ASPAS
LANÇAMENTO
"Na rede de notícias", copyright Jornal do Brasil, 18/03/01
"Entra no ar hoje o canal Band News, um investimento de US$ 6 milhões feito pela Rede Bandeirantes que se propõe a exibir 24 horas diárias de noticiário pelas operadoras Directv (canal 367), TVA (no Rio, canal 74) e da Neo TV. Além de se enunciar um ?moto-perpétuo de informação?, a novidade também toma para si o posto de ?o primeiro canal brasileiro a transmitir notícias 24 horas por dia?, em um claro embate com a Globo News que, desde 1986, mescla noticiário com programas jornalísticos e é distribuída pela Net e a Sky. Mais que uma versão por assinatura da guerra pela audiência, protagonizada pelas emissoras abertas de TV, o lançamento do Band News suscita questionamentos. Não só sobre a existência de volume de notícias que sustentem 24 horas de programação, como também sobre a capacidade do público de absorvê-las.
?Não há notícia para 24 horas de programação e, mesmo que houvesse, nem o dono do canal agüentaria assistir a tamanho volume de jornalismo. A Globo News e o Band News fazem sentido na medida em que disponibilizam as informações relevantes 24 horas por dia?, avalia o coordenador do curso de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e diretor do Canal Universitário de São Paulo, Gabriel Prioli.
Para o coordenador do Programa de Pós-graduação da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Eco-UFRJ), Muniz Sodré, as pessoas necessitam de uma dose pequena de notícias por dia. ?Precisamos de notícias transitivas e operativas, que nos informem sobre o que estrutura a nossa vida cotidiana. Só que nós recebemos notícias inessenciais. Na verdade, a notícia 24 horas por dia significa o controle do tempo dos sujeitos através do discurso jornalístico. Essa fórmula é americana e começou a ser usada pelo Ted Turner através da CNN, que se acha o máximo?, analisa Muniz.
O editor do Observatório da imprensa on line e nas TVs Educativa e Cultura, Alberto Dines, concorda com Prioli e Muniz. ?Os dois estão certos. Eu preciso de um número pequeno de informações por dia e acho que o acesso a elas é importante. Mas, o conteúdo da notícia que eu preciso não é idêntico ao do Muniz. E não é porque a notícia está disponível, como diz o Prioli, que algo irrelevante se torna importante?, opina Dines.
Em uma alusão ao teórico francês Pierre Bourdier, Dines afirma que a qualidade da informação deve estar à frente da quantidade de notícias veiculadas. ?A reiteração transforma o nada em algo importante. Não contesto o fato de haver notícia para 24 horas, mas é preciso evitar que factóides se tornem fatos. Além disso, dramatizações excessivas fazem com que o irrelevante se converta em algo essencial?, sustenta o jornalista.
É justamente para o drama e a repetição que o autor de Porto dos milagres – atual novela das 20h da TV Globo – Aguinaldo Silva, aficionado por telejornalismo, aponta em sua avaliação. ?Há algum tempo, podemos perceber a tendência da mídia em dramatizar informações que não são dramáticas. Por outro lado, não acredito que exista noticiário para 24 horas de programação. O que vejo são notícias requentadas e repetidas. Às vezes, ligo a TV de manhã, e a Globo News está passando um programa que já assisti na noite anterior?, conta Aguinaldo.
O diretor de jornalismo da Band e do Band News, Fernando Mitre, insiste em que a disponibilização da informação será o ponto alto do canal. ?É óbvio que o público não tem 24 horas para assistir à televisão. Mas ele poderá, através do Band News, ter acesso à notícia a qualquer hora do dia?, explica o jornalista. Essa facilidade de acesso propagada pelos canais fechados não é, segundo o diretor de Jornalismo Rede Record, Luiz Gonzaga Mineiro, uma vantagem exclusiva da TV por assinatura. Para ele, não é preciso ter um noticiário contínuo para fazer 24 horas de jornalismo. ?Não preciso interromper a programação para noticiar, por exemplo, que saiu o alvará de soltura do ex-senador Luiz Estevão. A Claudete Troiano interrompe uma receita e dá essa notícia durante o Note e anote?, diz Mineiro, referindo-se ao programa feminino das tardes da emissora.
