Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Pedro Doria

WATERGATE, 30 ANOS

"A identidade do ?Deep throat?", copyright no mínimo, 15/06/02

"Na madrugada de 17 de junho de 1972, cinco homens invadiram a sede nacional do Partido Democrata, no edifício Watergate, em Washington. Era ano de eleição presidencial, embora as convenções estaduais não tivessem escolhido ainda quem seriam os candidatos. Richard Nixon, no final de seu primeiro mandato, era franco favorito para a reeleição e poucos imaginavam um cenário no qual ele não fosse viver seus próximos quatro anos a poucos quilômetros dali do Watergate, na Casa Branca. Faz trinta anos nesta segunda-feira e o último mistério daquele arrombamento promete ser revelado agora.

O caso Watergate, que culminaria com a renúncia de Nixon ao cargo, é uma história de intrigas no coração da Guerra Fria, que movimenta o imaginário popular desde então. Tem direito a tudo que daria um bom romance policial na ficção. O político todo-poderoso que acha que pode tudo, dois jovens jornalistas pouco conhecidos que desvendam o fio do bordado, e um informante secreto. Deep throat, o Garganta profunda. Um homem que, ocupando um cargo alto na administração federal, tinha um fraco para o uísque e total fascinação pelos rumores da corte. Ainda está vivo – mas pouco mais sabe-se sobre ele. Ou sabia-se.

Na segunda-feira, a revista eletrônica Salon.com promete desvendar sua identidade. Publicará um livro eletrônico assinado por John Dean que, à época, trabalhou no segundo escalão do governo Nixon. Não é a primeira vez que Dean arrisca um palpite a respeito de Deep throat. Em 75, disse que era Earl Silbert, um dos primeiros procuradores a ir atrás da cabeça do presidente. Em 1982, publicou um livro acusando, desta vez, Alexander Haig, chefe-de-gabinete do então presidente. Agora, garante, tem todas as provas e vai acertar.

Mas não tão rápido. O anúncio de que o livro eletrônico seria lançado veio em maio, quando os últimos retoques estavam sendo dados à investigação. Por exemplo, comunicar ao suspeito de que ele seria desmascarado. Agora, informa o Los Angeles Times, ?ele não apenas nega a acusação como enviou à Salon boas provas do contrário.? Editor-chefe da revista online e um dos mais argutos comentaristas de alta-tecnologia que há, Scott Rosenberg está considerando a possibilidade de atrasar a publicação. ?Qualquer coisa pode acontecer?, disse ao Times, ?mas por enquanto estamos planejando publicar no dia 17 como previsto.? E então, num desabafo, ?essa realmente tem sido uma história complexa?.

Sempre foi, desde o início. Só quatro homens vivos conhecem a identidade do homem que municiou de informações o Washington Post na série de reportagens – muito provavelmente – mais espetacular do século 20. Os repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, seu editor-chefe ao tempo, Ben Bradlee, e o próprio Deep throat. Conforme Woodward e Bernstein iam ligando os cubanos anti-castristas que foram presos invadindo a sede nacional dos Democratas a mais e mais gente, primeiro no grupo que organizava a campanha de Nixon, depois na administração federal, mais e mais acima na ladeira até o próprio presidente, Deep throat os guiava. Poucas vezes deu informação concreta, tinha o cuidado de separar rumor de fatos que conhecia, mas sempre indicava que caminhos seguir. ?Sigam o dinheiro?, seu conselho que virou o mantra sempre esquecido do jornalismo investigativo, levou a dupla de repórteres a traçar as fontes de pagamento dos invasores.

