AMAZÔNIA AMERICANA
"Amazônia internacionalizada? Um novo boato", copyright O Estado de S. Paulo, 2/12/01
"Em maio do ano passado, o site www.Brasil.iwarp.com, mantido por ex-militares das Forças Armadas sob o lema ‘Brasil, Ame-o ou Deixe-o’, causou controvérsia ao publicar um mapa forjado mostrando que em 1816, quando os Estados Unidos tinham apenas 40 anos, seus líderes já cobiçavam a Amazônia. Milhares de mensagens trataram de espalhar que o mapa constaria de um livro usado em escolas secundárias americanas. Surgiram desmentidos oficiais em Brasília e Washington. Uma investigação informal conduzida pelo governo brasileiro chegou à origem da operação: oficiais de pijama ligados à direita nacionalista.
A história da internacionalização da Amazônia foi ressuscitada há duas semanas na Internet. Desta vez, o mapa é mais recente, a origem da teoria conspiratória parece ser a esquerda e a identidade dos espalhadores, senão dos autores, do boato eletrônico é conhecida: trata-se de professores universitários.
Segundo a nova mensagem, nas escolas americanas os alunos ‘junior high’ estariam aprendendo que a Amazônia já não é mais compartilhada pelo Brasil e sete de seus vizinhos. A prova estaria no livro An Introduction to Geography, de um certo David Norman. A mensagem traz um fac-símile de uma página da suposta obra, mostrando um mapa da América do Sul com vastas parcelas da Amazônia designadas como The Former Int’l Reserve of Amazon Forest (ou seja, A Antiga Reserva Internacional da Floresta Amazônica).
O e-mail foi enviado sob o título É o Fim da Picada! a uma lista de mais de cem pessoas do mundo acadêmico pelo professor Paulo Ribeiro da Cunha, do Departamento de Ciência Política da Unesp-Marília. ‘Olhem o anexo e comprovem o que consta à página 76 do livro e vejam que os americanos já consideram a Amazônia uma área que não é território brasileiro, uma área que rouba território de oito países da América do Sul e ainda por cima com um texto de caráter essencialmente preconceituoso’, escreveu ele, no dia 14 de novembro.
Um pedido de esclarecimento sobre a origem do mapa feito for uma das pessoas que o recebeu obteve resposta da mulher de Cunha, Meire Mathias. Em mensagem do dia 16, ela confirmou que seu marido distribuiu o e-mail para a lista.
Mas ela identificou o remetente original como Danilo Martuscelli, um pesquisador do Centro de Filosofia e Direitos Humanos (IFHC) da Unicamp.
Tradução – Uma análise detida sobre o mapa revela que seu autor é brasileiro. O texto foi pensado em português e vertido para o inglês, resultando no ‘ingreis’ – o divertido dialeto das traduções literais e sem sentido que Millôr Fernandes consagrou no livro The Cow Went to the Swamp, ou, em bom português, A Vaca foi para o Brejo.
Um exemplo: em inglês não se escreve ‘the most important rain forest of the world’, mas ‘the world’s most important rain forest’. E a expressão ‘the most important’, usada com o significado de ‘a maior’, seria substituída por ‘the largest’ por um americano – estivesse ele interessado ou não em roubar a Amazônia.
Os professores que ajudaram a espalhar o falso mapa poderiam ter verificado a autenticidade do livro. Uma consulta ao catálogo eletrônico da Biblioteca do Congresso, www.loc.gov, que registra todas as obras comercialmente publicadas nos Estados Unidos e em boa parte do mundo, comprovaria que tal obra não existe. Além disso, os EUA já não usam mais a expressão ‘junior high’, mas ‘middle school’.
O governo brasileiro tomou conhecimento dessa nova onda de boatos. Mas, segundo uma fonte oficial, a orientação é evitar um pronunciamento que só valorizaria o que não passa de uma fraude intelectual."