que eu jamais leria e só venho a ler porque é profissionalmente. A própria nova geração, eu comecei a ler por obrigação profissional e fiz grandes descobertas. Muitas vezes, também leio coisas que não leria, leio porque é obrigação profissional, enfim, esse é o preço que se paga pra sobreviver disso.

CM – E a questão da crítica literária? Ser ou não ser um crítico?

JC – Até hoje, tenho dificuldade com relação a isso. Cada vez que chega uma carta lá em casa, ao crítico literário José Castello, o meu primeiro impulso é achar que não é minha, que puseram no apartamento errado, devolver na portaria. Sinceramente, eu estranho até hoje isso, mas… Tenho consciência que eu não possuo o percurso acadêmico dos grandes críticos que eu admiro muito. Se pegarmos um cara como o Silviano Santiago, a Leila Perrone-Moisés, o Antonio Candido, a Flora Sussekind, são pessoas que têm um percurso de estudo, de leitura, disciplinados e metódicos; especialização mesmo. Eu não tenho isso; então, algumas pessoas dizem que eu faço uma crítica impressionista, em geral, fala-se isso a meu respeito de uma forma pejorativa. Estou pouco me lixando, talvez seja impressionista mesmo. Considero-me mais um leitor do que um crítico; um leitor especializado, sem dúvida, porque estou em torno de literatura há muito tempo, mas o que eu procuro oferecer para o leitor quando escrevo uma crítica, vamos chamar assim, é mais um olhar particular a respeito daquela obra, que ajude o sujeito a ver aquela obra de perspectivas diferentes, só isso. Não tenho, como por exemplo o Wilson Martins tem, essa idéia do crítico como juiz, que dá veredicto, aprovado, desaprovado, bate o martelo, dá estrela, dá nota, eu acho isso tudo odioso. Literatura não é uma ciência exata, que você pode averiguar e comprovar, e também não é um esporte que você pode aferir, usar cronômetro, ter marcas, não é; a arte não é isso. Então, eu me sinto incomodado ainda com essa posição de crítico, porque eu acho que eu tenho mesmo uma posição diferente, até pela minha formação de jornalista, autodidata, eu sei qual é o meu tamanho, procuro viver as coisas com bastante realismo sempre.

CM – De que modo se dá sua relação com seus personagens biografados?

JC – Um dos mitos contemporâneos da crítica literária é de que a biografia não tem nada a ver com a obra e, quanto menos você souber da biografia de um escritor, melhor, porque a obra tem que falar por si, enfim, são todas essas tendências da crítica que vem desde o Estruturalismo, da influência da lingüística, que procuram encontrar o que há de literário na literatura, o que é só da literatura e mais nada. Essas são as idéias dominantes, hoje, no meio da crítica e da academia também. Eu já penso o contrário, claro que você não precisa conhecer a Clarice para gostar da Paixão segundo GH, não precisa conhecer o Rosa pra gostar do Grande Sertão, mas eu acho que o contato com o escritor, que não seja pessoal, mas através de entrevistas, de leitura de coisas de sua vida, ilumina muito a obra. Eu acho que enriquece a leitura terrivelmente. Lembro-me de uma resenha que saiu do meu livro do Inventário das sombras, o título era o ?escritor dos escritores?, e a tônica da resenha era a de que eu adotei os escritores como personagens, eu inverti a literatura de ponta-cabeça, e transformei. E é um pouco isso, porque eu acho que todo escritor é um pouco um personagem, nem que seja o narrador oculto que está narrando aquela obra.

Alguém, quando escreve um livro, coloca-se nele de alguma forma, vira um personagem oculto, mas é um personagem daquela obra e portanto muita coisa dele, ainda que disfarçada, deturpada, passa para o livro; então, refazer esse caminho de volta a quem escreveu, não só ilumina muito a obra, como é muito interessante, porque acabamos descobrindo grandes personagens como eu acho que eu descobri no Inventário das sombras. Pode-se pensar: Nelson Rodrigues é um personagem fabuloso, dá para escrever um romance com o Nelson Rodrigues; Hilda Hilst é um personagem extraordinário; a Clarice é um superpersonagem. A literatura está cheia de escritores que são grandes personagens, e eu não acho que isso seja pernicioso ou que isso atrapalhe a leitura da obra, pelo contrário, eu acho que vai iluminar mais, abrindo novas perspectivas.