Curiosamente, Nixon fez o resto. Ele próprio cavou sua cova. Por algum motivo inexplicável, ordenou que todas as conversas que ocorriam em sua sala fossem gravadas, embora raros seus assessores e secretários soubessem. O grampo que ele próprio plantou, no fim, o obrigou à renúncia, transformando-o num dos mais fascinantes personagens da história contemporânea. Não era corrupto, não no sentido de uma ambição desmedida por dinheiro como a que enriqueceu a família Kennedy. Mas era profundamente ambicioso politicamente. Queria poder, mais e mais, e era paranóico. Não confiava em ninguém. E não tinha um pingo de caráter.

Sua história pessoal, incluindo o fim quase farsesco, é também a melhor parábola a respeito do jogo entre poder e imprensa que formou os Estados Unidos da segunda metade do século 20, levando-o à crista da ordem mundial. Nasceu e formou-se politicamente num país, chegou à presidência noutro – e jamais percebeu as transformações.

E é uma coincidência a de que o possível atraso nos planos de publicação da Salon, um dos ícones da imprensa digital, tenha sido divulgado pelo Los Angeles Times. Californiano, Richard Nixon caiu nas graças da família Chandler, dona do Times, ainda jovem. Neste tempo, o das décadas de 30 a 50, os Chandlers não eram só donos do maior jornal de LA, mas também de quase toda a cidade – e do estado da Califórnia. As páginas eram usadas sem pudores para a eleição de políticos, aprovação de leis e até derrubada de quem quer que fosse contra seus interesses.

Isso representava, também, constantes atritos entre a conservadora sociedade ao redor dos Chandlers, da qual Nixon foi o maior expoente, e Hollywood. Um dos filmes menos compreendidos de Frank Capra – espécie de ícone do cinema pós-Guerra – é A mulher faz o homem (Mr. Smith goes to Washington), que critica justamente a influência política de donos de jornais no tempo numa caricatura dos Chandlers. Chinatown, dos melhores thrillers policiais produzidos nos EUA, aborda o escandaloso desvio das águas do Vale de San Fernando para Los Angeles – feito pelos Chandlers.

Só que os anos 50 e a descarada manipulação das notícias viraram coisa do passado. Eleito presidente em 1967, Richard Nixon continuou sem compreender que a imprensa já não estava mais à venda. E se de um lado houve o Los Angeles Times dos anos 40, do outro estava o Washington Post dos anos 70. As investigações de Watergate foram, de certa forma, a invenção da relação moderna entre imprensa e poder. Agressiva, sem dúvida alguma, mas responsável. Deep throat nunca foi, apenas, uma fonte em off. Por mais correto que podia estar e por mais seguras suas informações, tudo foi confirmado com pelo menos mais três fontes antes de ganhar as páginas. E, mesmo assim, às vezes estava sujeito a erro.

Woodward, que já conhecia Deep throat de outras reportagens, refere-se a ele no livro ?Todos os homens do presidente? como ?Meu amigo?. O apelido Garganta profunda foi dado por Howard Simmons, um dos editores-executivos do Post, em homenagem ao filme estrelando Linda Lovelace que, a seu modo, inaugurou a indústria do cinema pornô, tirando-a do amadorismo. Outro filme, homônimo do livro dos jornalistas e estrelando Robert Redford e Dustin Hoffmann, nos papéis respectivos de Bernstein e Woodward, culminou para criar a mística ao redor da fonte.

Quais seriam seus interesses? Movido por uma honestidade pragmática decidiu contribuir para a saída de um escroque da presidência do seu país? Ou tinha ambições políticas próprias que o presidente atrapalhava? O compromisso entre ele e Bob Woodward vale para enquanto estiver vivo. ?Ao longo dos anos?, escreveu Ben Bradlee, o editor-chefe do Post em sua autobiografia ?A good life? (Uma boa vida), ?alguns dos mais inteligentes jornalistas e políticos de Washington tentaram identificar Deep throat sem successo. É o segredo mais bem guardado do jornalismo da cidade.?

Segunda-feira é dia de capítulo novo. Quem sabe, o epílogo."

