Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Patrícia D’abreu

QUALIDADE NA TV

ASPAS

BOICOTE E BAIXARIA

"Protesto contra a baixaria na TV", copyright Jornal do Brasil, 21/4/2001

"Hoje é dia do telespectador protestar. Quem estiver insatisfeito com o conteúdo da televisão brasileira pode desligar seus televisores, entre 20h e 20h30, e aderir ao Dia nacional do protesto contra o lixo na TV. O movimento – que teve início com um e-mail anônimo divulgado pela internet, no qual havia a proposta de um ?desligue? geral de aparelhos durante 15 minutos – conseguiu a adesão do TVer, um grupo de trabalho fundado em 1997 pela então deputada federal Marta Suplicy que se propõe a analisar as conseqüências e responsabilidades da TV no desenvolvimento infanto-juvenil, na formação das mentalidades e nas questões da legislação brasileira. O protesto – que o TVer propôs que passasse de 15 para 30 minutos – antecipa a Semana mundial sem TV que, de amanhã até o dia 28, mobilizará telespectadores do Canadá, dos Estados Unidos, da França e da Espanha.

?Apesar de simbólica, esta ação aponta para a necessidade de reflexão sobre a qualidade da televisão. O TVer não proporia um protesto como esse, mas adere a ele por considerá-lo um movimento de denúncia, um alerta que deve ser conjugado a outras ações?, explica o sociólogo, jornalista e presidente do TVer, Laurindo Leal Filho. Para a psicanalista especializada em terapia da família e diretora do grupo, Eliana Zmetek Naconecy, o protesto brasileiro é conseqüência dos recentes movimentos de cobrança que a sociedade civil organizada vem manifestando contra a TV no país. ?As pessoas estão angustiadas em relação à qualidade da televisão e não estão sozinhas nessa preocupação. Nesse sentido, é importante haver canais que propiciem o diálogo. O TVer é um deles?, sustenta a psicanalista.

É em função desse ?diálogo? que o site do TVer (http://tver.zip.net/) promoverá, entre 20h e 21h de hoje, um bate-papo que abordará o questionamento em torno da qualidade da televisão. ?O grau de reflexão da maioria da população em relação à TV ainda é baixo porque as pessoas não têm acesso a dados que as ajudem no aprofundamento desse questionamento. Daí vem a necessidade de esse protesto estar atrelado à discussão e à reflexão. O fato de ele propor o ?desligue? dos televisores tem a intenção de chamar a atenção das emissoras e do Ibope?, avalia a editora do site do TVer, Mônica Alterthum.

Entre os apresentadores, o protesto de hoje é encarado com um certo desdém. Para Jô Soares, da Globo, por exemplo, a iniciativa de desligar os televisores é a ?única censura cabível? em relação ao veículo. ?A todo momento, um conselho de notáveis se reúne para discutir a televisão. Por que esses mesmo notáveis não se reúnem para discutir a saúde, a violência, a fome ou a educação? Mesmo assim, qualquer manifestação democrática é muito boa?, diz Jô. Já o apresentador do SBT, Carlos Massa, o Ratinho, considera o Dia nacional do protesto contra o lixo na TV ?bobo e desnecessário?. ?Essa briga está com o foco errado, temos que nos mobilizar para protestar contra absurdos como a quebra de sigilo dos votos do senado federal e o roubo de R$ 2 bilhões da Sudam. Quem vai aderir a esse protesto de hoje é quem sequer iria ligar a TV nesse horário?, afirma Ratinho.

Boicote no exterior

De amanhã até o dia 28, a Inglaterra, o Canadá, os Estados Unidos, a França e a Espanha estarão à frente da Semana mundial sem TV. Mesmo contando com órgãos reguladores da programação e do conteúdos dos programas veiculados por suas emissoras, a insatisfação em relação à televisão é marcante nesses países. Entre os americanos, por exemplo, o desagrado beira o exagero. Lá, o movimento Turn it off (desligue) se diz ?dedicado à eliminação da televisão na América?.

Na França, o movimento que prega uma semana sem televisão é mais charmoso. Como alternativa para o ?desligue?, o movimento Semaine sans télé propõem uma programação diária que inclui soirées literárias, exposições fotográficas, idas ao cinema e até piquenique com as crianças. Já os espanhóis escolherem um caminho fashion para protestar: transadas camisetas de adesão ao Apaga la TV podem ser compradas até pela internet. Além de levar o movimento ?no peito?, os espanhóis também listam razões como ?maior capacidade de fazer amigos?, ?maior liberdade? e ?mais vitalidade física? para se ficar longe da tela da televisão. E, na Inglaterra, o White dot adverte: ?Televisão faz mal à saúde. Desligue e viva?."

"Campanha propõe boicote à TV", copyright Folha de S. Paulo, 21/04/01

"Começou como uma corrente anônima na internet. Acumulou adeptos e inaugura um tipo de protesto inédito no país. A idéia é simples: 15 minutos com a televisão desligada na noite de hoje, das 20h às 20h15, como forma de protesto contra o baixo nível que se instalou em grande parte da programação televisiva brasileira.

A ONG TVer, que tem na elevação da qualidade do conteúdo transmitido uma de suas frentes, foi incisiva no apoio: além de ventilar a proposta, oferece por meio de seu site um bate-papo durante o tempo do boicote, enfocando a própria iniciativa, e propõe que ele se estenda por 30 minutos.

Posição diferente foi tomada pelo diretor do programa ?Vitrine? da TV Cultura, Gabriel Prioli. Mesmo considerando ?legítimo? o emprego do boicote como forma do protesto, Gabriel considera apócrifa a corrente que originou a campanha e preferiu não apoiá-la. ?Não acho que o anonimato seja a forma mais interessante. As pessoas têm de se mostrar, dar a cara ao tapa?, diz.

O sociólogo e jornalista Laurindo Leal Filho, presidente da TVer, defende a tese de que, mesmo sendo simbólico, o boicote tem o poder de ?despertar? a sociedade.

?Entre uma população que é basicamente formada pela TV, não se pode esperar que o boicote seja encampado por muita gente, uma vez que as emissoras não vão incluí-lo em suas pautas. Mesmo assim, esse tipo de iniciativa tem a virtude de servir como mais um alerta?, diz, ressaltando que caberiam, sim, com mais eficiência, ?mecanismos institucionais? para dar conta do problema.

O jornalista lembra que duas formas de mediação entre público e emissoras já foram ensaiadas pelo poder público, sem um desfecho por enquanto. Tanto o Conselho de Comunicação Social, previsto na Constituição, quanto a criação de uma agência reguladora para o setor estão na pauta do Congresso, mas não foram à votação. Leal Filho vê com mais urgência a implantação da agência, uma vez que as televisões são concessões estatais.

?Seria um mecanismo importante para canalizar as demandas da sociedade em relação à televisão. Esse tipo de mediação funciona em várias democracias do mundo. Os concessionários públicos de televisão dizem que estamos falando de censura, mas o que eles não admitem é crítica ao que colocam no ar?, dispara.

Se no Brasil a iniciativa é restrita a 15 minutos, num viés mais ?simbólico?, o site canadense adbus ters.org vai mais longe e propõe que o aparelho de TV seja abandonado por uma semana, a partir de amanhã. Apoiada por organizações não-governamentais dos EUA, da França e da Espanha, a campanha existe desde 1999 e tem simpatizantes de 30 países."

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