Mesmo assim, é bom lembrar que a Rede Record não vacilou em derrubar a sua grade de programação para transmitir o seqüestro do ônibus 174, em junho do ano passado, e a movimentação em torno do velório do governador de São Paulo, Mário Covas, este mês. Ou seja: notícia dá audiência. Principalmente na TV aberta, o que leva a uma diferenciação do horário nobre destas emissoras e dos canais fechados. Nas primeiras, o pico de audiência está na faixa entre as 20h e as 22h, enquanto na TV fechada a concentração de assinantes – segundo pesquisas de hábito realizadas recentemente pela Marplan – é entre 21h e 23h.
De acordo com a diretora de Mídia da agência de publicidade DPZ, Daina Godinho, essas pesquisas mostram que o telespectador que consome notícias confere os fatos nas emissoras abertas antes de migrar para os canais pagos. ?O público ainda tem o hábito de assistir ao jornal das 20h e à novela, antes de migrar para os canais fechados. É por isso que, diariamente, 20% desses assinantes com mais de 18 anos assiste ao jornal das 22h da Globo News?, explica Daina.
Apesar disso, ela garante que anunciar em canais por assinatura, que se dedicam exclusivamente ao jornalismo, é um ótimo negócio porque complementa a afirmação da marca feita no espaço publicitário das emissoras abertas. Mesmo ainda não havendo a medição dos pontos de audiência na TV fechada, o que começará a ser feito, a partir de abril, pelo Ibope. ?A TV por assinatura é programada nas estratégias de mídia para atingir melhor as faixas A e B, através da cobertura única que sua segmentação promove. Anunciar em um canal de notícias é vantajoso, não só no horário de pico, porque ele tem um público seleto todo o tempo. Aí, o que muda é apenas o valor de veiculação, o custo-benefício é o mesmo?, completa Daina."
"De telespectador a consumidor", copyright Jornal do Brasil, 18/03/01
"Na TV aberta, a necessidade do consumo constante da notícia também é verificada entre os telespectadores das classes populares. ?Os meios de comunicação não têm mais telespectadores, ouvintes nem leitores: têm clientes que querem ser bem atendidos. A mulher que está em casa, vendo o Note e anote, quer ter acesso à informação?, diz Mineiro.
Alvo bem diferente do Band News. É de olho no ?público seleto?, que Fernando Mitre promete a qualidade da informação do novo canal jornalístico. ?Teremos a notícia narrada, explicada, dimensionada, repercutida e, se for o caso, analisada?, afirma.
A veiculação da informação como produto a ser consumido pode comprometer a qualidade da veiculação da notícia. ?A Globo News tem mais áudio que vídeo. Espero que o Band News tenha mais imagens dos fatos noticiados. Isso aumenta os custos, mas informa melhor?, diz Alberto Dines.
Gabriel Prioli aponta o escoamento da produção jornalística das emissoras abertas como determinante da qualidade dos canais fechados de notícia. ?Eles são decorrência da produção jornalística das emissoras abertas e não transmitem bem os fatos ao vivo por uma questão de recursos. Em comparação com o custo de uma novela da TV Globo, onde cada capítulo custa cerca de US$ 40 mil, os US$ 6 milhões do Band News são até modestos?. E Muniz Sodré adverte: ?A multiplicidade dos fatos informativos não resulta no aperfeiçoamento do cidadão nem em seu conhecimento sobre o mundo. Quanto mais você é informado do inessencial, menos você sabe sobre si mesmo e mais você é controlado pela lógica do medo?.