 

POST BOICOTADO

"Grupo pró-Israel boicotará o ?Post? por uma semana", copyright O Estado de S. Paulo, 11/06/02

"A exemplo do que já haviam feito em relação aos jornais The New York Times e Los Angeles Times, grupos que apóiam Israel decidiram submeter The Washington Post a uma semana de boicote, a partir de ontem. O jornal tem sido acusado de relatar alguns episódios do conflito entre israelenses e palestinos de um ponto de vista supostamente favorável aos árabes. ?Não estou interessado em equilíbrio, quero a verdade?, disse um crítico do jornal, o advogado Laurel Anchors.

Um porta-voz do Post lembrou a grande polarização que caracteriza o tema. E ponderou que a ?verdade? é vista de forma diferentes por ambos os lados.

Phil Bennett, editor do noticiário internacional, disse que as críticas levaram o jornal a ser mais cuidadoso com a linguagem, não descrevendo, por exemplo, assassinatos como ?retaliação?, o que poderia parecer implicitamente uma justificação dos ataques. Mas o jornal não tem uma ?consciência preconceituosa?, acrescentou Bennett. ?Muitas das críticas nem têm ligação com as histórias e fotos publicadas. Elas são percepções de preconceitos que são em si mesmas formas de preconceitos.?"

 

CASO DANIEL PEARL

"Vídeo de Daniel Pearl é documento histórico", copyright Folha de S. Paulo, 11/06/02

"Apesar dos esforços do FBI (a polícia federal norte-americana) de tirar do ar todos os sites que ousaram exibir as cenas, ainda é possível ver o vídeo com o assassinato de Daniel Pearl na internet. A iniciativa é do site do jornal ?The Boston Phoenix? (www.bostonphoenix.com), que publica em seu site link para as cenas (prohosters.com/pearl).

De acordo com editorial da publicação, intitulado ?Liberdade de Escolha?, era preciso mostrar as cenas em que o correspondente do diário econômico ?The Wall Street Journal? no Oriente Médio é morto por extremistas islâmicos no Paquistão. A questão, diz o jornal, é histórica.

O contra-argumento do FBI é que se trata de uma prova de crime e, como tal, não pode ser exibida fora de um tribunal em que o crime esteja sendo julgado. Já a família do jornalista declarou que aqueles que assistem ao vídeo ?se prestam sem vergonha ao plano dos terroristas?.

Todos são pontos defensáveis.

Eu assisti ao vídeo no último fim de semana. Trata-se na verdade de um clipe montado pelos extremistas. Por sua importância histórica e tudo o que representa, é o ?Zapruder Film? de minha geração. Para quem não se lembra, Abraham Zapruder foi o único cinegrafista amador que registrou o assassinato de JFK, em 21 de novembro de 1963.

No ?Pearl Film?, a cena em que o jornalista norte-americano é decapitado impressiona, claro, pela violência, embora passe a sensação de que Pearl já estivesse morto ao ser decepado. Se não diminui a selvageria, ao menos sugere o consolo de que ele não tenha sofrido tanto.

Paradoxalmente, no entanto, não é essa a cena mais violenta. Impressiona mais ver o repórter no segmento prévio. É quando ele é obrigado a fazer sua declaração de simpatia à criação de um Estado palestino e contra Israel.

?Sou judeu, meu pai é judeu?, começa ele, quase esboçando um sorriso, como se estivesse falando para uma platéia de estudantes de jornalismo. Seus olhos vagam sem se fixar na câmera, talvez já consequência das torturas que sofreu, talvez por estar sem os óculos que usou durante a vida toda.

Pearl está obviamente perturbado, mas se esforça para mostrar uma certa descontração, por certo tentando ganhar a simpatia dos terroristas, barganhando internamente em sua cabeça que, se fizesse tudo ?direito?, poderia sair daquela com vida.

Não sai, como todos nós sabemos. Ou deveríamos saber, e para isso a liberdade de poder acessar o vídeo é fundamental."