GLOBO E GOVERNO LULA
Chico Bruno (*)
Os leitores com mais de 50 anos devem se lembrar que nos anos da ditadura militar poucos foram os meios de comunicação que resistiram à censura imposta pelos generais de plantão: a grande maioria da mídia embarcou no oficialismo das pautas, atraída, principalmente, pelas benesses financeiras proporcionadas pela Presidência da República e pelos governadores biônicos.
Os mais velhos ainda devem se lembrar da ditadura Vargas, em que imperou o famigerado Departamento de Imprensa, conhecido como DIP, de triste memória para os jornalistas que ousavam discordar de suas pautas oficiais.
Pois não é que hoje, em plena democracia, a subserviência financeira, ou o que valha, traz de volta à tona o oficialismo das pautas? O caso mais estarrecedor é o da Rede Globo de Televisão: até os leigos já começam a perceber que os telejornais globais estão pautados pelo oficialismo.
Além de solenidades oficiais, o Planalto tem providenciado visitas do presidente a montadoras do ABC. Nestes eventos, Lula discursa para milhares de trabalhadores, como nos velhos tempos de sindicalista, e cria as condições para a Globo fazer sua parte, mostrando que o presidente não renega as raízes. Vale a pena frisar que nenhum dos eventos no ABC paulista teve qualquer outra motivação prática, a não ser a simples visita saudosista do presidente. Do tipo "o bom filho à casa torna". São eventos, que pelas condições excepcionais e locais inadequados, obrigam à montagem de esquemas envolvendo perto de 100 agentes de segurança. O que já gerou, inclusive, um incidente em março na Volkswagen. O responsável pelo transporte da comitiva presidencial em viagens ficou gravemente ferido pelo disparo acidental de uma espingarda calibre 12, e está até hoje internado no Hospital São Lucas, em Brasília, onde se recupera, segundo noticiou o colunista Cláudio Humberto em 30 de maio. O episódio não mereceu registro da Globo.
No noticiário oficialista da Globo, especialmente no Jornal Nacional, o que se vê são longas inserções dos discursos presidenciais, em contraste com reportagens que, na maioria das vezes, não ultrapassam os 45 segundos, regra do jornalismo global. Além disso, não se repercutem as falas presidenciais. O presidente falou, está falado, ponto final. Dependendo da agenda, o presidente aparece no decorrer do noticiário no começo, no meio e no fim do telejornal.
Fotocópia do passado
Assuntos espinhosos para o governo, como o arquivamento do pedido de CPI sobre os 30 bilhões de dólares remetidos ilegalmente a Nova York ou o manifesto de 30 deputados petistas contra a política econômica do governo, são transformados em notas, que nunca merecem, nem ao menos, os 45 segundos de praxe. Seria possível enumerar muitos exemplos nestes primeiros 150 dias do governo Lula.
Há, ainda, as pautas IP (impostas pelo patrão), como a que foi veiculada semana retrasada pelos telejornais regionais da Rede Globo Nordeste sobre a situação satisfatória da br-101, entre Salvador e Fortaleza, uma forma de minimizar o discurso oposicionista de que as rodovias federais estão em estado lastimável. Ou, ainda, as matérias sobre o combate do governo aos postos que não baixaram os preços dos combustíveis. Em vez de fazerem o jogo do oficialismo, os telejornais da Globo deveriam informar aos telespectadores que os impostos incidem em 50% na média dos preços, pois o ICMS varia de estado para estado, o que dificulta a questão. Ou, quem sabe, procurar descobrir as verdadeiras causas da queda do consumo de gasolina em todo o país.
Mas, ao contrário, a Globo reforça o discurso palocciano de que não se pode mudar o remédio no meio de um tratamento, ou de que se está trocando pneu com o carro do governo em movimento. Pelo visto, há uma sintonia bem fina entre a Globo, o Planalto e o invisível mercado, com vistas a manter tudo como antes no curral de abrantes.
O jornalismo da Globo, que vinha se recuperando de seu atrelamento à ditadura e aos governos Sarney e Collor com uma dose de olhar crítico aos governos Itamar e FHC, volta aos velhos tempos, tempos em que os generais de plantão no Planalto Central ditavam as pautas da emissora do Jardim Botânico. A lua-de-mel entre governo, mercado e TV Globo faz muito bem aos três, mas é muito danosa aos milhões de telespectadores que ainda não conseguiram mudar de canal ou não se tocaram de que, por enquanto, o que se tem é uma fotocópia do governo passado.
(*) Jornalista