Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Pedofilia não cai do céu

DESINFORMAÇÃO & DISFARCES

Alberto Dines

Sensacionalista, enganosa e simplista é como se deve classificar a cobertura dos chamados "escândalos sexuais" na Igreja Católica. E isso aplica-se tanto à cobertura americana e européia como à brasileira.

Nos EUA, a onda de denúncias de pedofilia praticada por sacerdotes foi acionada pela "indústria das indenizações", híbrido produzido pelo conluio entre o big business advocatício e um poder judiciário apenas preocupado com o desempenho dos juízes e não com a administração da justiça.

O suporte primário deste alvoroço mediático é a veneranda gana de devassar os segredos dos conventos e claustros. No caso dos países luteranos (o Brasil, hoje, é quase um deles), a sofreguidão pelos pecados de padres e freiras é alimentada por um revanchismo teopolítico não menos sórdido, considerando a degradação que grassa no submundo dos evangélicos e do baixo-protestantismo.

Se, como tem sido dito, a Igreja Católica enfrenta um de seus piores momentos em matéria de imagem ? para este Observador mais grave foi a cruzada mundial para acabar com a Inquisição, no fim do século 18 até meados do 19 ? não se pode ignorar que os métodos, teores e resultados práticos e espirituais das seitas e sub-seitas fabricadas em série (e apenas teoricamente ligadas à Reforma) não são menos aviltantes. Talvez até mais graves pelas proporções. E isto sequer tem sido lembrado no copioso desnudamento dos templos da linha romana. Estamos, portanto, assistindo a um gigantesco processo de distorção jornalística.

No caso das revelações sobre pedofilia há uma questão de capital importância flagrantemente subtraída da exposição pública. O caso fica, assim, solto no espaço, caído do céu (ou do inferno), sem a necessária contextualização. Em nome das melhores intenções, sob a proteção da "correção política" e das agendas afirmativas, está-se omitindo da cobertura algo que é etimologica e cientificamente pertinente à mesma questão.

Pedofilia e pederastia têm diferenças insignificantes, dois estágios ou intensidades de um mesmo problema: o homossexualismo Só que hoje tornou-se impolido usar a palavra de origem grega preferindo-se o nome científico consagrado nos estudos de gênero ou a versão abrandada pelo linguajar do showbiz ? gay (mais preconceituosa e estigmatizadora do que as outras).

Na sua matéria de capa (edição 1.748, 24/4, págs. 82-88), Veja ousou relacionar a questão da pedofilia na Igreja com homossexualismo masculino de sacerdotes. Mas de passagem, temerosa de despertar a fúria do lobby dos gays e lésbicas.

Na grande matéria dominical sobre o assunto (com discreta menção na capa), a Folha de S.Paulo tangencia o assunto mas não o encara (21/4, págs. C-1 e C-3) Mas em duas matérias acessórias viu-se obrigada a mencioná-lo: no box sobre o crescimento da Aids entre sacerdotes e no texto de Frei Betto onde este ? como bom jornalista que é ? reconhece que a pedofilia é apenas a ponta de um iceberg: "Seminaristas e padres são, como todos seres humanos, homossexuais ou heterossexuais".

Alguns setores mais sérios da mídia americana estão sabendo lidar com as naturais implicações do caso da pedofilia. Infelizmente isso tem escapado aos nossos correspondentes lá residentes, mais preocupados com a cultura pop, oscares etc.

Na edição de 28 de março, a sofisticada New York Review of Books traz a resenha de uma pesquisa conduzida por dois jesuítas americanos altamente qualificados academicamente ? o professor de ciência política Peter McDonough e Eugene Bianchi, professor emérito de religião. O estudo agora publicado em livro chama-se Passionate Uncertainity: Inside the American Jesuits (University of California Press, 380pp., US$ 29.95). O resenhista da NYRB, Garry Wills, ex-jesuíta, seu colaborador de longa data, é também professor, mas de história.

A questão está lá, inequívoca e inteira. Os autores ouviram dos 200 entrevistados, todos jesuítas, queixas à "Máfia da Lavanda", rede gay dentro do sistema inaciano, informal porém cada vez maior, com um sistema próprio de "proteção", autonomização e apartamento.

Perguntará o leitor: por que é importante incluir na questão da pedofilia o problema da pederastia ou homossexualismo de sacerdotes? A resposta é clara: para descriminar (ou "descriminalizar") a questão e, com isso, retirar dela o elemento "satânico" que tanto fascina a mídia e excita os mediados quaisquer que sejam as suas confissões. Se estamos tratando de uma profanação ela precisa ser exposta em toda a extensão.

Mais do que isso: a imprensa precisa avaliar a sua leviandade quando promove o caso de um sacerdote católico que assumiu abertamente o seu homossexualismo. Este caso esteve nas primeiras páginas dos jornais e revistas nacionais e foi noticiado como coisa natural e legítima. Como se esta opção sexual não representasse uma quebra do voto de castidade e do celibato. Pura hipocrisia: sacerdote homossexual é mais vulnerável às tentações da pedofilia do que um "sacerdote hetero". É preciso ter a coragem de dizer isto com todas as letras.

Este Observador está ciente de que pisa terreno minado. Mas se chegou a hora de quebrar tabus façamo-lo com inteireza e integridade. Talvez só um livre-pensador, agnóstico, anticlerical e secular tenha condições de fazê-lo.