Procurada pelo JORNAL DO BRASIL, a Central Globo de Comunicação (CGCom) alegou que não houve tempo hábil para comentar o assunto.
"O inegável efeito CNN", copyright Jornal do Brasil, 18/03/01
"O conceito de um canal com notícias durante 24 horas por dia foi lançado pela Cable News Network, que depois de 20 anos de existência, tornou a sigla CNN quase tão famosa no mundo inteiro quanto a Coca-Cola ou a Microsoft. Na época do lançamento, em junho de 1980, pelo empresário Ted Turner, profissionais do meio zombavam do canal traduzindo CNN como chicken noodles network, comparando a programação insossa e pouco diversificada a uma canja de galinha.
Mas, logo em seus primeiros cinco anos, a CNN passou a ser transmitida para outros países e a se dedicar ao noticiário internacional. Isso fez com que a grade ficasse mais interessante e menos repetitiva. ?É interessante como há 20 anos nos perguntam se há necessidade de um canal com 24 horas de informação. Acho que o sucesso não só da CNN, como de outras TVs e rádios com o mesmo perfil, mostra que o público quer isso. Se não houvesse interesse, essas empresas teriam ido à falência?, analisa o presidente da CNN International Networks, Chris Cramer, em entrevista por telefone ao JORNAL DO BRASIL.
O sucesso alardeado pela CNN vem de seus espetaculares lucros, que já chegaram aos US$ 200 milhões anuais, e alcance – o canal chega a 225 milhões de lares em mais de 200 países e territórios por uma rede de 23 satélites. A empresa tem 22 escritórios espalhados por todo o planeta, que recolhem imagens e notícias para a rede, empregando 4 mil profissionais, num dos melhores exemplos da concretização da aldeia global prevista pelo comunicólogo Marshall McLuhan. Cramer não sabe dizer qual é a característica mais marcante da CNN: se é disponibilizar 24 horas de notícias ou estar presente em cada canto do mundo.
?É difícil dizer. Em cada parte do planeta você teria uma resposta diferente. Somos maiores fora dos Estados Unidos do que aqui. Mas sempre seremos conhecidos pela cobertura da Guerra do Golfo ou do desastre com a nave espacial Challenger?, diz Cramer. O acidente de 1986, citado pelo presidente da rede, foi um marco na história da CNN. Só a TV de Ted Turner cobriu a explosão da nave, pois era a única a prestar atenção a cada fato, por menor que parecesse.
Mas, como nem sempre há acontecimentos nessas proporções que rendam assunto para um dia todo, a CNN costuma ser questionada sobre a possibilidade de uma TV com 24 horas de jornalismo ser levada a fabricar notícias para preencher sua grade. ?Esse é um debate que vem de longa data. Se me perguntam se a CNN providencia o surgimento de notícias a resposta é: não, senhor!?, enfatiza Cramer, completando: ?quando nos reunimos no começo do dia, nunca nos preocupamos com o que fazer para preencher a grade. Temos diferentes programas sobre vários assuntos, como música e esportes?.
Não são poucas as críticas à CNN. No site {http://cnncritical.tripod.com}, uma das questões levantadas é o modo com que a emissora prende o telespectador com anúncios sobre as próximas notícias e testes sobre conhecimento durante os intervalos, e, assim, garante a continuidade da audiência do início ao fim da programação. Também existem teorias, sustentadas por depoimentos de repórteres do canal, sobre como a presença da CNN pode motivar, por exemplo, movimentos contra governos, como uma revolta na Costa do Marfim, no ano passado.
?Não tentamos estimular coisas assim, mas não podemos ignorar esse efeito CNN. Já nos chamaram até de 16? membro do Conselho de Segurança da ONU. Apenas fazemos nosso trabalho. Se isso resulta num mundo melhor, tudo bem?, afirma, orgulhoso, Cramer."
Circo da Notícia ? próximo texto
Circo da Notícia ? texto anterior