CM – E a relação leitor/autor?

JC – O medo maior que se tem no fundo é o medo de decepcionar-se, porque quando se lê um livro e gosta-se dele, imediatamente o idealiza. Vamos voltar à Clarice e ao Nelson: cada um tem a Clarice na sua cabeça, o Nelson na sua cabeça; a leitura que você faz da obra do Nelson, você imagina um Nelson, eu imagino outro. E quando você vai ter o contato pessoal, eu acho que o temor maior, é claro que entra timidez, entra deslumbramento, é o de decepcionar-se, e isso acontece, algumas vezes, porque a pessoa não é o que imaginamos. Chegamos lá e encontramos outra. Mas eu acho que esse ?chegar e encontra outra? é que é legal, que é de novo a surpresa, que é um dos elementos fundamentais da literatura e da arte.

CM – Foi como, por exemplo, quando você encontrou o poeta Manoel de Barros…

JC – O Manoel é um caso mais radical, porque ele mesmo vende aquela imagem bem interiorana e misteriosa dele, chegamos lá e sofremos um impacto, um susto; eu me lembro de situações opostas, pessoas que foram entrevistar-me, lembro-me especialmente de um rapaz, um poeta, relativamente jovem; foi entrevistar-me para uma revista literária. O cara estava realmente nervoso. Falei ?cara, calma, não vai acontecer nada, eu não mordo, não sou nenhum monstro?. Ele explicou que tinha lido uma coisa e gostado muito; e ele custou a acalmar-se, e foi impressionante ver no outro aquilo, foi muito educativo. O cara ia entrevistar-me, eu ia falar do meu trabalho, mas o cara, a partir da leitura que fez sei lá de que meu, criou uma tal imagem minha. Não consegui entender de que era, de tão grande em certos aspectos, tão enfática, que ele chegou lá e tremia. E é muito engraçado também, por exemplo, e isso já aconteceu comigo várias vezes, e é um comentário que eu acho estranhíssimo que sempre me surpreende quando se repete, quando a pessoa chega e diz ?nossa, eu achei que você fosse muito mais velho do que você é. Achei que tivesse uns setenta, oitenta anos?. Eu fico pensando porque será, eu tenho cabeça de velho? Não consegui descobrir isso ainda. Eu sei que meu texto transmite isso, várias pessoas já me disseram. É uma idealização que vem de alguma coisa. Já houve amigos que me disseram ?você é muito educado quando escreve, você tem um estilo muito distanciado, muito elaborado, e isso parece uma coisa da maturidade plena?. Não sei, não sei o que é. Essa idealização é do ser humano, é a idealização que se faz do mito; a arte sempre abre caminho para essas idealizações, esses mitos que se criam, e quando nos defrontamos com a realidade sempre levamos um susto, é sempre outra coisa. Ainda bem, né?

CM – Como foi seu encontro com o Bispo do Rosário?

JC – Foi um caso em que eu vivi a situação oposta. Fui com muito medo, no caso, porque ele era um louco, oficial, e eu ia entrar na cela de um louco; então, recebi advertências, ?olha ele não é violento mas não haja assim, não haja assado?. Os próprios caras que serviram de ponte me encheram de recomendações e eu fui evidentemente tenso, e era um sujeito muito estranho mesmo; vivia ali num delírio. Ele estava delirando. Bom, eu procurei agir como acho que a gente tem que agir com pessoas delirantes em geral, tem que entrar um pouco no delírio do cara, como se fosse uma fantasia, uma brincadeira. Então, fui disposto a acreditar em tudo o que ele estava me dizendo e entrar na conversa pressupondo que eu estava acreditando e foi como eu agi. E, aos poucos, ganhei a confiança dele; por isso, porque ele viu que eu o estava levando a sério, eu estava acreditando no que ele estava me dizendo. Uma pessoa que está no estado em que ele se encontrava, de delírio radical mesmo, apresenta um elemento sempre muito forte, que é o desamparo e a solidão. E a pessoa precisa sentir-se acompanhada, achar que o outro a está vendo como ela é, e entrando na dela, não está querendo forçá-la a nada.

