Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Patriotas e aventureiros

FANTÁSTICO

Clóvis Luz da Silva (*)

Domingo, 16/11/2003. O Fantástico, da Rede Globo, mostrou duas matérias, uma seguida da outra, que suscitaram perplexidade e espanto pela provável inconsciência da emissora quanto à disparidade entre um e outro conteúdo. Na primeira, um grupo de brasileiros relatava suas dificuldades em viajar para os Estados Unidos, depois que o país adotou rigorosíssimas exigências para os turistas como forma de se prevenir contra ataques terroristas. Antes de 11 de setembro de 2001, profissionais liberais, mesmo que fossem participar de encontros profissionais, usavam apenas seu passaporte de turista. Como não tinham ainda conhecimento das mudanças, viajaram novamente para esses encontros levando seu único passaporte. Foram barrados e mandados de volta ao Brasil, não sem antes serem humilhados, isolados em salas da imigração e interrogados como se bandidos fossem. A justificativa oficial: deveriam ter outro passaporte, no qual sua profissão estivesse identificada, e teriam também que justificar a viagem, declarando seus objetivos, quanto tempo ficariam etc.

Na reportagem imediatamente após, a personagem central era uma senhora americana (?) que está viajando de helicóptero do extremo Sul ao extremo Norte do planeta. Passou pelo Pará, depois voou sobre o Pantanal Mato-Grossense, declarou-se fascinada diante da exuberante fauna e flora da região. Em seguida, colheu pequena amostra de água de um rio, para analisar. Foi aí que acendeu a luzinha. Analisar nossa água? Por quê? Para quê? Ela não é uma simples e simpática aventureira?

Alguns trocados

Tudo bem que quem não simpatiza com as teorias conspiratórias nada verá de mal no fato. Biopirataria é fantasioso, só existe na cabeça de quem não tem o que fazer e nada mais sério a pensar.

Mas daqui a alguns anos estaremos em guerra no mundo por causa da água, e o mundo precisará do Brasil, por sua fabulosa reserva de água. Aí chega uma estrangeira, pega um pouco dessa água para analisar, e tudo bem? Pode ser mesmo que não tenha nada a ver, afinal, pesquisar coloração, salinidade, acidez, composição da água brasileira, quem sabe, possa apenas fazer parte dos hobbies da simpática turística.

E você, leitor, percebeu alguma disparidade entre o conteúdo das duas matérias do Fantástico? Foi intencional? Ou será que estou delirando? Ou será que a emissora carioca quis que n&oacutoacute;s, telespectadores, tomássemos consciência do quanto somos ingênuos? Os americanos, para proteger sua pátria, promovem controle rigorosíssimo na entrada de estrangeiros, ao passo que nós, amistosamente, acolhemos americanos que por aqui chegam para se divertir, viajando de helicóptero, colhendo amostras de nossa água, e em troca nos deixam seus sorrisos. E alguns trocados.

(*) Estudante de Letras, Ananindeua, PA