CM – Por que decidiu incluí-lo no Inventário?

JC – É o seguinte, o inventário, na verdade, não ia ser só de escritores. Primeiro ele ia se chamar Inventário das Maldições, não era Inventario das Sombras, e a idéia inicial era fazer só sobre artistas malditos, acontece que eu comecei a rascunhar vários capítulos; tinha Torquato Neto, Renato Russo, Cazuza, tinha Iberê Camargo, Tim Maia, mas, com o andar da carruagem, eu comecei a perceber que eu só estava interessando-me mesmo, e sentindo firmeza, nos capítulos dos escritores; que falar de cantores, pintores, era um pouco forçar a barra, não era muito meu campo, e não estava conseguindo manter a mesma ligação, a mesma qualidade. Eu estava com mais dificuldades. Chegou um momento em que eu resolvi tirar aquilo e ficar só com os escritores, mas, na hora de jogar fora, o capítulo do Bispo, entre os dos que não eram escritores, era o maior, e eu tinha gostado tanto. Fiquei com pena; ainda pensei em separar, fazer um livro separado, mas isso é maneira de jogar fora e não fazer nunca. Eu pensei, por que não colocar? E eu já tinha a idéia de fazer um capítulo com o João Rath, que foi aquele jornalista que trabalhou comigo, que nunca escreveu uma linha. Falei: ?Bom, se pode o João Rath, que nunca escreveu uma linha, pode o Bispo também?. E depois, o livro é meu, ponho quem eu quiser, não tenho que dar explicações a ninguém. Então, coloquei e cortei todos os outros.

CM – E os outros capítulos descartados?

JC – Teve uma editora que me sondou, há pouco tempo, para retomar o capítulo do Iberê Camargo como um livro independente, mas eu acho que não vou fazer, acho que não tenho conhecimento suficiente de pintura; sou um admirador de pintura, mas um leigo, não tenho conhecimento e tenho medo de meter os pés pelas mãos. Então, acho que não vou fazer, inclusive aqueles textos que eu tinha rascunhado já joguei tudo fora, até pra não ser tentado a retomar; eu joguei tudo fora, limpei do computador, do disquete, o que tinha impresso joguei na lata de lixo, pra me livrar mesmo.

CM – Em que você está envolvido hoje, quais são os seus próximos projetos?

JC – Agora está saindo um livro sobre o Pelé pela Ediouro. Deu-me muito trabalho, porque o que para os outros é óbvio, eu tive que apurar. E eu tenho, inclusive, muito medo desse lançamento, porque eu fico imaginando, meu Deus, quando tiver as entrevistas, os caras vão começar a perguntar e aquele jogo do Santos contra o Boca Juniors no segundo tempo? Eu não lembro, não sei; eu pesquisei para o livro. Aí não vou saber responder quando perguntarem os detalhes dos jogos, quem fez o gol tal… Vou ter que estudar o meu livro, decorar, fazer apostila pra poder dar entrevista, porque as pessoas que são fanáticos por futebol, mesmo quem não é jornalista ou escritor, sabem todas as escalações. Enfim, vou ter que deixar isso claro em cada vez que eu for divulgar o livro. Mas foi muito divertido fazer isso. O livro se chama Os dez corações do rei (está sendo lançado dentro da série Avenida Paulista), e é um livro exclusivamente sobre o Pelé, não tem nada a ver com o Edson, o ministro, o empresário; inclusive na lista de agradecimentos tem um agradecimento a Edson Arantes do Nascimento, que é outra pessoa. O livro é Pelé.

CM – Você descobriu essa outra pessoa?

JC – Não, o próprio Pelé me falou disso. Antes mesmo de ele me falar, eu já via nas entrevistas do Pelé, ele sempre se refere ao Pelé na terceira pessoa, como um outro. ?Ah, porque o Pelé… Aquele momento na vida do Pelé…?. Ele fala como se fosse outra pessoa. A esquizofrenia começa nele, não é em mim, eu apenas segui a pista. E isso é genial, é maravilhoso, porque isso purifica o Pelé, e é por isso que o Pelé é mito, é um dos motivos; é o maior mito que esse país já produziu, e é um mito fundador do Brasil contemporâneo. E eu fiz esse livro pra falar desse mito, inclusive o próprio editor falou ?o seu livro é mais um livro de mitologia?. Embora seja de futebol, tenha mil discussões de partidas, de gols, de jogadas, mas é um livro de mitologia do futebol, tentando entender como é que alguém se torna rei do futebol.

CM – É a parte poética, a literatura.

JC – É, isso é o que me interessa.

CM – Nesse mundo ávido por informações objetivas e rápidas, onde se encaixa a literatura? O que você espera dela, para a sua vida?

JC – A vida que a gente leva, cada vez mais acelerada, os meios de comunicação moderníssimos, a internet, a TV a cabo, o diabo, tudo isso, por um lado, realmente torna a literatura uma coisa estranha, porque a literatura é o contrário de tudo isso; ela exige introspeção, reflexão, silêncio, paz, mas justamente por ela ser o oposto é que eu acho que ela tem um grande caminho pela frente, tá longe de morrer ou qualquer coisa parecida. Ela é um pouco o refúgio dessa loucura do mundo, uma reserva de paz, até de equilíbrio, de fantasia…

CM – É uma salvação?

JC – É uma salvação, essa é a palavra certa; a literatura torna-se uma arte de salvação, por isso que eu acho que ela tem um grande futuro pela frente. Eu acho mesmo.

CM – E as pessoas que não conseguem salvar-se? Leminski, Ana César. Essa relação de morte, literatura, suicídio…

JC – Primeiro, uma coisa é evidente, não vamos generalizar, em cada um desses casos, o que determinou isso foram os fatores pessoais, cujo histórico eu não conheço, não sei quais foram os fatores; posso ter uma suspeita aqui e ali, mas, no geral, são fatores que somente eles mesmos saberiam ou as pessoas muito íntimas poderiam dizer.

CM – Mas, para eles, a literatura era uma forma de tentar salvar-se?

JC – É, mas aí é que está, tudo depende do uso que você faz das coisas e também da literatura. Existe uma coisa que eu acho muito perigosa hoje em dia que é o seguinte: a literatura adquiriu um status que, por um lado, é um reconhecimento dela, mas, por outro lado, é muito opressivo pros escritores – ela hoje é estudada de uma forma organizada. Nessas últimas décadas fortaleceu uma coisa chamada teoria literária. Hoje, tem mestrado, doutorado, pós-doutorado de literatura; hoje, temos doutores em literatura. A literatura é dissecada, analisada, e existem as escolas teóricas. Enfim, surgiu uma ciência da literatura, ou que pretende ser ciência, eu acho. Desde do século XX, a ordem é a ruptura, tudo que rompe é bom, tudo que não rompe é ruim; é isso que se repete nos mestrados, nos doutorados, nos pós-doutourados. Bom é o concretismo, é Ezra Pond, é não sei quem, porque romperam; ruim é fulano, sicrano e beltrano porque não romperam, porque se repetiram, porque se acomodaram. É uma série de regras e muitos escritores, infelizmente, inclusive jovens, eu vejo isso muito no meio da poesia jovem, eles caem numa de responder e escrever para atender a esse desejo, das autoridades, digamos assim, dominantes no meio literário, e isso é massacrante.

CM – O Leminski vivia esse dilema?

JC – Eu não sou um especialista em Leminski, mas dá pra perceber, lendo a obra do Leminski, não toda, mas o que eu li, que o Leminski era um cara que dava muita importância ao que os intelectuais de São Paulo diziam, ao que os caras que ele admirava na USP diziam, ao que os poetas concretos diziam, há uma série de superegos, a psicanálise diria, dentro dele; xerifes, vigilantes cobrando. Alguém disse lá em Curitiba, uma vez, que todos temos um Wilsom Martins dentro da gente, dizendo ?isso pode?, ?isso não pode?, ?isso é horrível?, etc. Eu acho que a gente tem dezenas de Wilsom Martins dentro da gente, e muitos escritores escrevem para atender a esses chefes, essas supostas autoridades literárias, e são massacrados por isso, e muitas vezes, deixam de fazer o que gostariam de fazer, ou até o que nasceram para fazer, só pra atender a essa demanda. É aquela postura do cara que escreve um conto, um romance, um poema, como se estivesse fazendo uma tese de doutorado ou pós-doutorado, para atender ao desejo do orientador. Literatura não é isso. Começou entrar isso em cena, dançou a literatura. Literatura é liberdade, liberdade absoluta.

Se você não tem liberdade interior, se você não se livra dessas autoridades, você não consegue produzir uma obra original, e isso não é só na literatura, é na pintura, na música, em qualquer arte criativa. Então, fico pensando que no caso do Leminski, não estou dizendo que foi isso que o matou, ou isso que o levou ao suicídio, mas sem dúvida foi um sujeito que viveu muito esse dilema, entre o que ele queria fazer e o que ele nasceu pra fazer, e essas pressões… ele cedia muito a essas pressões.

CM – A Ana César também?

JC – A Ana também cedia, a Ana era uma pessoa interessada em teoria literária, que estudou na Inglaterra, e que levava tudo isso muito a sério. Ao contrário, por exemplo, do Vinícius, que também estudou em Oxford, no entanto, aproveitou a maior parte do tempo não para escrever tese, mas para fazer literatura, e sempre se lixou completamente pro que achavam ou deixavam de achar a respeito dele. O pensamento oficial sempre desprezou a maneira dele fazer literatura, sempre foi considerado um poeta conservador, porque escrevia soneto, porque escrevia verso longo, sempre foi estigmatizado e desprezado; até hoje é, porque era um poeta lírico. No século do formalismo, o Vinícius era um poeta lírico, e estava se lixando para o formalismo, escrevia o que queria. Pergunto-me se, nesses casos radicais, que terminaram em morte, em suicídio – entre outros fatores, insisto – eu acredito que, em primeiro lugar certamente pesaram, em cada caso, fatores pessoais, mas se entre os outros fatores também não entrou este peso desse superego intelectual, essas autoridades internas, que ficavam massacrando o sujeito. Porque isso é uma coisa muito opressiva e pode castrar muito, levar o sujeito a grandes dilemas e acabar cedendo e tentando fazer o que ele não gosta, em vez de fazer o que gosta, mas que ele acha que não vai ser aceito. Tudo, no fundo, é pelo desejo que todos nós temos de sermos aceitos, de sermos amados. Todo mundo tem esse desejo, é preciso saber manejar essa questão, não é por causa disso que vamos ficar entregando-nos, há um limite.

CM – Hoje, você diria que o futuro da literatura é promissor ou incerto?

JC – A literatura é um lugar em que se consegue distanciamento desse mundo opressivo, não pra fugir dele, pelo contrário, para sair, pra fugir sim, desse roldão, dessa correria, enlouquecida, essa cegueira, e encontrar um ponto neutro, em que se pode até ver, refletir, meditar sobre isso tudo. Com o mundo cada vez mais fragmentado, a literatura é um lugar em que se consegue uma coesão interna, um reencontro consigo mesmo, com as suas particularidades, que hoje ficam sem espaço no mundo, pelo jeito que ele está. Então, é por isso que eu acho que ela tem um grande futuro.”